Cabo Ligado Update: 10 - 23 de Março de 2025
Em números
Principais dados na província de Cabo Delgado (10 - 23 de Março de 2025)
Pelo menos 8 eventos de violência política (2 041 no total desde 1 de Outubro de 2017)
Pelo menos 13 fatalidades relatadas de violência política (5.960 desde 1 de Outubro de 2017)
Pelo menos 1 fatalidade relatada de civil (2.484 desde 1 de Outubro de 2017)
A atividade do Estado Islâmico em Moçambique (EIM) manteve-se em níveis baixos durante a última quinzena, provavelmente devido ao mês e curso do Ramadão. O grupo esteve ativo nos distritos de Meluco, Macomia e Mocímboa da Praia. A maior parte das acções do grupo neste mês centrou-se no reabastecimento, com um assalto a uma aldeia em Meluco, emboscadas na N380 e exigência de resgate de barcos de pesca nos distritos de Mocímboa da Praia e Macomia. O administrador do distrito de Mocímboa da Praia está optimista quanto ao facto de os insurgentes quererem entregar-se e apelou à população para que os recebesse. No entanto, nas últimas semanas, não se registaram quaisquer abordagens deste tipo.
Resumo da situação
Insurgentes continuam activos em Meluco
Nos dias 10 e 13 de Março, foram avistados insurgentes ao redor da aldeia de Ravia, em Meluco, o que gerou pânico entre os moradores locais. Os insurgentes apareceram várias vezes nesta área desde 29 de Janeiro, altura em que decapitaram pelo menos três mineiros artesanais.
Na manhã de 17 de Março, os insurgentes atacaram a aldeia de Iba em Meluco, cerca de 80 quilómetros a leste de Ravia, matando um civil e incendiando cerca de 60 casas. No dia 21 de Março, o Estado Islâmico (EI) partilhou fotografias que mostravam os insurgentes a queimar uma casa e de pé sobre um aldeão capturado. Uma fonte local informou que os assaltantes tinham vindo da aldeia de Nguida, em Macomia, e que, por isso, podem não estar relacionados com o grupo avistado em Ravia.
No dia 20 de Março, os insurgentes atacaram a aldeia de Pitolha, a cerca de 25 km da sede do distrito de Meluco, e queimaram várias casas, segundo uma fonte. As fontes disseram que havia indícios de que o grupo pretendia atacar a sede de Meluco.
Membro da Força Local morto, insurgentes intensificam os ataques na N380
O ataque a Iba seguiu-se a uma emboscada que os militares moçambicanos lançaram contra os insurgentes em Nguida, a cerca de 15 km da N380, a 14 de Março. A Lusa noticiou que sete insurgentes foram mortos a tiro e vários outros ficaram feridos.
No dia 22 de Março, os insurgentes lançaram uma emboscada a um camião de cimento na N380, nos arredores da aldeia de Chai, matando um membro da Força Local e ferindo gravemente o condutor e o seu ajudante. Um vídeo que circula na Internet mostra o camião no rescaldo do ataque, rodeado por soldados que parecem ser das Forças de Defesa do Ruanda (RDF), baseada num posto avançado a apenas 1,5 km a norte de Chai. Dois dias depois, um chefe da Força Local reclamou à Zumbo FM da lentidão de resposta das RDF em geral e da sua falta de coordenação com a Força Local.
No dia seguinte, os insurgentes tentaram raptar civis, incluindo mulheres, de pelo menos quatro veículos num troço próximo da N380, perto da zona de Chai, mas foram salvos por uma patrulha das RDF após uma breve troca de tiros. Fontes locais sugerem que os insurgentes terão pensado que o camião transportava alimentos.
Pescadores são mantidos reféns
A atividade das EIM ao longo da costa de Macomia e Mocímboa da Praia continuou na última quinzena, sugerindo que as águas de Cabo Delgado não estão a ser adequadamente patrulhadas pelas forças de segurança. Desde o início do ano, registaram-se pelo menos seis eventos envolvendo EIM nas águas costeiras. A 19 de Março, os insurgentes capturaram cerca de 40 pescadores perto da ilha de Tambuzi, ao largo da costa de Mocímboa da Praia, e tentaram pedir-lhes um resgate de 35.000 meticais (cerca de 550 dólares americanos). Os pescadores foram libertados no dia seguinte, mas não é do conhecimento público se o resgate foi pago. No dia 21 de Março, os insurgentes capturaram quatro barcos de pesca ao largo da costa de Macomia e mantiveram os pescadores como reféns na aldeia de Pequeue, no distrito de Macomia.
Para além de raptarem pescadores, os insurgentes continuaram a atacar as forças de segurança e a confrontar-se com a população local na zona costeira de Macomia e Mocímboa da Praia. No dia 10 de Março, os insurgentes apareceram na aldeia de Ulo, cerca de 10 km a sul da cidade de Mocímboa da Praia, e exigiram que os professores introduzissem um currículo islâmico, informou a Zumbo FM. O Estado Islâmico disse que os insurgentes tinham detonado um engenho explosivo numa patrulha montada das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) na aldeia de Quiterajo a 13 de Março, alegando ter morto e ferido vários soldados. O EI publicou fotografias do incidente no seu jornal al-Naba, a 20 de Março, mostrando três soldados completamente expostos na traseira de um veículo blindado antes da explosão.
O EI também afirmou ter matado um civil na aldeia de Chinda, em Mocímboa da Praia, mas não especificou quando, e o incidente não foi corroborado por outras fontes. A mesma alegação foi repetida na noite seguinte, o que sugere que poderá ter havido uma falha de sistema por parte dos meios de comunicação social do EI e lança dúvidas sobre a alegação.
Foco: Administrador do distrito pede aos residentes que recebam os insurgentes em casa
O administrador do distrito de Mocímboa da Praia, Sérgio Cipriano, disse à Zumbo FM de Pemba, a 22 de Março, que há sinais de que o comportamento dos insurgentes está a tornar-se mais benigno, com os combatentes a aproximarem-se dos residentes para pedir comida. Ele disse que isto parece ser motivado pela fome e exortou a comunidade a ajudar qualquer insurgente que se aproxime deles à procura de comida. Cipriano falou da importância do diálogo e do perdão.
Ao longo da insurgência, ACLED registra apenas dois casos de rendição de insurgentes em Mocímboa da Praia. Ambos os eventos ocorreram em Agosto de 2024, provavelmente na sequência de operações intensivas do Ruanda no sul do distrito, lançadas em Julho desse ano.
Os relatos de actividades recentes dos insurgentes no distrito de Mocímboa da Praia não apoiam totalmente a posição de Cipriano. As acções mais recentes têm sido esporádicas, mas representam uma clara ameaça para as populações civis do distrito. Os acontecimentos relatados nesta atualização são típicos do comportamento do grupo nos últimos meses. O sequestro de um barco de pesca em Tambuzi foi o terceiro incidente do género este ano, e o segundo em Tambuzi. O movimento relativamente livre dos insurgentes nas águas ao largo de Mocímboa da Praia e Macomia não sugere que estejam a tentar entregar-se.
Até agora, este ano, o EIM entrou em confronto apenas duas vezes com as forças do Estado no distrito de Mocímboa da Praia, a primeira quando invadiram uma posição das FADM em Mitope, e a segunda quando foram confrontadas pelas forças ruandesas em Malinde, na costa a norte da vila sede de Mocímboa da Praia.
A violência do EIM em Mocimboa da Praia não contradiz a posição de Cipriano de que alguns insurgentes possam estar desesperados e podem querer regressar. A maior parte da província de Cabo Delgado está atualmente classificada como estando a enfrentar uma crise de segurança alimentar, uma crise que pode estar a estender-se aos insurgentes. O seu movimento também é restrito, uma vez que os rios estão atualmente no seu pico sazonal. Nas suas observações, Cipriano referiu-se à "iniciativa presidencial" de perdoar aqueles que regressam às suas comunidades. O antigo Presidente Filipe Nyusi declarou em várias ocasiões, a última das quais em Setembro, que os insurgentes que se entregassem seriam perdoados, mas nunca especificou o mecanismo, como um programa formal de desradicalização ou outro processo, para oferecer esse perdão. O Presidente Daniel Chapo ainda não repetiu o tom público conciliatório do seu antecessor. Tal como Nyusi, Cipriano centra-se na reconciliação, embora seja igualmente inespecífico. Com esta falta de clareza, é possível que continuemos a assistir a uma atividade insurgente de baixo nível em Mocímboa da Praia num futuro próximo.
Resumo de Notícias
França investiga a TotalEnergies por homicídio involuntário
O Ministério Público francês abriu um inquérito por homicídio involuntário contra a TotalEnergies no âmbito do ataque do EIM à vila de Palma, em Cabo Delgado, em 2021. Em Outubro de 2023, sobreviventes e familiares das vítimas do atentado instauraram uma ação judicial contra a empresa, acusando-a de negligenciar o seu dever de proteger os seus subcontratados. A decisão de abrir uma investigação segue-se a um inquérito preliminar aberto pelo Ministério Público em Maio do ano passado.
EUA aprovam empréstimo de 4,7 mil milhões de dólares para o GNL de Moçambique
O Banco de Exportação-Importação dos EUA aprovou um empréstimo de 4,7 mil milhões de dólares para projeto de GNL de Moçambique liderado pela TotalEnergies em Afungi, no norte de Cabo Delgado. O US Exim já tinha concordado com o empréstimo, mas teve de ser reaprovado depois de o projeto ter sido suspenso em Abril de 2021, na sequência do ataque insurgente a Palma. Estêvão Pale, ministro da Energia de Moçambique, disse ao Financial Times que espera que o Reino Unido e os Países Baixos também voltem a aprovar o seu apoio ao projeto. A decisão do governo holandês dependerá provavelmente do resultado de um inquérito anunciado a 4 de Março sobre as alegações de abusos dos direitos humanos cometidos pelas forças de segurança moçambicanas em relação aos projectos de GNL em Cabo Delgado. A UK Export Finance encomendou também o seu próprio relatório sobre as alegadas violações dos direitos humanos relacionadas com o projeto da TotalEnergies.
Possível regresso da atividade insurgente à Tanzânia
A 21 de Março, a embaixada dos Estados Unidos na Tanzânia emitiu um alerta de segurança para "as ilhas e zonas costeiras a sul de Kisiju". No dia seguinte, a polícia da Tanzânia emitiu um comunicado dizendo que estava a trabalhar com outras agências de segurança sobre os desenvolvimentos. Nenhuma delas deu mais pormenores, embora seja provável que os alertas estejam relacionados com movimentos de grupos ligados ao EIM. Kisiju é uma pequena aldeia portuária no distrito de Mkuranga, cerca de 60 km a sul de Dar es Salaam e mais de 350 km a norte da fronteira com Moçambique.
Entre 2015 e 2017, um grupo armado com ligações jihadistas operava no distrito de Mkuranga e nos distritos vizinhos de Kibiti e Rufiji. Os principais membros do grupo fugiram para Cabo Delgado em 2017, na sequência de uma operação policial nesses distritos. Em Fevereiro deste ano, um criador de conteúdos tanzaniano sugeriu no X que um membro-chave do grupo «envolvido na morte de quatro polícias em Dar es Salaam, em 2016, era de Kisiju. As mortes fizeram parte de uma série de ataques a esquadras da polícia, que se pensa terem sido levados a cabo pelo grupo nos distritos de Mkuranga, Kibiti e Rufiji.
UE sanciona oficiais das RDF que serviram em Moçambique
No dia 17 de Março, o Conselho da União Europeia sancionou nove pessoas e uma entidade relacionadas com a crise na República Democrática do Congo. Três das pessoas sancionadas são oficiais das RDF. O Major-General Eugene Nkubito comanda atualmente a Terceira Divisão das RDF na RDC e liderou as forças ruandesas em Moçambique durante um ano, até Agosto de 2023. O Major-General Pascal Muhizi serviu como Comandante de Grupo de Combate em Moçambique antes de ser destacado para a RDC. Um terceiro, o Major-General Ruki "Rocky" Karusisi, é o comandante do Comando das Forças Especiais da RDF. Não se sabe se já serviu em Moçambique.
As sanções são impostas ao abrigo de um regulamento do Conselho de 2005 que impõe restrições financeiras a indivíduos que violem o embargo de armas imposto pelas Nações Unidas à RDC.
A UE conclui o programa de apoio à FADM
A União Europeia concluiu um programa de fornecimento de equipamento não letal às FADM. Um porta-voz disse ao Zitamar News que a transferência final do material foi feita a 7 de Fevereiro. Esta transferência segue-se à entrega às FADM, em Julho de 2024, do equipamento financiado pela UE que tinha sido fornecido à Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique, cujo mandato terminou nesse mês.
Presidente Chapo encontra-se com Venâncio Mondlane para abordar a crise política
O Presidente moçambicano Daniel Chapo encontrou-se com o antigo candidato presidencial Venâncio Mondlane em Maputo, no dia 23 de Março, de acordo com um comunicado divulgado pela presidência. O encontro, que teve lugar no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, foi descrito como um esforço para promover a estabilidade e a reconciliação nacional, num contexto de agitação política que se seguiu às eleições disputadas no ano passado.
Numa declaração separada na sua página do Facebook, Mondlane disse que o encontro tinha como objetivo iniciar um processo conjunto para responder às exigências e aspirações do povo moçambicano.
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