Cabo Ligado Semanal: 14-20 de Novembro de 2022
Número total de ocorrências de violência organizada: 1,513
Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,422
Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,963
Resumo da Situação
Os insurgentes realizaram uma série de ataques de alto nível na semana passada, visando uma coluna de viaturas da Força de Defesa Popular da Tanzânia (TPDF) em Nangade e um oficial superior da polícia de Palma em Muidumbe, enquanto outros grupos continuaram a sua ofensiva no sudoeste de Cabo Delgado, pelo distrito de Balama.
Balama foi atacado pela primeira vez no sábado, 12 de Novembro, quando insurgentes decapitaram uma pessoa na aldeia de Muripa, a norte da fronteira distrital com Namuno. No dia seguinte, sobressaíram na aldeia de Mualia na estrada N14 que liga a vila de Balama a Montepuez, matando outras duas pessoas. No dia seguinte, viajaram 10 km ao norte, contornando o perímetro da mina de grafite Syrah Resource, e atacaram Marica, decapitando mais dois civis. O Estado Islâmico (EI) posteriormente reivendicou a responsabilidade por todos os três ataques nas redes sociais.
No distrito de Muidumbe, supostos insurgentes assassinaram o chefe de operações da polícia de Palma, bem como sua esposa, sobrinho e um funcionário de uma ONG moçambicana numa emboscada à beira da estrada quando passavam pela aldeia de Xitaxi a 20 de Novembro. O veículo foi atacado e incendiado. Fotos dos restos carbonizados de dois dos corpos circularam nas redes sociais. A ONG Solidarités International disse num comunicado de 22 de Novembro que um de seus funcionários que viajava em privado de Pemba em direcção a Palma estava entre as vítimas.
Na mesma tarde, uma carrinha branca foi alvejada quando circulava pelo mesmo troço da estrada N380 em Muidumbe, mas o condutor e o passageiro conseguiram escapar praticamente ilesos, segundo um consultor de segurança. Imagens vistas pelo Cabo Ligado mostram o veículo crivado de balas. A estrada constitui a principal via que liga os distritos de Macomia, Mueda e Mocímboa da Praia.
A aldeia de Muambula, no sul de Muidumbe, foi atacada duas vezes na semana passada. A 14 de Novembro, os insurgentes chegaram disfarçados de civis comuns, escondendo armas automáticas sob as roupas, informou uma fonte local. Ao perceberem que estavam a levantar suspeitas, abriram fogo na área da escola e do mercado. Depois saquearam a aldeia e carregaram a mercadoria para carro roubado e seguiram para o sul até Namacule, onde queimaram um punhado de edifícios. O Sistema de Gerenciamento de Recursos de Informações sobre Incêndios da NASA, que monitora incêndios com observações de satélite, detectou uma sinal de calor diretamente sobre uma área construída de Namacule a 14 de Novembro. O EI alegou ter entrado em confronto com soldados moçambicanos e milícias locais em Muambula e decapitado uma pessoa, publicando imagens horripilantes nas redes sociais de um homem sendo decapitado vivo. Os insurgentes teriam entrado na aldeia novamente a 17 de Novembro, provocando a fuga dos moradores. Uma fonte disse que uma pessoa foi decapitada.
Em Nangade, no dia 15 de Novembro, os insurgentes executaram outra emboscada bem-sucedida contra uma coluna da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM). A coluna consistia de viaturas das TPDF e das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). As TPDF foram forçadas a deixar para trás três veículos, armas e munições. A coluna estava a deslocar-se da sede do distrito de Nangade para sua base em Mandimba quando foi atingida por granadas propelidas por foguete perto da aldeia de Mungano. Os canais de comunicação social do EI publicaram fotografias de dois camiões em chamas e insurgentes a subir por cima de uma camioneta Toyota camuflada capturada com uma metralhadora montada.
Uma fotografia aérea tirada após o ataque mostrando os dois camiões em chamas, que se acredita ter sido tirada de um helicóptero que evacuava soldados feridos do TPDF, também circulou online e foi republicada em propaganda do EI. Cinco soldados ficaram feridos e três insurgentes foram mortos no confronto, informou uma fonte local.
Notavelmente, os insurgentes retornaram a Mbau, no sul do distrito de Mocímboa da Praia, na semana passada, onde as FADM e as Forças de Defesa de Ruanda (RDF) descobriram grandes estoques de armas e munições insurgentes em Outubro. A 16 de Novembro, vários pescadores foram capturados na área por insurgentes e pelo menos dois foram decapitados. Um teria sido solto e instruído a espalhar a notícia de que os insurgentes estavam por perto.
No dia seguinte, a 17 de Novembro, a aldeia de Nguida, no distrito de Macomia, foi novamente atacada, tendo sido atingida anteriormente a 10 de Novembro e 8 de Outubro. Nesta ocasião, o EI afirmou ter matado cinco soldados e ferido outros. Esta afirmação ainda não foi verificada, mas vários soldados foram dados como desaparecidos..
Foco Semanal: Al Naba destaca Moçambique
A edição de 17 de Novembro do Al Naba, o boletim semanal do EI, dedicou três páginas a Moçambique. Duas delas centraram-se na revisão habitual dos incidentes da semana passada e incluíram um infográfico apresentando um resumo das acções empreendidas em Cabo Delgado entre 9 e 14 de Novembro. O destaque final foi o editorial. Tal reflectiu-se na importância da insurgência para o EI em geral, no seu impacto nos projectos de investimento em Cabo Delgado, na expansão para sul e na resposta militar nacional e internacional.
Os números apresentados no infográfico não são exagerados. Al Naba reivindica nove incidentes nos seis dias cobertos. ACLED registrou 11 incidentes verificados, incluindo os nove reivindicados pelo EI. Para esses incidentes, ACLED registrou pelo menos 18 fatalidades relatadas, em comparação com as 20 registradas em Al Naba. O infográfico também se refere aos “milhares de deslocados” naquela semana, o que também não é exagero, e o número de casas queimadas. Isso é consistente com os relatórios anteriores do EI e diz-nos que o alvo de civis e o deslocamento forçado são táticas-chave que serão mantidas. Dada a incapacidade dos insurgentes de controlar o território, isso não é surpreendente.
Moçambique já apareceu três vezes nos editoriais do Al Naba. Em Julho de 2020, o foco foi o sofrimento não especificados dos muçulmanos moçambicanos nas mãos do “bando comunista”, como a Frelimo foi descrita, e na probabilidade de intervenção ocidental ou regional para garantir projetos de gás natural. O editorial em Agosto de 2021 foi emitido apenas um mês após o destacamento das tropas ruandesas e da SAMIM. Ainda na Província da África Central do EI (ISCAP), Al Naba comparou a intervenção da “aliança africana” com intervenções fracassadas na República Democrática do Congo (RDC). Também destacou a falta de coesão entre as forças de intervenção ruandesas e da SADC.
O editorial da semana passada é confiante no tom e abrangente nas questões abordadas. Inicia apresentando os insurgentes em Cabo Delgado como exemplares. Escreve sobre “muçulmanos não árabes … competindo pela vitória … enquanto os muçulmanos de língua árabe falham”. Os jihadistas africanos, afirma, representam “uma nova geração de fé”.
A redação centra o impacto econômico da insurgência mais do que os editoriais anteriores. Anteriormente, os projetos de gás natural eram apresentados apenas como interesse dos países “Cruzados” para uma intervenção internacional. Desta vez, comemora-se a suspensão dos projetos, tanto de gás natural quanto de mineração, à medida que o conflito se alastrou para o sul. Seu impacto global também é destacado, apresentando o conflito como uma ameaça ao “comércio global”.
A redação também observa o impacto político e como a narrativa passou da eliminação do “terrorismo” para as “estratégias de coexistência”. Sem o nomear, Al Naba refere-se inequivocamente ao comentário do Presidente Filipe Nyusi em Agosto que “o terrorismo não tem fim e a vida deve continuar”. Considera seus comentários uma espécie de vitória, já que seu governo tenta garantir os projetos, apesar da insegurança contínua. Menos atenção é dada às forças de intervenção, apenas que falharam e tal como as Forças de Defesa e Segurança e as Forças Locais, contam com apoio externo.
A mensagem do infográfico, de que os civis são um jogo justo, é repetida no editorial. A mensagem dada há duas semanas em Macomia escrita à mão, e no Al Naba online, de que a “deslocação e terror” só pode ser evitada pelo Islão e a homenagem é repetida. Também está claro que, quando os combatentes são poucos, “a decapitação de um cristão numa aldeia” é suficiente “para desalojar centenas de cristãos nas aldeias vizinhas”.
O editorial indica a seriedade com que o EI vê a sua jovem afiliada. A atenção dada ao impacto econômico do conflito indica que os investimentos estratégicos na província continuarão sendo direcionados de tempos em tempos. Mas também está claro que o EI sabe que a maior perturbação vem de visar pessoas em áreas rurais, implantando o medo que ainda deixa quase um milhão de pessoas deslocadas.
Resposta do Governo
Moçambique continua a procurar fortalecer os laços bilaterais com outros membros da SADC. As estruturas bilaterais continuam a ser críticas na abordagem de questões de segurança na região, juntamente com os mecanismos da SADC. Após assinar acordos de cooperação com o Malawi em Abril e a Tanzânia em Setembro, o Ministro da Defesa Nacional de Moçambique, Cristóvão Chume, reuniu-se com o seu homólogo zambiano, Lwiji Lufuma, na 11ª Sessão da Comissão Conjunta Permanente Moçambique-Zâmbia de Defesa e Segurança, realizada na capital da Zâmbia, Lusaka a 16 de Novembro. Os dois ministros assinaram um acordo de cooperação na partilha de informação e formação em defesa e segurança. Segundo um comunicado do Ministério da Defesa de Moçambique, Chume disse ser importante que os dois países "melhorem a sua capacidade de acção face a todo o tipo de actividades suspeitas e transnacionais".
Cortejar a Zâmbia tem um certo significado antes de o Presidente da Zâmbia, Hakainde Hichilema, assumir o cargo de Presidente do Órgão de Cooperação em Política, Defesa e Segurança da SADC a partir de 2023. Mais do que reunir apoio militar, a Zâmbia também tem uma importância geográfica, pois fica entre Moçambique e a RDC, cujo próprio ramo do EI tem estado intimamente ligado ao de Moçambique. A Zâmbia é também o corredor de muitos imigrantes ilegais que entram em Moçambique pela província de Tete, tornando a segurança nas fronteiras um dos focos da comissão bilateral. Chume disse a 15 de Novembro que o governo está a estudar possíveis vínculos entre “terrorismo” e imigração ilegal e está em diálogo com alguns países da região para entender melhor o problema.
Enquanto Chume se reunia com Lufuma na Zâmbia, o Secretário Executivo da SADC, Elias Magosi, visitou Cabo Delgado de 14 a 16 de Novembro. Esta foi sua primeira visita à região desde o destacamento da SAMIM. Magosi fez uma visita abrangente pela província, visitando os distritos de Mueda, Macomia, Nangade e Pemba. Em Macomia, teria “testemunhado em primeira mão as tropas da SAMIM a perseguir os terroristas que tentaram um ataque, mas recuaram”. Nenhum outro detalhe do incidente foi divulgado.
A 14 de Novembro, a Força Aérea de Moçambique recebeu duas novas aeronaves que se deverão juntar aos esforços em curso de combate à insurgência em Cabo Delgado. As aeronaves checa LET L-410 e espanhola CASACN295, com capacidades de 17 e 30 lugares, respetivamente, destinam-se a operações militares e transporte de carga, segundo o comandante da Força Aérea de Moçambique, Cândido Tirano. As duas aeronaves foram fornecidas pela empresa sul-africana Paramount Group, de acordo com a Carta de Moçambique.
Em Fevereiro de 2021, Moçambique contratou a Paramount para fornecer recursos aéreos e veículos blindados, bem como formação relacionada por meio de sua recém-criada Divisão de Treinamento Avançado e Suporte com seus parceiros da Burnham Global, com sede em Dubai. As informações sobre o programa de treinamento são escassas. Acredita-se que 15 pilotos moçambicanos foram formados na Paramount Technical Training Academy, informa a Carta, acrescentando que a Burnham Global deu formação na operação de viaturas blindadas em Moçambique. Entre as vantagens destas novas aeronaves para as forças governamentais, disse Tirando citado pelo Notícias, está a possibilidade de aterrar em “pistas não convencionais e terrenos não preparados”, estando ambas “equipadas para permitir uma maior capacidade de destacamento de forças especiais”, incluindo pára-quedistas.
A 16 de Novembro, o governo foi ao parlamento moçambicano para responder às questões dos deputados sobre a situação de Cabo Delgado. O Primeiro-Ministro Adriano Maleiane disse que 1.569 funcionários públicos regressaram ao trabalho, incluindo líderes locais nos distritos de Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Palma e Quissanga. Acrescentou que o Governo está a trabalhar para garantir o regresso dos serviços públicos e infra-estruturas nos distritos outrora afectados pelo “terrorismo”, e que em Cabo Delgado existe “relativa tranquilidade”. No dia seguinte, a ministra do Interior, Arsénia Massingue, disse que a guerra em Cabo Delgado está controlada, e os “terroristas” já não têm bases permanentes nem áreas controladas — fazendo eco da mesma afirmação do ministro da Defesa, Cristóvão Chume, a 14 Novembro. Segundo o CanalMoz, ela acrescentou que os insurgentes estão enfraquecidos e a fugir furtivamente, atacando civis para propaganda mediática.
No entanto, se por um lado o governo diz que a situação está sob controle, por outro parece decepcionado com o ritmo da reconstrução nas zonas livres de insurgentes. Maleiane reconheceu que o regresso dos serviços públicos está a decorrer a um ritmo lento e que a economia continua a ser impulsionada apenas pelos comerciantes locais. Disse que o ritmo da provisão dos fundos do programa de reconstrução não está a ser seguido com urgência no terreno. Apesar desta situação, Maleiane garantiu que o governo vai continuar a dar prioridade à reconstrução do distrito de Mocímboa da Praia por ter um porto e aeroporto estratégicos para dinamizar a economia local e fazer face à logística dos megaprojectos de gás. A Comissão Nacional de Eleições de Moçambique apoiou a declaração de Maleiane a 16 de Novembro, afirmando que existem condições para a realização de eleições no próximo ano naquele distrito. “Parece-nos que há uma boa percentagem de deslocados que já regressaram a Mocímboa da Praia”, disse Alberto José Sabe da comissão eleitoral.
Para ajudar nos esforços de reconstrução em Cabo Delgado, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vai disponibilizar 66 milhões de dólares para os esforços nos distritos de Macomia, Quissanga, Mocímboa da Praia, Palma, Ancuabe e Nangade, disse a Vice-Directora Regional do PNUD para África, Noura Hamladji a 18 de Novembro. Segundo Hamladji, desse montante já foram mobilizados 50 milhões de dólares com os parceiros do PNUD, mas serão necessários mais fundos para reconstruir e reabilitar completamente as infra-estruturas destes distritos.
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