Cabo Ligado Semanal: 25-31 de Julho de 2022
Número total de ocorrências de violência organizada: 1,363
Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,154
Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,799
Resumo da Situação
Macomia voltou a ser palco de violência insurgente na zona de Nkoe e Nova Zambézia na semana passada, enquanto os insurgentes em Nangade lançaram um ataque à sede distrital, que até então não tinha sido diretamente alvo de ataques. Este ataque começou por volta das 9h00 do dia 26 de Julho, quando 10 a 12 homens armados entraram no bairro de Chitunda em Nangade e incendiaram entre 20 e 30 casas.
Uma fonte local afirma que pelo menos duas pessoas foram mortas, enquanto o Estado Islâmico (EI) se vangloria de ter decapitado três pessoas e queimado mais de 20 casas através de um comunicado distribuído nos meios de comunicação social. Imagens posteriores ao incidente de Chitunda vistas pelo Cabo Ligado mostram vários edifícios em ruínas devastados pelo fogo e o que parecem ser pelo menos duas sepulturas.
Os insurgentes foram então confrontados pelas forças de segurança, que mataram pelo menos dois insurgentes e capturaram cerca de cinco, segundo uma fonte local. Outra fonte, no entanto, lamentou que o fato do incidente ter ocorrido, apesar da presença de uma guarnição militar na vila, reflete um fracasso das forças de segurança. Também surgiram relatos de que as forças de segurança tentaram impedir que civis fugissem para o mato, pois seria difícil distingui-los dos insurgentes.
É raro os insurgentes lançarem ataques diretos às sedes distritais, embora as poucas ocorrências, como a captura de Macomia e Mocímboa da Praia em 2020 e Palma em 2021, tenham atraído a atenção internacional. A grande maioria dos ataques tem como preferência “alvos fáceis” ou com com fraca capacidade de defesa e indefesos nas zonas mais remotas, onde os insurgentes podem mover-se livremente e espalhar o terror com mais eficiência.
Isto foi exemplificado a 24 de Julho quando os insurgentes mataram dois ou três agricultores que trabalhavam nos seus campos entre Nkoe e Nova Zambézia, cerca de 20 km a norte da sede do distrito de Macomia. Uma semana depois, a 31 de Julho, os insurgentes voltaram a atacar na zona entre a Nova Zambézia e Vida Nova, emboscando uma coluna de viaturas na estrada EN380, matando o condutor de um camião-cisterna e ferindo outras três pessoas, duas das quais foram encaminhadas para tratamento no hospital de Pemba, segundo uma declaração de Calisto Cassiano, Comandante Distrital da Polícia. O motorista trabalhava para a empresa de energia moçambicana Exito. Este incidente irá aumentar os receios de uma mudança tática para alvos comerciais, e de mais emboscadas.
O EI reivindicou a emboscada no dia seguinte, mas alegou ter decapitado duas pessoas no ataque, além de ter danificado com metralhadoras sete viaturas que faziam parte da escolta. Esta declaração, que apareceu nas redes sociais, foi anexada a fotos de dois corpos decapitados, alegadamente vítimas do ataque. A declaração do EI menciona ainda a emboscada de soldados moçambicanos, contradizendo a negação explícita de Cassiano de que a coluna estivesse escoltada pelas forças de segurança. Afirmou, contudo, que os militares chegaram prontamente ao local, provocando a dispersão dos insurgentes.
Relatos de Cabo Delgado e da região de Mtwara, no sul da Tanzânia, indicam que o movimento de insurgentes através da fronteira continua. Fontes em Cabo Delgado referem pelo menos dois incidentes na semana passada. Uma fonte local recebeu informações de uma incursão a uma mesquita na Maheha, no distrito de Tandahimba, a 26 de Julho, e a detenção de um número não especificado de pessoas. Maheha fica a menos de sete quilômetros da fronteira e a apenas 22 quilômetros da vila de Nangade. As mesquitas nas aldeias fronteiriças na Tanzânia foram usadas no passado como pontos de reabastecimento para os recrutas que se dirigiam a Cabo Delgado. Segundo esta fonte, as detenções seguiram-se à detenção de um grupo de 12 insurgentes perto da aldeia de Chihwindi, a cerca de 15 km a oeste do vizinho Newala, que informaram então os seus colegas em Maheha. Um relato de um consultor de segurança de Moçambique refere que a 26 de Julho um grupo de 95 jovens, maioritariamente tanzanianos, foi detido a caminho de Cabo Delgado. Nenhum local foi especificado.
De acordo com uma fonte da Tanzânia, as operações de segurança nos distritos de Tandahimba e Newala da região de Mtwara se intensificaram nas últimas semanas. Acredita-se que várias pessoas tenham sido presas ou encontram-se em fuga, mas não foi possível confirmar incidentes específicos no lado da Tanzânia. No entanto, as informações indicam que as autoridades tanzanianas estão preocupadas com o movimento contínuo para a fronteira, particularmente de Dar es Salaam e Tanga, mesmo quando os combatentes regressam à Tanzânia vindos de Cabo Delgado. A região de Tanga, no litoral, foi centro de grupos islâmicos armados, particularmente entre 2013 e 2015, além de ser local de recrutamento de diversos grupos ligados à insurgência em Cabo Delgado, e ao Al Shabaab na Somália.
Foco Semanal: Uma Mudança na Liderança da Insurgência?
As alegações do governo de um ataque bem-sucedido a uma base insurgente na densa floresta de Catupa, no distrito de Macomia, podem ter forçado uma mudança radical na estrutura organizacional dos insurgentes. Após a captura da base, o Presidente Nyusi anunciou que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) haviam capturado um dos líderes da insurgência, chamado Assane ou Hassan, um cidadão da Tanzânia, cujo sobrenome é desconhecido. É mais um caso em que o governo anuncia o nome de um insurgente sem dar mais detalhes.
Fontes em Cabo Delgado afirmaram que numa reunião realizada em Macomia em meados de Junho durante os dias que se seguiram ao ataque de Catupa, o grupo elegeu outro indivíduo, que se acredita ser próximo de Bonomade Machude Omar ou Ibn Omar, para substituir Ibn Omar. Seu nome é Farido Selemane Arune.
É importante notar que essa suposta mudança de liderança e, de fato, a captura de Hassan, permanecem não confirmadas e podem ser pouco mais do que propaganda do governo. Depois de semanas e incidentes desfavoráveis, notícias de sérios progressos eram muito necessárias. No entanto, as investigações do Cabo Ligado confirmam que Farido Selemane Arune é um verdadeiro membro da insurgência, com com um papel de destaque. Acredita-se que ele tenha crescido em Milamba, um bairro maioritariamente de etnia Mwani da vila de Mocímboa da Praia, onde se juntou ao grupo que se tornaria a insurgência em 2016, aos seus 27 anos.
Segundo fontes locais, a sua introdução à educação islâmica começou em Milamba, através do Sheik Saide Sufo, um dos líderes religiosos mais respeitados de Mocímboa da Praia. Mais tarde, através do Conselho Islâmico de Pemba, foi seleccionado como um aluno talentoso para ir à cidade da Beira continuar os seus estudos. Na Beira, foi sugerido que mudasse o seu nome original, Farigi, para Farido, pois Farigi é próximo de um termo pejorativo em árabe. Foi enviado de volta a Mocímboa da Praia para trocar os documentos e obter um certificado escolar para poder continuar os seus estudos na Beira. Mas Farido não obteve o certificado e por isso não regressou à Beira, juntando-se à mesquita de Nacala em Milamba, dirigida pela seita que formava o núcleo da insurgência. Ele também pode ter passado algum tempo na Tanzânia, nessa época.
Farido ascendeu a uma posição de liderança na mesquita de Nacala, sendo nomeado Imã da mesquita pelos líderes da insurgência Nuro Pira e Ibn Omar, provavelmente graças ao seu conhecimento superior do Alcorão. Ele também ensinou na madrassa da mesquita, instruindo mulheres e crianças. Casou-se com uma mulher que mais tarde o acompanharia no mato.
Farido é creditado por ter liderado missões militares, incluindo a emboscada de uma coluna das FDS em 2019, na região de Marere, Mocímboa da Praia. Seu pai, Selemane Arune, era um conhecido carpinteiro na mesma área, que teria participado de um ataque a Pangane em Mucojo.
A ascensão de Farido a uma posição de liderança na insurgência terá sido ajudada pelo fato de grande parte dos membros superiores da insurgência serem tanzanianos e outros estrangeiros, que acabam retornando aos seus países de origem. Mas Farido também pode ser o líder de uma subdivisão da insurgência atuando em uma determinada frente, como as que atualmente atuam em Nangade e Macomia.
Resposta do Governo
Enquanto as pessoas regressam gradualmente às suas áreas de origem, o processo de restabelecimento dos serviços básicos e infraestrutura nas áreas afetadas pela violência parece estar a progredir, embora lentamente. A 27 de Julho, na cerimónia de lançamento do projecto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que fornece insumos agrícolas às famílias deslocadas no distrito de Rapale em Nampula, o governador de Cabo Delgado Valige Tauabo disse que muitos deslocados estão a deixar os centros de deslocados, e de volta às suas áreas de origem. O governador disse que um número significativo de deslocados está a regressar aos distritos de Mocímboa da Praia, Quissanga e Palma, mas sem a aprovação formal do governo. Esses retornos espontâneos, disse Valige, estão a comprometer os esforços de reconstrução nessas áreas. Assim, o Secretário Permanente de Mocímboa da Praia, João Saraiva, pediu aos deslocados que tenham mais paciência, e aguardem a orientação do governo.
Esperar ou não pela orientação do governo é uma escolha difícil quando o governo envia mensagens contraditórias às pessoas deslocadas. Por um lado, o governo ainda não disse quando essa orientação será dada e apenas enfatizou em várias ocasiões que precisa reabilitar infraestruturas-chave, restaurar os serviços básicos e melhorar a segurança. Mas esses processos estão a levar tempo e os desafios nos centros de deslocamento continuam a aumentar. Por outro lado, em abril, o presidente Nyusi disse que, tal como os deslocados não pediram autorização para fugir, ele não espera que eles esperem um “comando” para retornar às suas casas, uma declaração que pode ter encorajado muitos deslocados a regressar a casa.
A vila de Mocímboa da Praia, que tem assistido a um regresso gradual dos deslocados, particularmente do distrito de Palma, ainda não dispõe de um sistema de abastecimento de água. A reabilitação das infra-estruturas de abastecimento de água à vila de Mocímboa da Praia terá início no próximo mês de Setembro, e terá a duração de oito meses, na sequência de um acordo entre a Administração de Infra-estruturas de Água e Saneamento e o governo distrital. Enquanto isso, a boa notícia para os moradores de Mocímboa da Praia é o reinício da atividade de pesca artesanal, que estava suspensa desde que a vila foi tomada por insurgentes há dois anos.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vai mobilizar cerca de dois mil milhões de meticais (31 milhões de dólares) para financiar os esforços de reconstrução em curso em Cabo Delgado. Algumas infraestruturas já foram reabilitadas nos distritos de Quissanga e Macomia. Prevê-se que, além de Quissanga e Macomia, sejam reabilitadas mais infra-estruturas básicas em Mocímboa da Praia, Muidumbe e Palma. O PNUD espera avançar rapidamente com a reconstrução das infra-estruturas nestes distritos, a partir de Agosto e Setembro.
Dados da Organização Internacional para as Migrações estimam que o número de pessoas deslocadas pelo conflito em Cabo Delgado atingiu 946 mil pessoas em Junho, com um aumento de 21% desde Fevereiro. A maioria das pessoas deslocadas (70%) vive em comunidades de acolhimento, com os restantes 30% em centros de deslocados. A crise humanitária em Cabo Delgado foi exacerbada pelos recentes ataques insurgentes em Meluco, Ancuabe, Nangade e Macomia. Embora estes deslocamentos recentes aumentem os desafios na prestação humanitária, o Programa Alimentar Mundial conseguiu obter os fundos necessários para financiar as suas operações humanitárias no norte de Moçambique até Janeiro de 2023.
O Ministério da Defesa moçambicano revelou que tem dificuldades em identificar as fontes de financiamento para a insurgência em Moçambique. De acordo com o Inspetor-Geral do Ministério da Defesa, Victor Muiriquele, as dificuldades em identificar os financiadores da insurgência se devem a vários motivos, principalmente pelo fato de operarem fora do país, o que também dificulta o bloqueio dessas fontes de financiamento.
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