Cabo Ligado Semanal: 26 de Junho-2 de Julho de 2023

Em Números: Cabo Delgado, Outubro de 2017-Junho de 2023

Dados actualizados a partir de 30 de Junho de 2023. A violência política organizada inclui Batalhas, Explosões/Violência Remota, e Violência contra os tipos de eventos civis. A violência organizada contra civis inclui Explosões/Violência Remota, e Violência contra tipos de eventos civis onde os civis são alvo. As fatalidades para as duas categorias sobrepõem-se assim para certos eventos.

  • Número total de ocorrências de violência: 1,655

  • Número total de fatalidades reportadas de violência: 4,701

  • Número total de fatalidades reportadas por violência contra civis: 2,016

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

Após meses de relativa paz em Cabo Delgado, na semana passada assistiu-se a um aumento da violência, com os insurgentes a atacarem duas aldeias no distrito de Mocímboa da Praia e emboscarem uma patrulha das forças de segurança em Cobre, perto da costa de Macomia, matando pelo menos 10 soldados. O incidente do Cobre, no fim de semana que começou a 30 de Junho, representou a maior perda de vidas para as forças de segurança em Cabo Delgado desde que um ataque insurgente à aldeia de Mandava, no distrito de Muidumbe, a 29 de Abril, matou cinco soldados.

A 2 de Julho, o Estado Islâmico (EI) divulgou um conjunto abrangente de materiais sobre o ataque de Cobre. Um relatório detalhado da agência noticiosa Amaq foi imediatamente seguido por uma reivindicação do incidente pelo EI, 11 fotografias e uma declaração em vídeo de Macomia, publicada nos canais das redes sociais do EI. Embora seja aceito que os assassinatos ocorreram, há algumas incertezas nos detalhes.

A Amaq afirmou que 10 militares ruandeses e moçambicanos foram mortos num “contra-ataque de combatentes do Estado Islâmico”, depois de se terem aproximado de posições insurgentes em Macomia. A esta, segundo a Amaq, seguiu-se uma “caça ao homem” de dois dias às tropas que se perderam nas proximidades de Cobre, também conhecido como Ilala, e que resultou na morte de pelo menos 10 militares.

Uma fonte na área corrobora esta versão, dizendo que a operação inicial contra uma base dos insurgentes ocorreu perto de Singuidita, no norte de Macomia, nas margens do rio Messalo, apenas 25 quilómetros a noroeste de Cobre.

A nacionalidade do falecido é contestada. Cabo Ligado apurou que uma operação conjunta de tropas das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e da Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM) foi lançada a 27 de Junho na zona a sul de Quiterajo. Embora o EI afirme ter morto ruandeses, não apresentaram nenhuma prova definitiva disso. A seleção de bilhetes de identidade mostrados numa fotografia do EI são todos moçambicanos. O porta-voz da Força de Defesa de Ruanda, general de brigada Ronald Rwivanga, descartou a alegação como “notícia bastante falsa”, enquanto uma fonte próxima às FADM afirmou que tropas ruandesas estavam entre as vítimas. Existem inconsistências neste ponto nas comunicações do EI. Ao mesmo tempo que afirma ter morto tropas ruandesas, o relatório da Amaq diz mais tarde que “o ataque ocorreu depois que o exército moçambicano e seus aliados da SADC mobilizaram suas forças em Macomia, em preparação para lançar uma campanha militar na região”. A afirmação oficial do EI refere-se às “forças da SADC”, enquanto as legendas nas fotos referem-se aos ruandeses. A confusão pode advir da semelhança entre os uniformes fornecidos pela Missão de Formação da União Europeia em Moçambique (EUTM) aos formandos, e os das forças ruandesas, nomeadamente os capacetes. Como tal, ainda não há evidências de que soldados ruandeses ou SAMIM tenham sido mortos ou feridos no incidente.

Há também inconsistência no tempo. O relatório da Amaq diz que os assassinatos ocorreram durante uma perseguição de dois dias que começou na sexta-feira, 30 de Junho, enquanto a afirmação do EI afirma que eles ocorreram na própria sexta-feira.

A apreensão de materiais não é contestada. Segundo a Amaq, o material apreendido incluía “oito metralhadoras médias, cinco lança-foguetes e três morteiros, para além de espingardas ligeiras, caixas de munição e pertences de alguns soldados em fuga”. Sobre este último ponto, Cabo Ligado pôde confirmar que um dos militares cujo bilhete de identidade constava de uma foto do EI está vivo, mas confirmou à família que esteve numa emboscada. 

O EI também afirma ter capturado um soldado moçambicano, cuja foto foi incluída no relatório da Amaq, bem como em uma reportagem fotográfica separada do EI. Seu destino permanece desconhecido. Uma pala no ombro indica que ele é um comando do exército. Isso corrobora relatos de fontes, e online de que as tropas faziam parte da Força de Reação Rápida (QRF) treinada pela EUTM.

As mortes são um golpe significativo para as operações de contra-insurgência das FADM. As tropas da QRF, em particular, foram especificamente treinadas para realizar tais operações. Sair-se tão mal do encontro será um golpe para a moral deles. É provável que também leve o governo moçambicano a reforçar os pedidos de armamento à UE e a outros países.

Para os próprios insurgentes, foi uma vitória significativa. A declaração em vídeo mostrava um homem mascarado falando em árabe, ladeado por outro e de pé sobre os cadáveres de três soldados mortos, presumivelmente no local. Cita o porta-voz do EI e principal ideólogo, o falecido Abu Mohamed al-Adnani , dizendo “descrentes, tiranos, pensam que vamos parar? Permaneceremos até o fim dos tempos. Pararemos de lutar quando rezarmos em Roma”.

No início da semana, no distrito de Mocímboa da Praia, os insurgentes estiveram envolvidos em dois incidentes na zona de Mbau, zona sul do distrito. Na tarde de 28 de Junho, os insurgentes queimaram várias casas e, segundo uma fonte local, mataram um homem na aldeia de Limala. Carta de Moçambique relatou que os moradores locais descobriram um esconderijo de insurgentes nas proximidades e levaram alguns de seus pertences, levando os insurgentes a atacar a aldeia em retribuição.

Três dias depois, os insurgentes apareceram na aldeia vizinha de Kalugo e mataram a tiros uma mulher enquanto andavam de casa em casa saqueando mercadorias, segundo fontes locais.

Desde Janeiro, os insurgentes concentraram os seus esforços em conquistar 'corações e mentes' ao longo da costa de Macomia e Mocímboa da Praia, negociando pacificamente com as aldeias locais. Paralelo a isso, têm vindo a aumentar o número na área, com fontes estimando entre 200 e 400 combatentes. Ainda não está claro o que motivou o regresso à violência, mas pode estar relacionado com a operação das forças de segurança em curso a sul da costa de Macomia. A resistência encontrada por esta operação indica a força da concentração de insurgentes.

Foco Semanal: Apoiantes do EI saúdam a libertação de clérigos da Tanzânia

Um podcast de apoio ao EI saudou a libertação de “nossos Sheiks” na semana passada no Tribunal Supremo de Arusha, no norte da Tanzânia. A edição mais recente do podcast, lançada a 30 de Junho, apresenta as saudações dos ouvintes para o Eid al-Adha. Mais de 20 notas de voz de ouvintes foram apresentadas, orando pelos produtores de podcast, liderança do EI, prisioneiros e os “mujahideen”. Uma edição especial semelhante foi transmitida em Abril para o Eid al-Fatr. O podcast é distribuído por meio de plataformas de mídia social, como Telegram e Facebook, e está em língua Suaíli.

As boas-vindas destacam o papel dos clérigos da Tanzânia nas redes do EI na região, inclusive em Moçambique. Uma figura da Tanzânia chamada Ulanga é agora o líder religioso da insurgência, tendo sido nomeado no início do ano. Os clérigos da Tanzânia foram críticos em semear a ideologia do grupo em seus primeiros dias em Mocímboa da Praia.

Entre os absolvidos estava “o nosso grande Sheikh Abuu Ismail”, como o descreveu o ouvinte. Ibrahim Leonard Herman, também conhecido como Abuu Ismail, de acordo com documentos judiciais, foi absolvido a 19 de Junho de 2023 junto com outras oito pessoas das 26 acusações que enfrentavam. As acusações estão relacionadas ao atentado a bomba no Arusha Night Park Bar em Arusha, no norte da Tanzânia, a 13 de Abril de 2014, no qual um homem morreu. Embora os réus tenham sido presos entre Abril e Julho daquele ano, o julgamento só começou em abril de 2022.

O caso destaca as deficiências na forma como o sistema judicial da Tanzânia lida com as infrações previstas na Lei de Prevenção do Terrorismo. De acordo com uma fonte na Tanzânia, esses casos costumam ser tão fracos que um “advogado do mato” pode ganhá-los. O julgamento do Tribunal Superior listou deficiências na gestão do local do crime e na manutenção da cadeia de custódia para evidências materiais. O julgamento também observou erros administrativos no registro de confissões – que foram posteriormente retiradas – e que as confissões não se relacionavam diretamente com as acusações. Relativamente às alegações dos réus de que foram torturados, o juiz determinou que que “não tinha motivos para acreditar que a sua defesa de tortura é infundada”. Em um caso, isso pode ter sido extremo. Abdallah Maginga Wambura afirmou que a amputação de sua perna quase duas semanas após sua prisão em 2014 foi devido aos espancamentos que recebeu sob custódia.

Há aqui lições para Moçambique, em particular para o Serviço Nacional de Investigação Criminal e para o Director do Ministério Público, sobre a importância de uma boa gestão de processos em casos complexos de terrorismo. Ao todo, 21 réus foram considerados inocentes em Arusha na última quinzena. Os desafios enfrentados na Tanzânia ressaltam como é necessária uma capacidade considerável para investigar, gerir e processar com sucesso esses casos. O impacto da demora no caso da acusação foi notado pelo juiz, e é mais uma lição para Moçambique sobre a necessidade de proceder com celeridade.

O reconhecimento de Abuu Ismail e dos seus co-acusado mostra como o EI aproveita as redes pré-existentes para se estabelecer numa nova região. As atividades de Abuu Ismail são muito anteriores à presença do EI na África Oriental. A sua prisão em 2014 ocorreu três anos antes da primeira tentativa do EI de se expandir para a África Oriental. Não se sabe ao certo o quão fortes são essas redes actualmente. Antes de sua prisão, era conhecido em Mwanza como um clérigo radical, embora operasse um tanto à margem das comunidades muçulmanas. Outros colaboradores do podcast indicaram até que ponto essas visões extremistas são marginais. Alguém reza pelos “mujahideen” enquanto lamenta que não tenham clérigos para liderar tais orações. Os muçulmanos querem viver sob a lei islâmica, disse ele, mas são “impedidos por nossos estudiosos”. Outro observa como se tornou difícil empreender a hijra para se juntar aos combatentes, provavelmente referindo-se a Moçambique e à República Democrática do Congo (RDC). Em Moçambique, um estado fortalecido e instituições religiosas de apoio ajudarão a marginalizar os elementos extremistas, mas o processo judicial de Arusha ressalta a importância que a capacidade investigativa e judicial terá nos próximos anos.

Ronda Semanal

Recrutamento suspeito entre as comunidades piscatórias de Nampula

O comandante provincial da Polícia de Nampula, António Bashir, manifestou-se na semana passada preocupado com o recrutamento de jovens na província para a insurgência na vizinha Cabo Delgado. Falando no Observatório do Desenvolvimento da Província de Nampula, a 22 de Junho, observou que, nesse mesmo dia, tinha sido informado de que 49 jovens da província tinham sido encontrados em ilhas ao largo de Cabo Delgado, alegando terem ido para lá pescar.

Há uma longa tradição de mão-de-obra pesqueira migratória de Nampula para Cabo Delgado. Salvador Forquilha e João Pereira, num artigo recente, descrevem em pormenor como isso funciona, e como, pelo menos em alguns casos, está ligado ao recrutamento para a insurgência. No entanto, não há patrulhas de segurança marítima a serem efectuadas na área pelas forças da SAMIM, ruandesas ou moçambicanas. Isso representa um risco considerável, permitindo o reabastecimento e movimentação de combatentes, bem como a possível recepção de novos recrutas. Dada a acumulação de insurgentes na costa de Macomia, fechar essa lacuna deve se tornar um imperativo de segurança agora.

Oficiais de defesa de Moçambique e Malawi discutem cooperação na luta contra o terrorismo

Autoridades do Malawi e de Moçambique enfatizaram seu compromisso no combate ao terrorismo durante a reunião anual da Comissão Conjunta de Defesa e Segurança dos dois países, na semana passada. O secretário permanente de Moçambique no Ministério da Defesa Nacional, Casimiro Augusto Mueio, atribuiu à cooperação de segurança entre os dois países  o mérito de ter ajudado a derrotar a insurgência apoiada pelo EI em Cabo Delgado. O Malawi encerrou as suas fronteiras para impedir que insurgentes atravessem e se envolvam em atividades ilegais, como tráfico humano e contrabando.

Empresa canadense atualizará aviões espiões FADM

De acordo com um relatório recente,  a PAL Aerospace do Canadá irá reforçar as capacidades de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) do avião Mwari do fabricante sul-africano Paramount para o exército moçambicano. O PAL integrará o software Advanced Integrated Multi-sensing Surveillance-ISR e fornecerá outros sistemas de observação, melhorando a visibilidade para operações de contra-insurgência contra insurgentes em Cabo Delgado. A RDC encomendou seis aeronaves Mwari em 2021 para uso contra os rebeldes M23 apoiados por Ruanda na província de Kivu do Norte.

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