Cabo Ligado Semanal: 19-25 de Junho de 2023
Número total de ocorrências de violência: 1,652
Número total de fatalidades reportadas de violência: 4,698
Número total de fatalidades reportadas por violência contra civis: 2,013
Resumo da Situação
As Forças de Defesa e Segurança de Moçambique (FDS) parecem ter intensificado as suas operações de contra-insurgência ao longo da costa de Macomia na semana passada. A 19 de Junho, os civis nas aldeias de Pequeué, Milamba, Ingoane, Quiterajo e Pangane receberam ordens de evacuação para dar lugar às forças FDS, ruandesas e sul-africanas. A 20 de Junho, as forças de segurança impuseram restrições à entrada de alimentos em Quiterajo, para evitar que colaboradores alimentassem os insurgentes. Pelo menos um homem foi obrigado a regressar à sede distrital de Macomia por transportar 25 sacos de arroz. No dia seguinte, todas as viagens para Mucojo a partir da vila sede de Macomia foram bloqueadas, alegadamente para impedir que os insurgentes tivessem acesso aos mantimentos, segundo uma fonte local.
Grandes movimentos de insurgentes foram avistados a norte de Mucojo. As famílias na área deram conta do desaparecimento de jovens, que se pensa terem aderido à insurgência, disse uma fonte local ao Cabo Ligado.
Entretanto, foram detectados insurgentes a deslocar-se de oeste para leste a cerca de 4 quilómetros a sul de Chai, em Macomia, rumo à costa, segundo fonte local.
Mais a norte, no distrito de Mocímboa da Praia, pelo menos um outro grupo de combatentes insurgentes continua a operar. Na noite de 21 de Junho, alguns insurgentes, alegadamente liderados por um homem de 24 anos chamado Chissano Andulahi Sualeh, entraram na aldeia de Kalugo, cerca de 30 km a sul da vila de Mocímboa da Praia, compraram comida e roupas e cozinharam para si próprios, afirmou uma fonte local. O grupo saiu por volta da meia-noite e não feriu ninguém.
Na vila de Mocímboa da Praia, surgiram na semana passada graffitis numa mesquita com a bandeira do Estado Islâmico (EI), acompanhadas de uma mensagem incitando a violência contra os não crentes e citando alguns versículos do Alcorão. Ainda não se sabe quem foi o responsável.
Foco Semanal: O que se entende por 'Corações e Mentes'?
Desde Setembro de 2022, o número de eventos de violência política registados pela ACLED em Cabo Delgado diminuiu consideravelmente. Este facto foi inicialmente atribuído às chuvas. O Ramadão encerrou a estação chuvosa e o Eid el-Fitr, a 21 de Abril, não sinalizou uma mudança no padrão de conflito. Sem sinais de perturbação da liderança e relatos de contactos em curso entre insurgentes em Cabo Delgado e as Forças Democráticas Aliadas (ADF) na República Democrática do Congo (RDC – ver Resumo Semanal), este parece ser um momento de reorganização, confiança no dogma para justificação e de dinheiro para incentivos.
Central para isso tem sido a abordagem de 'corações e mentes' feita pelos insurgentes, particularmente nas áreas costeiras do distrito de Macomia, mas também é evidente no distrito de Nangade, onde pelo menos uma abordagem foi feita a civis. Também chegou à vila de Mocímboa da Praia na semana passada, conforme consta do resumo da situação.
O termo 'corações e mentes' capta a natureza não violenta de sua propaganda e a forma como proporcionam às comunidades oportunidades de beneficiarem da cooperação com eles por meio do comércio. Esta abordagem não indica necessariamente um enfraquecimento do jihadismo violento como dogma organizador. As comunidades, portanto, continuam a viver sob ameaça.
A abordagem ficou evidente para os observadores remotos no segundo semestre do ano passado, com a distribuição de folhetos manuscritos às comunidades. Em Outubro de 2022, uma nota manuscrita foi deixada no local de um ataque em Ntoli, no distrito de Nangade. Esta nota traçou linhas claras entre aqueles que atribuem ao seu dogma jihadista e aqueles que se opõem a eles ou colaboram com as forças de segurança. Uma segunda nota distribuída em Novembro apresentava três opções para os civis: submissão ao Islão, pagamento de impostos ou guerra sem fim. Estas condições são semelhantes às estabelecidas na RDC, não muito antes, e na mesma semana no boletim informativo do EI, al-Naba. De acordo com um relatório de Outubro de 2022, isso seguiu as instruções da liderança do EI dadas numa reunião em Junho ou julho de 2022 em Kivu do Sul, na RDC. Esta e outras reuniões são corroboradas no mais recente relatório do Grupo de Peritos das Nações Unidas sobre a RDC.
As recentes acções de sensibilização nas comunidades costeiras destacou o Islão como uma identidade unificadora. No início do Ramadão, os moradores de Quiterajo foram instados a jejuar e orar durante o mês. No final do mês, na aldeia de Ntoli, os insurgentes visitantes voltaram a apelar à adesão à prática muçulmana. Também prometeram que não haveria mais assassinatos de civis, sob o que eles chamavam de uma nova liderança. Nestas visitas também levaram os insurgentes a fazerem compras consideráveis, ao ponto de terem de ser impostos limites ao transporte de produtos alimentares básicos para as aldeias costeiras do distrito de Macomia.
Acredita-se que houve uma mudança na liderança no primeiro trimestre do ano, com uma figura conhecida como Ulanga sendo nomeada líder geral e líder religioso, e Ibn Omar permanecendo como comandante operacional. No entanto, tentativas anteriores de contacto indicam que esta abordagem é anterior à nomeação de Ulanga e sugerem uma medida de direção estratégica vinda de fora de Cabo Delgado e alguma resiliência na liderança da província.
Ronda Semanal
Relatório do Grupo de Peritos da ONU sobre documentos da RDC Ligações de Cabo Delgado à RDC
O relatório mais recente do Grupo de Peritos das Nações Unidas sobre a RDC documenta o lugar de Cabo Delgado nas redes de financiamento do EI, bem como os contactos em curso e recentes entre os insurgentes da província e as ADF na RDC.
A análise do relatório sobre as redes de financiamento é semelhante ao da Bridgeway Foundation, analisada pelo Cabo Ligado no início do mês. O relatório do Grupo de Peritos vai mais longe, referindo-se à presença da liderança de Cabo Delgado em reuniões realizadas em South Kivu na RDC e Kigoma na Tanzânia em Junho e Agosto de 2022, respectivamente. O relatório afirma que houve uma nova reunião em Kivu do Sul no início deste ano.
Conforme referido em nosso Foco Semanal, esses contatos sugerem que a acalmia no conflito reflete provavelmente um momento de reorganização, com alguma orientação estratégica recebida de fora.
Governo de Moçambique ainda não recebeu relatório da Total sobre direitos humanos, diz o ministro da Defesa
O ministro da Defesa Nacional de Moçambique, Cristóvão Chume, afirmou que o governo ainda não recebeu o relatório de direitos humanos da TotalEnergies sobre Cabo Delgado. O relatório produzido por Jean-Christophe Rufin foi publicado em inglês no dia 23 de Maio, mas ainda não está disponível uma versão em português. Chume contestou a ideia, que alguns atribuíram ao relatório Rufin, de que Moçambique tenha cedido a soberania em Cabo Delgado à TotalEnergies ou ao Ruanda, afirmando que ambas respeitam a jurisdição da República de Moçambique e das suas forças de segurança.
Plexus Cotton vendida a empresa têxtil portuguesa
A Plexus Mozambique Limitada, um dos principais produtores de algodão em Moçambique, foi vendida com todos os seus activos e passivos à FESAP - Sociedade Agrícola e Pecuária Limitada, uma subsidiária da empresa têxtil portuguesa Felpinter, salvando pelo menos 50.000 agricultores em Cabo Delgado de uma potencial ruína. A Plexus alegou que as suas dificuldades financeiras crónicas decorrem do impacto da insurgência no norte de Moçambique, da pandemia de Covid-19 e dos obstáculos burocráticos em Maputo. A indústria do algodão em Cabo Delgado sustenta pelo menos 250.000 pessoas, e havia preocupações entre os actores humanitários de que seu colapso pudesse levar mais jovens à insurgência.
Jornalistas levados em visita surpresa a Cabo Delgado
Um grande grupo de jornalistas moçambicanos e internacionais foi levado para uma inesperada visita de imprensa a de Mocímboa da Praia no dia 23 de Junho. Os jornalistas participavam num evento em Maputo para assinalar o encerramento da última base da Renamo mas, à chegada, foram convidados a participar numa viagem improvisada à província de Cabo Delgado. Em Mocímboa da Praia, o ministro da Defesa, Cristóvão Chume, respondeu a perguntas do grupo de imprensa, que incluiu jornalistas de órgãos nacionais, como a Rádio Moçambique, Savana e STV, bem como de meios estrangeiros, como France24, Jornal de Angola e do Estado chinês CGTN.
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