Cabo Ligado

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Cabo Ligado Semanal: 17-23 de Janeiro

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  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,141

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 3,687

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,598

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

A violência insurgente no norte de Moçambique esteve confinada ao distrito de Nangade, uma vez que os combates nos distritos de Macomia, Meluco e Mecula diminuíram por enquanto. Um relato publicado no dia 19 de Janeiro detalhou o espancamento de um homem em Mandimba, distrito de Nangade, por moradores da aldeia que não o reconheceram. O homem portava uma catana e alegou ser membro do exército moçambicano. Ele já foi transferido para a custódia da polícia moçambicana.

A 20 de Janeiro, insurgentes atacaram as aldeias de Ngalonga e Liche no distrito de Nangade, entrando em confronto com milícias locais em ambas aldeias. Várias fontes relataram que membros da milícia foram mortos nos ataques, mas o número de mortes e sua distribuição entre os dois incidentes não é claro. Em Ngalonga, uma força conjunta de tropas moçambicanas e da Missão da Força em Estado de Alerta da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM) acabou por chegar, expulsando os insurgentes da aldeia.

Houve uma tentativa de fuga da prisão na vila de Mueda no dia 22 de Janeiro. Um recluso que trabalhava nos campos da prisão pulou um muro e fugiu. Os guardas da prisão dispararam em sua direção, levando a milícia local a se mobilizar, acreditando que a vila estava sob ataque insurgente. Os membros da milícia encontraram o prisioneiro fugitivo meia hora após a fuga. Não está claro se o fugitivo foi preso sob a acusação de envolvimento na insurgência ou por crimes não relacionados, mas a resposta à tentativa de fuga é digna de nota. É indicativo da confiança do governo moçambicano nas milícias locais que elas seriam as primeiras a responder no caso de um aparente ataque insurgente em um local estrategicamente crucial como a vila de Mueda. Mueda é o quartel-general dos militares moçambicanos no norte de Moçambique, pelo que a primazia das milícias locais na resposta de segurança aí esclarece até que ponto as forças militares moçambicanas estão mobilizadas no terreno.

No dia 23 de Janeiro, insurgentes atacaram a vila de Limualamuala, a menos de dez quilómetros da vila de Nangade. Os atacantes surpreenderam os civis, capturando e decapitando três deles em suas casas. Os civis sobreviventes fugiram para a vila de Nangade.

Novas informações também chegaram na semana passada sobre dois eventos anteriores no distrito de Nangade. Houve um ataque em Limualamuala no dia 15 de Janeiro, no qual insurgentes mataram seis civis e queimaram casas. O ataque ocorreu durante os ritos de iniciação dos jovens da aldeia. Os civis pediram protecção às tropas moçambicanas e da SAMIM durante a cerimónia, mas as tropas saíram no momento em que a cerimónia estava a decorrer. O ataque insurgente começou logo depois. As forças conjuntas moçambicanas-SAMIM regressaram rapidamente à aldeia, mas nessa altura o ataque já tinha terminado. 

Também, a 15 de Janeiro, insurgentes teriam atacado a vila de Unidade no distrito de Nangade, matando um número não especificado de civis e queimando casas. Houve relatos de um ataque na Unidade três dias antes.

O Estado Islâmico (EI) também emitiu uma reivindicação sobre o ataque relatado anteriormente de 15 de janeiro em Nova Zambézia, no distrito de Macomia. Relatos independentes concordaram que três civis foram mortos no ataque, mas a alegação do EI afirmava que os três eram membros da milícia local.

Também surgiram na semana passada detalhes sobre Juma Saide Mussa, um líder insurgente capturado pelas forças do governo moçambicano. Pouco se sabe ainda sobre as circunstâncias de sua captura, mas detalhes de sua biografia e participação na insurgência vieram à tona. Mussa, que é originário da costa do distrito de Macomia, foi recrutado à força para a insurgência após ser sequestrado na sequência de um ataque a Pangane no final de Setembro de 2020. Comerciante costeiro de renome, os insurgentes visaram Mussa por suas  qualidades de gerir embarcações, encarregando-o de algumas operações de transporte costeiro. Ele subiu rapidamente nas fileiras da insurgência, demonstrando os caminhos disponíveis para a promoção na insurgência, mesmo para as pessoas que não aderiram à insurgência por razões ideológicas. 

As forças de segurança moçambicanas anunciaram a captura de outro líder insurgente, identificado apenas por “Ali”, juntamente com outros seis insurgentes, numa operação perto de Litingina, distrito de Nangade. Não está claro quando ocorreu a captura dos insurgentes. De acordo com as forças de segurança, Ali é tanzaniano de nascimento e liderou em vários momentos contingentes insurgentes nos distritos de Macomia e Mocímboa da Praia. 

Surgiram também mais informações sobre a resposta da coligação pró-governamental à violência insurgente em curso no distrito de Mecula, província do Niassa. O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, fez comentários sugerindo que as forças ruandesas seriam destacadas em Mecula para combater a expansão para o oeste pela insurgência. Na semana passada, porém, o governador da província do Niassa disse aos residentes de Mecula que nenhum soldado ruandês foi enviado ao Niassa, e prometeu que as forças moçambicanas seriam capazes de manter a segurança na província. A mudança na retórica parece ser mais uma prova de que o destacamento de Ruanda não está focado nos desafios de segurança além do corredor Palma-Mocímboa da Praia-Mueda. Com os insurgentes neste momento a recusarem-se efetivamente a envolverem-se com as forças ruandesas ao longo desse corredor, o conflito está se tornando cada vez mais uma luta de três vias, com insurgentes de um lado e forças moçambicanas e SAMIM do outro.

Foco do Incidente: Relatório sobre a Vulnerabilidade da Juventude em Cabo Delgado

O Instituto para Justiça e Reconciliação, um think tank sul-africano, e o Centro para Democracia e Desenvolvimento de Moçambique divulgaram na semana passada um relatório sobre a vulnerabilidade da juventude de Cabo Delgado ao recrutamento insurgente. O relatório baseia-se em dois grupos focais que os investigadores realizaram com jovens em Pemba e Montepuez, combinando as suas respostas com os dados do inquérito do Afrobarómetro para traçar um quadro sombrio dos fatores que poderiam levar a juventude de Cabo Delgado a aderir à insurgência.

Muitos dos dados quantitativos do relatório servem para enfatizar os bem conhecidos desafios enfrentados pela juventude de Cabo Delgado. Pessoas de todas as gerações em Cabo Delgado enfrentam níveis desproporcionais de pobreza, um problema que foi dramaticamente exacerbado nos últimos anos pelo conflito, a pandemia de COVID-19 e a destruição provocada pelo ciclone Kenneth. Nos dados do inquérito, os jovens relatam uma insatisfação generalizada com a resposta do governo a esses desafios. Mais da metade dos jovens relatam que acreditam que o governo está tendo um desempenho “algo mau” ou “muito ruim” em melhorar a vida das pessoas pobres e na resposta às preocupações das gerações mais jovens.

Os grupos focais, no entanto, ofereceram narrativas específicas ligando esses desafios ao recrutamento insurgente. Um participante em Pemba relatou que os insurgentes (presumivelmente antes do início do conflito) ofereceram apoio financeiro simplesmente por participarem de seus programas de educação religiosa. Outro reclamou que sua busca pela educação secular não trouxe quaisquer recompensas económicas – não havia empregos disponíveis na sua área de formação. 

Um participante em Montepuez explicou sucintamente o apelo da insurgência violenta quando os esforços do Estado para enfrentar os desafios de equidade e oportunidade parecem paralisados ​​ou atolados na corrupção. Quando a prestação de serviços públicos falha, minando a legitimidade do governo, o participante disse: “Então, posso dizer que não, posso criar meu próprio movimento e fazer minha própria justiça porque o governo não se importa com o interesse público”. A falta de legitimidade estendeu-se também às forças de segurança. Como um participante perguntou: “Se o próprio governo contrata militares privados, isso significa que o próprio governo não acredita em seus próprios militares, então quem sou eu para acreditar neles?” O mesmo participante adiantou que esta análise se aplicava não só à utilização de grupos mercenários por parte do governo moçambicano, mas também às intervenções do Ruanda e da SADC. Em tal lacuna de legitimidade, há oportunidades para imaginar novas formas de governança.

Quando a lacuna de legitimidade é combinada com uma lacuna de segurança, no entanto, essas possibilidades podem ser rapidamente excluídas. Os jovens relatam estar frequentemente em perigo por parte das forças de segurança do Estado, situação que faz com que a insurgência – a única alternativa armada capaz de se defender da coerção estatal – pareça uma saída. Como disse um participante de Pemba: “Muitas vezes, houve casos de extorsão e ameaças por parte dos militares, o que, de certa forma, faz com que alguns jovens, em resposta, se juntem aos extremistas”. Enquanto a insurgência mantiver sua capacidade de se defender contra a agressão do Estado e coagir novos recrutas que poderiam expressar suas reivindicações de outras maneiras, será difícil que outras formas de resistência à má gestão do governo cresçam em Cabo Delgado. Até lá, como o relatório deixa claro, a juventude de Cabo Delgado continuará em perigo tanto de recrutamento pela insurgência quanto de alvos pelas forças de segurança do governo.

Resposta do Governo

A insatisfação pública entre os deslocados no norte de Moçambique está a crescer à medida que a estação chuvosa começa a sério. Deslocados em Nakaka, distrito de Montepuez, relatam não receber ajuda alimentar há três meses, enquanto muitos no distrito de Ancuabe estão a começar a se mudar para o sul e oeste em busca de melhor acesso aos recursos. No distrito de Mecufi, a sul de Pemba, as famílias deslocadas dizem que não recebem qualquer ajuda alimentar há cinco meses e enfrentam a fome se não partirem. 

Muitos desses civis deslocados são beneficiários do programa do governo de distribuição de insumos agrícolas às populações deslocadas, mas, argumentam, o programa está a falhar. Como perguntou um residente de Nakaka, “quando o governo aparece, ele apenas nos diz para começar a cultivar, mas como vamos cultivar se estamos com fome e sem material para capinar?” Um relatório recente do Observatório do Meio Rural (OMR), um think tank moçambicano, destaca os muitos problemas que assolam os deslocados que tentam iniciar a agricultura nos seus novos locais. A pressão da terra é um desafio fundamental. De acordo com a pesquisa da OMR, mais de 60% das famílias deslocadas nos distritos de Montepuez, Chiúre e Meconta têm acesso a menos de um hectare de terra, o que não é suficiente para se alimentar. Outro problema são as tensões com as comunidades anfitriãs – muitas comunidades anfitriãs estão a reivindicar a posse de terras que os deslocados estão a tentar cultivar, exigindo aluguéis que os deslocados não podem pagar.

Como resultado dessas pressões, relata a OMR, muitas famílias deslocadas estão a enviar homens de volta para as suas casas na zona de conflito para aí começarem a cultivar, apesar dos riscos de segurança. Isto, do ponto de vista do governo, é um desastre em termos de segurança. Esses homens não apenas correm o risco de violência e coerção dos insurgentes para alimentar suas famílias, mas mesmo que tenham sucesso no cultivo, os insurgentes podem então visar as suas colheitas, recebendo os tão necessários abastecimentos alimentares, enquanto ainda negam alimentação às famílias deslocadas fora da zona de conflito. O relatório destaca mais uma vez os argumentos de segurança para expandir o apoio internacional de ajuda alimentar em Cabo Delgado, a fim de reduzir os incentivos para que os homens deslocados assumam este tipo de risco. 

O governo moçambicano está a tentar combater a fome em algumas áreas. No dia 19 de Janeiro, o governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, visitou a Ilha Mefunvo, ao largo do distrito de Quissanga, levando consigo arroz e óleo alimentar, bem como outros mantimentos. Ele também exortou as pessoas deslocadas na ilha a dedicarem-se à agricultura, oferecendo-lhes sementes de feijão-frade e sementes de milho, juntamente com enxadas e outros implementos agrícolas.

No mesmo dia, os dirigentes da SAMIM visitaram as suas forças nos distritos de Nangade, Macomia e Mueda. Lá, eles se reuniram com os líderes do destacamento ruandês em Cabo Delgado. Não houve um comunicado oficial de suas discussões, mas um relatório interno da SAMIM obtido por Cabo Ligado oferece uma sugestão sobre o que eles esperavam alcançar. O relatório destaca a falta de partilha de informação com a missão ruandesa em Cabo Delgado como um grande desafio para SAMIM. Um Centro de Coordenação de Operações Conjuntas foi estabelecido em 2021, destinado a resolver o problema de partilha de informações, mas parece que ainda há questões por resolver.

Tanzânia, por sua vez, anunciou na semana passada a assinatura de um Memorando de Entendimento com Uganda cobrindo a cooperação anti-terrorismo. O acordo, elaborado especificamente para combater ameaças de grupos associados ao EI, vem na sequência de acordos semelhantes entre Tanzânia e Ruanda e Moçambique.

Também na frente internacional, a Namíbia anunciou na semana passada que, enquanto se prepara para assumir a liderança do órgão da SADC sobre cooperação política, defesa e segurança, irá destacar oficiais para SAMIM para melhor compreender as condições no terreno no norte de Moçambique. A Namíbia já contribuiu com pouco menos de 400.000 dólares norte-americanos para o custo do destacamento da SAMIM.

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