Cabo Ligado Semanal: 1-7 de Agosto de 2022
Número total de ocorrências de violência organizada: 1,372
Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,178
Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,808
Resumo da Situação
Os ataques dos insurgentes na semana passada tiveram lugar em cinco distritos diferentes: Macomia, Mocímboa da Praia, Nangade, Meluco e Muidumbe. Dois desses ataques foram dirigidos a postos avançados das forças de segurança moçambicanas. Essa ânsia de confrontar diretamente as forças de segurança, após um intenso período de ataques a alvos civis, indica a necessidade de reabastecimento de armas e munições.
A 7 de Agosto, os meios de comunicação social do Estado Islâmico (EI) publicaram um comunicado reivindicando a responsabilidade por um ataque a uma base das forças de segurança em Namuembe, cerca de 30 km ao sul da sede do distrito de Nangade. No comunicado, o EI alegou ter ferido vários soldados moçambicanos antes de apreender armas e munições e de se retirarem para a mata. O EI também publicou uma foto de cinco insurgentes posando em frente aos supostos despojos de Namuembe, que incluem espingardas, metralhadoras ligeiras, munições, explosivos e roupas militares. Um consultor de segurança informou que dois membros da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da polícia foram mortos no ataque. Outra fonte de segurança confirmou o incidente e acrescentou que os oficiais da UIR ali estacionados se retiraram em face do ataque.
Em Meluco, os insurgentes lançaram um ataque semelhante a uma guarnição das forças de segurança em Namituco, a pouco mais de 30 km da sede do distrito de Meluco. De acordo com um comunicado do EI, os insurgentes feriram vários soldados, queimaram o quartel e saquearam munições. Outra fonte de segurança reportou um ataque a uma base das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) em Meluco, mas não pôde fornecer mais detalhes. Um consultor de segurança afirmou que um membro das forças de segurança do governo ficou ferido no ataque, o quartel de Namituco foi destruído e uma grande quantidade de equipamentos foi roubada.
No entanto, os insurgentes também têm realizado ataques a comunidades civis. A 2 de Agosto, um grupo armado decapitou três pessoas na aldeia de Litanduca, cerca de 35 km a norte da sede do distrito de Macomia, segundo a Voz da América. Mais tarde, o EI assumiu a responsabilidade pelo ataque, divulgando nas redes sociais que havia morto três pessoas e queimado uma motocicleta na aldeia.
A 6 de Agosto, os insurgentes mataram dois civis que trabalhavam nas machambas perto da aldeia de Nantika, no distrito de Muidumbe, segundo um relato de um consultor de segurança. Após o ataque, os moradores fugiram para as aldeias de Malongha, Namacule e Muambula, onde os deslocados tinham regressado recentemente para casa.
Em Mitope, cerca de 35 km a oeste de Mocímboa da Praia, os insurgentes atacaram, matando pelo menos um, queimando várias casas e saqueando alimentos. Uma declaração do EI afirmou que os insurgentes queimaram 15 casas.
A Força de Defesa do Lesoto (LDF) anunciou em 2 de Agosto que, juntamente com a Força de Defesa Popular da Tanzânia (TPDF), iria fornecer segurança para os moradores de Chibau, cerca de 10 km ao sul da Nangade, onde insurgentes foram recentemente avistados nas machambas. Esta operação segue-se a um ataque insurgente à sede distrital de Nangade de 26 de Julho, durante o qual a LDF foi criticada por agir de forma indecisa.
Mais detalhes do ataque ao escolta militar em Macomia vieram à tona na semana passada, na qual as forças de segurança dispararam contra um civil inocente durante a perseguição de insurgentes. De acordo com uma fonte local, o homem foi encontrado escondido no mato carregando bagagem e foi baleado por militares que assumiram que ele era um insurgente. Um consultor de segurança informou também que um membro das forças de segurança governamentais matou um civil na Nova Zambézia no dia 4 de Agosto em operações decorrentes do ataque.
Num outro caso similar, a 3 de Agosto a polícia deteve mais de 30 homens portando catanas no distrito de Balama por suspeita de serem insurgentes. No dia seguinte, o Administrador Distrital, Edson Lino, anunciou que os 39 homens detidos eram na realidade trabalhadores da empresa madeireira MINT e que todas as acusações haviam sido retiradas.
Foco Semanal: Estudo da OMR sobre Deslocamentos
O Observatório do Meio Rural (OMR), sediado em Maputo, divulgou na semana passada um importante relatório baseado num inquérito às pessoas deslocadas pelo conflito. A pesquisa foi realizada ao longo de 2021. O relatório relaciona os padrões de deslocamento com as tendências das operações de insurgência e contrainsurgência. Os resultados fornecem uma perspectiva valiosa sobre as condições que os deslocados enfrentam e os determinantes socioeconómicos das condições em que se encontram. O relatório destaca a experiência histórica de assentamento e deslocamento no norte de Moçambique, e como isso se relaciona com o controle político e governanção. Desde que a pesquisa foi concluída, o número de deslocados aumentou mais de 34% para mais de 900.0000, com a maior parte desse aumento no sul da província. Neste contexto, o relatório fornece um quadro valioso para compreender e responder à contínua crise de deslocamento do norte de Moçambique.
O relatório identifica três fases principais do conflito e os padrões de deslocamento a que conduziram: O período de 2017 a 2019 viu o deslocamentos de aldeias costeiras para aldeias do interior e centros distritais, bem como para os principais centros urbanos de Mocímboa da Praia e Palma, no norte, e Macomia e Pemba, no sul. Os ataques a Mocímboa da Praia e outras sedes distritais em 2020 resultaram em mais deslocamentos para sul, para o distrito de Metuge, para Pemba e ilhas, e para oeste, para Mueda. O ataque a Palma em Março de 2021 precipitou mais fluxos para sul, para Chiúre, Montepuez e Pemba, bem como para oeste, para a sede do distrito de Nangade e Mueda.
Talvez mais importante ainda, o relatório revela algumas das desigualdades dos deslocamentos. Os locais de refúgio mais seguros nos distritos do sul da província são aqueles que podem ser alcançados com mais facilidade por aqueles com maiores meios. A OMR identifica as famílias dos que possuem emprego, comerciantes e pensionistas como um grupo distinto cujos membros poderiam se mudar para áreas bem servidas no sul de maneira relativamente planeada, e tinham os meios para estabelecer novas vidas, embora imperfeitas. O aumento do número de deslocados no sul são aqueles que tiveram os meios necessários para fugir, mas de forma não planejada face a violência ou do medo da violência iminente. Os mais vulneráveis são aqueles que, devido a meios limitados e redes sociais fracas, foram incapazes de se deslocar. Podem ser encontrados em Nangade vivendo na periferia da sede do distrito, e ao redor das pequenas aldeias no norte de Macomia. Sem que lhes chegue ajuda significativa, dependem da agricultura de subsistência, da caça e coleta. A OMR observa ataques a essas comunidades rurais vulneráveis, incluindo os retornados, por pequenos grupos de insurgentes na sequência da intervenção militar estrangeira no segundo semestre de 2021. Destaca a contribuição dos atrasos na ajuda para a vulnerabilidade dos retornados.
Desde Junho de 2022, ataques de pequenos grupos de insurgentes nos distritos de Ancuabe e Chiúre precipitaram uma nova e distinta fase de deslocamento. Entre 1 de Junho e 21 de Julho, quase 84.000 pessoas foram deslocadas apenas nestes dois distritos – distritos que já abrigam um grande número de deslocadas. Isso equivale a quase 10% de todos os deslocados desde o início do conflito. Com os ataques agora centrados no sul, onde os deslocados estão concentrados, a maioria dos deslocados está a passar pela experiência pela segunda, terceira ou até quarta vez.
Quando inquiridos pela OMR no ano passado sobre os seus planos para o futuro, um número significativo dos entrevistados indicou que não esperava regressar ao seu local de origem. Isto variou de 30% em Montepuez, a 80% em Meconta na província de Nampula. Com as próprias comunidades deslocadas agora sendo atacadas, é improvável que esses números tenham melhorado nos últimos meses. Com efeito, esta semana, os deslocados de Maringanha, em Pemba, manifestaram preocupação com o regresso, segundo uma fonte. Falaram do trauma psicológico entre a população e como isso provavelmente será um obstáculo para o retorno. Zenaida Machado da Human Rights Watch expressou na semana passada preocupações semelhantes com relação à falta de apoio à saúde mental das pessoas deslocadas que sofreram traumas indescritíveis.
Ao concentrar-se na dinâmica da insurgência e da contrainsurgência, a OMR destaca o que descreve como a “incoerência das políticas de intervenção''. A isso, atribui os ataques àqueles que, na ausência de ajuda adequada ou provisão de terras, regressaram no segundo semestre do ano passado apenas para se verem alvos de pequenos grupos de insurgentes dispersos pelas forças de intervenção. Ao concentrar-se nos determinantes socioeconômicos do deslocamento, destaca as desigualdades que podem surgir na resposta humanitária e a necessidade de criar espaço para que estas sejam abordadas.
Resposta do Governo
O que constitui um ambiente de segurança adequado para o projecto de gás natural liquefeito (GNL) de Afungi avançar, emergiu fortemente na semana passada como uma fonte de frustração para o Presidente Filipe Nyusi e seu governo. A TotalEnergies continua relutante em avançar com o projeto no atual ambiente de segurança, enquanto Nyusi e o Ministro de Recursos Minerais e Energia Carlos Zacarias destacam o que descrevem como um ambiente de segurança aprimorado. Durante um encontro com líderes empresariais africanos na semana passada, o Presidente Filipe Nyusi minimizou os riscos de segurança em Cabo Delgado, e em Palma em particular, dizendo que a situação melhorou significativamente e que os negócios estão a retomar as atividades, dizendo aos líderes empresariais que “temos ter em mente que ataques como este não irão terminar” e que “a vida continua.” O Ministro da Energia Carlos Zacarias apoiou este ponto de vista, e disse que estarão reunidas as condições necessárias para permitir que a TotalEnergies retome as operações até ao final deste ano.
No entanto, a opinião de Nyusi sobre a situação de segurança parece estar em desacordo com a da TotalEnergies. Falando em Fevereiro, o CEO da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, rejeitou fortemente a ideia de operar num enclave de segurança. "Não vamos construir uma fábrica em um país onde estaremos cercados por soldados", disse ele aos investidores em Fevereiro. No entanto, no mês anterior em Maputo, tinha afirmado que esperava ver o projeto recomeçar em 2022, caso se verificasse uma melhoria acentuada do ambiente de segurança. Apesar das esperanças do governo de Nyusi de que as operações sejam retomadas antes do final de 2022, a Total não indicou que um ambiente foi alcançado e indicou que essa conversa não começará até 2023.
A dissonância entre o governo e a posição da Total confirma ainda mais a ideia de que o governo favorece uma 'estratégia de enclave' e a resultante abordagem de segurança em dois níveis: o projeto de GNL se beneficiará de uma segurança mais forte, enquanto que a proteção de civis será uma prioridade secundária. Durante o evento, Nyusi disse que a possibilidade de a Total abandonar seu megaprojeto "nunca foi levantada" durante suas conversas com Pouyanné. No entanto, o presidente moçambicano acrescentou que, caso a Total não regresse a Cabo Delgado, o “gás vai ficar lá” e outras empresas poderão interessar-se no mesmo.
Outras autoridades moçambicanas estão também empenhadas em promover a visão de que a normalidade foi retomada em Cabo Delgado. Vários relatórios divulgados durante a última semana destacaram os planos de reconstrução do governo para Mocímboa da Praia, o lançamento de formação de jovens para dinamizar o emprego e a reabertura de unidades de saúde na área. Apesar das aparências, há sinais claros de que o governo ainda está preocupado com a presença e dispersão de insurgentes. Na semana passada, o Ministro da Defesa, Cristóvão Chume esteve presente na inauguração do barco de inspeção Meponda no Lago Niassa, segundo o jornal Notícias. O barco, que estava inactivo há 10 anos, foi restaurado e armado para ser usado para aumentar a vigilância nas áreas próximas à fronteira com o Malawi e evitar que as atividades insurgentes se espalhassem pela província do Niassa, disse Chume. Combatentes da República Democrática do Congo estão associados à insurgência desde o início. Tem havido especulações na Tanzânia de que sua rota mudou para o oeste, via Malawi, em resposta às operações de segurança na Tanzânia.
Também na semana passada, Cristóvão Chume reuniu-se com o seu homólogo tanzaniano, Stergomena Lawrence Tax, na sexta-feira durante uma visita de quatro dias da delegação da Tanzânia. Na ocasião, Chume negou rumores anteriores de que a Tanzânia havia se recusado a participar da luta contra a insurgência, alegando que os dois países são amigos e têm laços históricos. A ministra da Defesa da Tanzânia refutou as alegações de que os líderes dos grupos insurgentes são da Tanzânia, dizendo que eles "não têm nacionalidade" e "não respeitam fronteiras. A Ministra Tax passou um tempo em Pemba reunindo-se com os líderes da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM), bem como oficiais e tropas da Tanzânia que trabalham no distrito de Nangade. Tax está familiarizada com as questões, tendo servido como secretário executivo da SADC de 2013 a Agosto do ano passado.
A organização da sociedade civil Centro para o Desenvolvimento e Democracia (CDD) criticou a mudança do governo na sua Estratégia de Resiliência e Desenvolvimento Integrado do Norte (ERDIN) – agora apresentada como um programa de desenvolvimento em vez de uma estratégia, o PREDIN. O CDD nota que, PREDIN (uma versão não oficial pode ser encontrado aqui) apenas reconhece o papel da pobreza generalizada, da exclusão política e socioeconômica e da desigualdade como “percepções entre os jovens” no norte do país, em vez de adotar uma abordagem mais assertiva, como foi apresentado na primeira versão. CDD observa ainda que o governo moçambicano demorou mais de seis meses a aprovar o PREDIN, e que, desde a sua primeira versão até à versão aprovada em Junho, o programa desloca o enquadramento das causas socioeconómicas internas para causas externas, nomeadamente ligações ao extremismo na África Oriental e outros tipos de crime organizado transnacional.
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