Cabo Ligado Semanal: 27 de Junho-3 de Julho de 2022

Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Julho 2022

Dados actualizados a partir de 1 de Julho de 2022. A violência política organizada inclui Batalhas, Explosões/Violência Remota, e Violência contra os tipos de eventos civis. A violência organizada contra civis inclui Explosões/Violência Remota, e Violência contra tipos de eventos civis onde os civis são alvo. As fatalidades para as duas categorias sobrepõem-se assim para certos eventos.

  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,331

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,112

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,778

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

A violência insurgente continuou a sua tendência de visar comunidades desprotegidas e geograficamente díspares numa ampla frente da região de Cabo Delgado na semana passada, embora a um ritmo um pouco mais lento. Foram confirmados ataques nos distritos de Ancuabe, Quissanga, Nangade e Meluco. A ameaça de ataque insurgente aumentou as tensões ao ponto de as forças de segurança em Mocímboa da Praia terem aberto fogo contra dois civis, matando um, por violarem as restrições do recolher obrigatório. 

A 26 de Junho, insurgentes atacaram a vila de Mihecane em Ancuabe pela segunda vez em três dias, matando pelo menos um homem, que alegadamente tinha problemas de saúde mental. Um consultor de segurança afirma que até três pessoas podem ter sido mortas, incluindo uma mulher grávida, e várias casas incendiadas, obrigando os civis a fugir da aldeia. Diz-se agora que a Força de Defesa de Ruanda encontra-se destacada no distrito.

Dois dias depois, a aldeia de Quissanga 2, a cerca de 60 km a oeste da sede do distrito de Quissanga, foi palco de uma emboscada onde foram alvejados um minibus e um Toyota Canter. Relatos locais sugerem que pelo menos um passageiro foi morto e o motorista de um dos veículos ficou ferido no pé. Alguns acreditam que os militares podem estar por detrás do ataque, uma vez que os soldados foram alegadamente vistos a consumir álcool nas proximidades do ataque naquela manhã. Os meios de social do Estado Islâmico (EI), no entanto, reivindicaram o crédito por atacarem uma vila chamada Quissanga naquele dia, embora a declaração não mencione a emboscada de nenhum veículo. Em vez disso, afirma que os militantes entraram na aldeia, queimaram várias casas e se retiraram.

A vila de Bilibiza, em Quissanga, que foi invadida por insurgentes em 2020, tornou-se uma área de acolhimento para deslocados que fogem de recentes ataques insurgentes em todo o distrito, bem como em Metuge e Ancuabe.

A estratégia dos insurgentes nas últimas semanas tem sido de modo geral evitar confrontos directos com as forças de segurança, mas a 28 de Junho um grupo de militantes lançou um ataque surpresa a uma das posições das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) em Mandimba, em Nangade, matando o comandante e ferindo cerca de cinco outros soldados, de acordo com uma fonte local e um consultor de segurança. O ataque teria começado por volta das 16h e continuou até por volta das 19h. 

O EI reivindicou o crédito por matar um soldado e ferir “vários outros”, além de incendiar edifícios e apreender armas e munições. A 3 de Julho, os canais de comunicação social do EI divulgaram uma reportagem fotográfica mostrando munições, explosivos e outros equipamentos militares capturados em Mandimba.

De acordo com uma fonte local, a Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM) conhecia a localização dos insurgentes e solicitou apoio de helicóptero ao centro de comando em Mueda, mas não obteve resposta – sem surpresa, dada a natureza limitada dos meios aéreos à disposição da SAMIM ou dos seus aliados moçambicanos ou ruandeses.

Meluco também sofreu um ataque insurgente na aldeia de Iba, aproximadamente 40 km a leste da sede do distrito. Poucos detalhes surgiram até agora, mas tiros foram ouvidos na vila a 2 de Julho. O ataque foi posteriormente reivindicado pelo EI.

Foco Semanal: Tiroteios em Mocímboa da Praia destacam Processo de Reassentamento Problemático

Foram impostas restrições severas à liberdade de circulação em Mocímboa da Praia devido ao receio de infiltração de insurgentes, e as forças de segurança tratam qualquer pessoa que viole o recolher obrigatório como um potencial atacante. A 30 de Junho, um civil foi morto a tiros pelas forças ruandesas por atravessar para outro bairro à noite sem autorização das autoridades. A 3 de Julho, soldados moçambicanos dispararam e feriram outro civil em circunstâncias semelhantes enquanto tentava mudar-se de Nandadua para o bairro de Kumota. Ele encontra-se sob cuidados médicos dos ruandeses em Mocímboa da Praia. Os dois homens, ambos dos primeiros grupos de deslocados a regressar a Mocímboa da Praia a partir da aldeia de reassentamento de Quitunda, foram apanhados a passar de um bairro para outro à noite sem autorização e foram tratados como suspeitos de serem  insurgentes. Na sequência dos dois incidentes, as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique (FDS) frisaram à população local que não devem arriscar a vida tentando circular em zonas da vila onde não são permitidas.

O facto de estarem em vigor restrições tão severas à circulação, e que essas restrições sejam aplicadas de forma letal, demonstra que ainda há muita ansiedade quanto à ameaça de ataques insurgentes, mesmo que as autoridades se esforcem por assegurar aos civis que é seguro regressar. Essa ansiedade não é infundada. A 25 de Junho, os insurgentes emboscaram um minibus a apenas 10 km ao norte de Mocímboa da Praia, matando o motorista e ferindo vários passageiros. O plano de regresso de civis foi suspenso desde então. 

As restrições também levantam questões sobre a qualidade de vida que as pessoas deslocadas poderão encontrar. A agricultura foi efetivamente proibida e os serviços públicos, como saúde e educação, são praticamente inexistentes, de acordo com uma fonte humanitária ativa na área. A praia está aberta para a pesca, mas isso não poderá ser sustentável a toda população.

O primeiro grupo de retornados foi constituído pelos chefes de agregados familiares seleccionados para irem na primeira vaga, que foram os primeiros a verificar as condições da sua propriedade e possível reinício da actividade agrícola. Recebem um kit de emergência. São então encorajados a trazer as famílias e obter um pacote alimentar por um período de três meses.  

A opinião no seio da comunidade deslocada parece estar dividida sobre a questão do retorno. Fontes locais relatam que, apesar das restrições e da ameaça à segurança, muitos se opõem à suspensão do retorno porque as condições nos campos de deslocados são intoleráveis. Diz-se até que há pouca simpatia pelos homens que foram baleados, pois deliberadamente violaram as regras sabendo dos riscos. 

Outros estão mais apreensivos com a perspectiva de viver sob restrições tão duras, especialmente quando essas restrições são impostas pelas FDS, que são em grande parte culpadas por deixar cair Mocímboa da Praia cair  nas mãos dos insurgentes em primeiro lugar. Têm também uma enorme reputação de violência arbitrária contra civis, que o recente tiroteio certamente não ajudou a dissipar. 

O reassentamento de civis provavelmente será retomado em breve e, apesar do estado geral de desconforto, a promessa de apoio alimentar para famílias que retornam é um incentivo atraente. Há 400 famílias em Quitunda que ainda precisam de ser deslocadas e as autoridades estão determinadas a avançar, especialmente porque a TotalEnergies disse que a restauração da normalidade em Palma e Mocímboa da Praia, e na província de forma mais ampla, é um pré-requisito para o trabalho reiniciar o projecto de gás de Afungi. Em todo o caso, o verdadeiro desafio não é simplesmente devolver a população a Mocímboa da Praia, mas tornar a vila novamente um local habitável. 

Resposta do Governo

O foco das ações do governo moçambicano ao longo da última semana manteve-se centrado no restabelecimento da normalidade no distrito de Ancuabe. O governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, que esteve na vila de Ancuabe no dia 28 de Junho, prometeu que em breve estarão criadas as condições para a retoma dos serviços básicos suspensos na sequência dos recentes atentados. Tauabo não esclareceu que condições ou medidas serão tomadas, dizendo apenas que já foi feita uma avaliação da situação e que está sendo elaborado um plano de ação. Também exortou os moradores locais a permanecerem em Ancuabe, prometendo que a segurança seria garantida pelas FDS. A onda de violência em Ancuabe começou há cerca de um mês e já resultou na fuga maciça de moradores locais e milhares de deslocados, e na suspensão de vários serviços públicos, incluindo o fechamento de escolas, centros de saúde e programas de assistência humanitária. 

Mesmo com as garantias de proteção do governador de Cabo Delgado, um número crescente de deslocados procura deixar o distrito de Ancuabe. No distrito vizinho de Chiure, o administrador local, Oliveira Amimo, disse a 27 de Junho que o seu distrito recebeu cerca de 4.000 deslocados de Ancuabe. Segundo Amimo, os deslocados estão a ser encaminhados para os centros de alojamento do distrito já existentes. 

Um relatório da DW mostra várias pessoas nas principais estradas de Ancuabe procurando desesperadamente transporte para destinos seguros. A reportagem também descreve os desafios enfrentados tanto pelas comunidades de acolhimento como pelos deslocados em Muaja. Antes dos ataques em Ancuabe, Muaja tinha um centro de acomodação para deslocados. A área já havia sido demarcada para a construção de casas para cerca de 2.400 famílias deslocadas. Mas a maioria dessas famílias já se foi. Os moradores locais estão a enfrentar dilemas no acolhimento dos deslocados. Se por um lado, as autoridades apelam à vigilância, através da verificação dos documentos dos deslocados que chegam à aldeia de Muaja, por outro, os moradores veem a necessidade de os receber e apoiar, mesmo quando não portam qualquer tipo de documentação. A reportagem apresentou relatos dramáticos de pessoas deslocadas, tendo algumas visto suas aldeias serem completamente incendiadas e outras sido forçadas a caminhar distâncias de até 30 km. 

Fontes em Nampula informam que os deslocados que chegam dos distritos afectados pelo conflito na província vizinha de Cabo Delgado devem apresentar um documento escrito, localmente conhecido como “guia de marcha” do distrito de onde vieram, mesmo que devidamente identificados com bilhete de identidade. Uma fonte descreveu que dois pequenos comerciantes de Macomia a caminho da cidade de Nampula foram solicitados a mostrar as “guias” no posto administrativo de Lúrio. Como não portavam o documento, foram obrigados a entregar uma quantia de 2.000 meticais (31 dólares norte-americanos) cada um aos agentes da polícia para continuarem a viagem. Esta situação sublinha a extrema vulnerabilidade a que estão expostas as pessoas que fogem das zonas de conflito e como o conflito é explorado pelas autoridades policiais e militares para se envolverem em práticas corruptas e extorsivas, num contexto em que o governo, através da sua Estratégia de Resiliência e Desenvolvimento Integrado do Norte ( ERDIN), procura restaurar o contrato social e a confiança entre o Estado e a população da região norte. 

O conflito em Cabo Delgado tem sido devastador no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde. Segundo o ministro da Saúde, Armindo Tiago, dos 130 centros de saúde da província, 31 ficaram completamente destruídos na sequência dos ataques dos insurgentes. A situação é descrita como crítica nos distritos de Mocímboa da Praia, Quissanga, Macomia e Meluco que ficaram sem acesso a cuidados básicos de saúde. Armindo Tiago disse que o país precisa de apoio externo para restabelecer estes serviços e infraestruturas nas zonas afetadas pelo conflito. Uma visão ainda mais sombria é apresentada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que por meio de sua coordenadora de comunicações em Moçambique, Mariana Camaroti, disse que cerca de 80% da infraestrutura de saúde em áreas afetadas por conflitos foi danificada, queimada, vandalizada, e abandonados pelos profissionais de saúde devido à insegurança. Ela acrescentou que o CICV entregou três centros de saúde em Pemba para atender pelo menos 80 mil pessoas, incluindo as deslocadas pelo conflito.  

Palma volta a beneficiar dos serviços bancários após mais de um ano de interrupção na sequência do atentado à vila de Palma, a 24 de Março de 2021, com a instalação de dois multibancos do Banco Comercial de Investimentos (BCI). De acordo com o BCI, os ATMs, os dois primeiros instalados até ao momento, visam beneficiar as populações da região da península de Afungi e a comunidade de Quitunda. As pessoas reassentadas em Quitunda precisam dos ATM para receber seus pagamentos de compensação da TotalEnergies.

A empresa de algodão britânica Plexus anunciou que vai sair de Cabo Delgado, deixando cerca de 50.000 pequenos produtores de algodão que esperavam vender à Plexus a sua produção de algodão à deriva. O anúncio foi feito por Nick Earlam, CEO da Plexus, durante uma reunião na Chatham House. Earlam disse que vários fatores estiveram por detrás da decisão de saída de Cabo Delgado, referindo-se à possibilidade de agravamento do conflito e consequente redução das hipóteses de obtenção de financiamento. 

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