Cabo Ligado Semanal: 23-29 de Janeiro de 2023

Em Números: Cabo Delgado, Outubro de 2017-Janeiro de 2023

Dados actualizados a partir de 27 de Janeiro de 2023. A violência política organizada inclui Batalhas, Explosões/Violência Remota, e Violência contra os tipos de eventos civis. A violência organizada contra civis inclui Explosões/Violência Remota, e Violência contra tipos de eventos civis onde os civis são alvo. As fatalidades para as duas categorias sobrepõem-se assim para certos eventos.

  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,580

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,583

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 2,007

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

O padrão de incidentes na semana passada sugere que alguns grupos insurgentes podem estar a dispersar-se por Cabo Delgado a partir dos distritos de Macomia e Muidumbe, onde a maioria dos confrontos e ataques se concentraram até então no presente ano.

A 24 de Janeiro, as aldeias de Nacala e Homba, no sul de Mueda, perto do rio Messalo, foram atacadas, marcando o primeiro incidente no distrito desde Dezembro do ano passado. Os insurgentes entraram em Nacala no meio da tarde, mas os camponeses próximos avisaram os moradores de sua aproximação e a maioria conseguiu escapar. As forças locais enfrentaram os insurgentes, conseguindo abater um deles, mas somaram dois feridos, afirmou uma fonte local. De acordo com outra fonte, as Forças Locais afirmaram ter morto cinco insurgentes. Uma mulher que fugiu relatou que 37 casas foram queimadas e cinco insurgentes foram mortos, mas isso ainda não foi corroborado por outras fontes. Um comunicado divulgado pelo Estado Islâmico (EI) afirmou que seus combatentes mataram um homem e queimaram dezenas de casas. Nenhuma vítima em Homba foi relatada até agora.

Insurgentes também apareceram na mina de ouro de Ravia, em Meluco, a 29 de Janeiro, vestindo uniformes das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Uma testemunha forneceu uma descrição vívida do incidente: o grupo de jovens, a maioria com idade entre 14 e 22 anos, estava armado com granadas lançadas por foguetes e AK-47, mas, surpreendentemente, eles não atacaram e, em vez disso, compraram comida, roupas e outros suprimentos. Os garimpeiros foram divididos em muçulmanos e cristãos, mas receberam a garantia de que não seriam mortos. Os insurgentes pagavam as mercadorias com dinheiro que levavam em pastas. Depois de concluírem os seus negócios por volta das 17 horas, partiram em direcção ao oeste.

A testemunha também afirmou que o líder do grupo insurgente era um queniano de Mombaça, e outro de Zanzibar. Este não foi o único relato de combatentes estrangeiros na semana passada. Em Meluco, um homem disse que os insurgentes lhe compraram comida em várias ocasiões, quatro dos quais eram somalis e dois do Paquistão (ver abaixo).

Um incidente semelhante ocorreu em Calugo, 30 km a sul da vila de Mocímboa da Praia, a 25 de Janeiro, quando um grupo de cerca de 30 insurgentes chegou, tranquilizou os residentes de que não havia necessidade de se alarmarem, e comprou pacificamente alimentos e telemóveis. Uma fonte afirmou que eles até orientaram os moradores a limpar a aldeia. Os insurgentes falavam Kimwani, sugerindo que eram da área, já que a língua é falada principalmente ao longo da costa de Palma a Pemba.

Após o incidente de Calugo, a Força de Defesa de Ruanda (RDF) perseguiu os insurgentes e os confrontou perto de Luxete, a aproximadamente 10 km de Calugo, a 26 de Janeiro. No confronto que se seguiu, até 13 insurgentes foram mortos, de acordo com uma fonte local, enquanto dois soldados da RDF ficaram feridos, afirmou outra fonte. Os confrontos continuaram por vários dias e, a 29 de Janeiro, 22 insurgentes foram mortos no total, enquanto quatro ruandeses ficaram feridos, com uma fatalidade das Forças Locais.

Foco Semanal: Assassinato de al-Sudani do EI na Somália

As Forças dos Estados Unidos (EUA) mataram Bilal al-Sudani, uma suposta figura sénior do EI, no norte da Somália na semana passada, disse o Departamento de Defesa dos EUA num comunicado. Al-Sudani, junto com outros 10, foi morto em um ataque realizado pelas forças especiais dos EUA no norte da Somália a 25 de Janeiro, de acordo com uma conferência de imprensa posterior da Casa Branca. Embora o envolvimento de seu gabinete em Moçambique tenha sido documentado, as implicações de longo prazo para as ambições do EI para seus afiliados da África Oriental na República Democrática do Congo (RDC) e Moçambique ainda não são claras.

Acredita-se que o EI da Somália, com sede em Puntland, no extremo norte, hospede o 'escritório' Karrar do EI, um centro regional de apoio às filiais do EI na África Oriental e noutros lugares, e que se reporta ao gabinete geral das províncias do EI. Karrar é um dos três centros atuais mais ativos. Os outros dois são conhecidos como Furqan, servindo a Nigéria e a África Ocidental, e Siddiq no Afeganistão, que serve o Afeganistão e o sul da Ásia.

As suas funções são descritas no 13º e mais recente relatório ao Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU) sobre o EI. O seu objetivo mais crítico é ser um canal de fundos do EI para as filiais na região. Talvez não surpreendentemente, o relatório observa que esse financiamento é “um elemento importante da lealdade demonstrada pelos grupos afiliados”. Karrar também apoiou o EI no Afeganistão, bem como filiadas na África Oriental. Uma fonte de apoio pode ser o produto da extorsão de empresas em Mogadíscio.

Al-Sudani há muito que era um jihadista violento. Ele foi designado “terrorista” pelo Tesouro dos EUA em 2012, quando estava no al-Shabaab, de acordo com a conferência de imprensa da Casa Branca. Provavelmente juntou-se a uma facção leal ao EI pouco depois de esta ter rejeitado a al-Qaeda em 2014. Foi ainda  explicado na conferência de imprensa que o objetivo do ataque era capturar, não matar, al-Sudani. Dado o uso de forças especiais, e não de métodos remotos, provavelmente foi esse o caso.

Al-Sudani foi alvo devido ao seu papel na gestão de redes de financiamento. Embora a preocupação mais premente dos Estados Unidos possa ser o papel de Karrar no apoio ao EI no Afeganistão, também está preocupado com o apoio que forneceu diretamente ou facilitado aos afiliados do EI na RDC e em Moçambique. Em Março de 2022, al-Sudani foi mencionado numa declaração do Tesouro dos EUA como associado e apoiante de um dos três homens identificados como “facilitadores financeiros” da atividade do EI na África, incluindo Moçambique.

Karrar também teve um papel mais direto na região. Em 2020, de acordo com o 12º Relatório de Monitoramento da ONU, “formadores e operacionais táticos de apoio” da Somália estiveram em Moçambique e na RDC. Isto é o que provavelmente levou ao primeiro uso de dispositivos explosivos improvisados por insurgentes em Moçambique em 2021. Este apoio foi  provavelmente mantido. Só na última semana, Cabo Ligado recebeu dois relatos que mencionam “somalis” ou pessoas “de origem somali” e paquistaneses, bem como um tanzaniano e um queniano como vistos em grupos de insurgentes.

Resta saber até que ponto a operação da semana passada afetará a insurgência. Isso dependerá da quantidade e qualidade dos materiais de inteligência que o ataque conseguiu recuperar. Quaisquer transferências de dinheiro esperadas de Karrar quase certamente não serão feitas agora. O receio de qualquer coleta de inteligência provavelmente fará com que as redes financeiras fiquem estagnadas, e a procurar adaptar-se, sem saber que informações foram encontradas. Com isso em mente, os combatentes estrangeiros no terreno podem agora sentir-se mais isolados do que antes.

Ronda Semanal

Tanzânia destaca polícia para Cabo Delgado

A Tanzânia anunciou no fim-de-semana que vai enviar a polícia para Cabo Delgado no âmbito da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM). Falando no final de uma formação de pré-destacamento, a Comissária Assistente Sénior de Polícia, Renata Mzinga, disse que a Tanzânia comprometeu-se a um destacamento total de 120 agentes da Unidade de Força de Campo (FFU) da polícia e 39 outros agentes da polícia. O destacamento anunciado no fim de semana é de um grupo avançado inicial de 54 agentes.

A FFU é uma divisão de elite da Polícia da Tanzânia, equivalente à Unidade de Intervenção Rápida de Moçambique. É mais conhecida pelo controlo de manifestações ilegais ou surtos de agitação civil. Nos últimos anos, tem sido destacada para a região de Mtwara ao longo da fronteira com Moçambique.

É mais provável que sejam destacados no distrito de Nangade, que é a Área de Responsabilidade da Tanzânia como parte da SAMIM. A Tanzânia destacou inicialmente mais de 270 soldados para Cabo Delgado em 2021. O destacamento reflete a melhoria contínua nas relações com Moçambique sob o presidente Samia Suluhu Hassan.

Cimeira da SADC

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) realizou uma Cimeira Extraordinária da Troika de Chefes de Estado e de Governo em Windhoek, Namíbia, a 31 de Janeiro. O presidente da Namíbia, Hage Geingob, presidiu a reunião como presidente do Órgão de Cooperação em Política, Defesa e Segurança, juntamente com o presidente cessante da Zâmbia, e a presidência que se segue, a África do Sul. O Ministro da Defesa Nacional de Moçambique, Cristóvão Chume, esteve presente na qualidade de representante do Presidente Filipe Nyusi.

Como esperado, Cabo Delgado esteve no topo da agenda. O comunicado final da cimeira instou os Estados-membros a “responder aos pedidos de capacidades críticas” para a SAMIM, refletindo o estado frágil do financiamento da missão. Não houve menção a um relatório preliminar do inquérito ao vídeo de tropas da SAMIM a atirar cadáveres para uma fogueira, mas sublinhou que as conclusões serão tornadas públicas quando concluídas. Oportunamente, foi observado um minuto de silêncio para lembrar os soldados da SAMIM que perderam a vida durante a missão.

Entusiasmo pelos sinais de que a TotalEnergies prepara-se para retornar

Um relatório da Africa Intelligence de que o CEO da TotalEnergies, Patrick Pouyanne, está prestes a visitar Moçambique causou entusiasmo – especialmente devido à forma como foi seguida localmente pela Carta de Moçambique, cuja manchete proclamava “ TotalEnergies de regresso a Cabo Delgado ”. Fontes do Cabo Ligado confirmaram que Pouyanne deve visitar nas próximas semanas, mas não foram mais específicas do que isso. Também é importante notar que quando ele chegar a Maputo, a decisão da TotalEnergies não é uma conclusão inevitável. Ele pode dar um sinal positivo sobre o retorno ao trabalho, mas também pode confirmar a posição de que a situação ainda não permite um reinício.

O regresso aos trabalhos do projecto de gás natural liquefeito é muito aguardado pelas empresas que pretendem fechar contratos relacionados com o projecto, mas também pelo governo, que está entusiasmado com a notícia de uma possível visita. Mas, embora o conflito possa estar atualmente a diminuir, está muito longe do nível de segurança que Pouyanné disse anteriormente ser uma condição de reinício do trabalho – ou seja, um regresso à vida normal em Cabo Delgado.

Questões de segurança e humanitárias dominam visita da embaixadora dos EUA a Moçambique

Numa recente viagem a Moçambique, a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield , disse a 27 de Janeiro “temos de redobrar os nossos esforços para combater a actividade terrorista” no norte de Moçambique. Sem entrar em pormenores, disse aos jornalistas que teve “extensas discussões sobre a situação em Cabo Delgado” e que os EUA estão a trabalhar em estreita colaboração com o governo moçambicano na sua estratégia de segurança.

Thomas-Greenfield acrescentou que os EUA já estão a fornecer formação e equipamento às forças policiais moçambicanas, mas as necessidades humanitárias também devem ser atendidas para derrotar a insurgência. Pode não ser coincidência que, no mesmo dia, o Programa Mundial de Alimentação (PMA) tenha anunciado que seria obrigada a suspender a distribuição de ajuda alimentar em Cabo Delgado a partir de Fevereiro, a menos que sejam canalizados 102,5 milhões de dólares americanos para garantir apoio para os próximos seis meses – isto apesar de uma doação de 65,5 milhões de euros (71 milhões de dólares americanos) da UE anunciado a 26 de Janeiro. Até um milhão de pessoas deslocadas em Moçambique dependem atualmente de assistência humanitária.

O défice de financiamento do PMA em Moçambique tem sido um problema crónico há algum tempo, mas foi drasticamente agravado pela guerra na Ucrânia, que desviou as doações tão necessárias de África. As rações de ajuda foram reduzidas em Abril e Maio do ano passado, e o PMA alertou em Dezembro de 2022 que poderia ter que suspender suas operações em Fevereiro de 2023. Numa coletiva de imprensa a 30 de Janeiro, Thomas-Greenfield disse a jornalistas que havia se encontrado com funcionários da ONU em Moçambique, que sem dúvida aproveitaram para tentar solicitar o apoio de emergência necessário para preservar o trabalho humanitário da ONU em Moçambique.

Novas publicações

Tanto o Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) como o Observatório do Meio Rural (OMR) publicaram relatórios sobre o conflito na última semana. A “ Evolução do Extremismo Violento no Norte de Moçambique ”  do CDD analisa o conflito, terminando com dois cenários: O cenário menos provável é o reconhecimento pelo governo das questões sociais e económicas latentes que deram origem ao conflito, e o lançamento de acções abrangentes para respondê-los. Isso, na opinião do CDD, resolveria as causas profundas da insurgência. O mais provável, de acordo com o CDD, é um foco contínuo numa solução militar. O relatório talvez seja notável por não mencionar uma solução negociada, que o CDD defendeu no passado.

O relatório da OMR analisa os espaços para a liderança da sociedade civil em Cabo Delgado. O relatório descreve o contexto histórico que moldou a sociedade civil em Moçambique. É muito útil destacar a ruptura que o conflito trouxe para a participação de indivíduos e associações em processos sociais e políticos. Também reconhece os danos que o influxo de ajuda internacional e organizações de ajuda internacional podem ter sobre os modelos locais de associação.

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