Cabo Ligado

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Cabo Ligado Semanal: 3-9 de Outubro de 2022

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  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,461

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,322

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,901

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

A atividade insurgente permaneceu relativamente baixa na semana passada, com apenas quatro ataques confirmados, três no distrito de Macomia e um no distrito de Muidumbe. Em Macomia, dois ataques tiveram lugar no sábado, 8 de Outubro, nas aldeias de Litandacua e Nguida. Em Litandacua, a sul do rio Messalo, os insurgentes dispararam e mataram uma pessoa enquanto queimavam e saqueavam a aldeia, antes de serem forçados a retirar-se sob fogo das Forças Locais. Em Nguida, cerca de 20 km a noroeste da sede do distrito de Macomia, ouviram-se fortes tiros na aldeia e pelo menos 13 casas foram queimadas. Até a data, não foram relatadas quaisquer mortes.

No dia seguinte, os insurgentes atacaram Namituco na zona de Chicomo, em Macomia, cerca de 10 km a sul de Nguida. Poucos detalhes sobre o ataque surgiram, mas foi relatado que as Forças Locais não tinham as munições para resistir e, consequentemente, os insurgentes sentiram-se livres para circular livremente em grande parte do distrito. Isto segue relatos que as Forças Locais que combatiam insurgentes em Homba, Mueda, a 23 de Setembro, tiveram de recuar depois de ficarem sem munições, sugerindo que a milícia pode estar a lutar com a escassez crónica de abastecimento, e podem não ter o apoio adequado das Forças de Defesa e Segurança (FDS). 

No distrito de Muidumbe, no início de 9 de Outubro, uma fonte local reportou um ataque naquele dia à Mandava na zona de Muambala, no sul do distrito. Fontes concordaram que cinco foram mortos, uma fonte dizendo que as vítimas eram membros das Forças Locais. Até 30 casas foram queimadas. 

Enquanto isso, as forças de segurança intensificaram as operações de contra-insurgência em Nangade. No dia 4 de Outubro, as forças de segurança, segundo uma fonte, realizaram uma operação contra uma base insurgente perto da lagoa de Ngongo. Nos dias 6 e 7 de Outubro, tropas do governo e a Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM) entraram em conflito com insurgentes na floresta perto de Nkonga, supostamente com a ajuda de combatentes rendidos que direcionaram as forças de segurança para o local de um campo de insurgentes. Vítimas, se houver, são desconhecidas. 

Uma fonte local disse ao Cabo Ligado que a pressão das operações militares em Nangade, envolvendo tropas terrestres e helicópteros, está a obrigar muitos insurgentes a fugir do distrito ou a render-se. A fonte estimou que nas últimas semanas, cerca de 15 a 20 insurgentes se renderam em Nangade de três em três dias. Oito insurgentes, que se acredita serem tanzanianos, foram detidos pelas forças da SAMIM a 5 de Outubro, afirmou a fonte. 

Muitos dos que escaparam parecem ter-se concentrado em Macomia, tirando partido da cobertura florestal a sul do rio Messalo (ver Foco Semanal abaixo). Uma fonte local informou que os insurgentes ali juntaram forças com grupos de combate recém-saídos dos ataques em Quissanga e Mueda.

O Estado Islâmico (EI) divulgou uma reportagem fotográfica a 6 de Outubro sobre um ataque à vila de Homba, no distrito de Muidumbe, ocorrido 13 dias antes, eam 23 de setembro. Uma reivindicação inicial foi emitida a 29 de Setembro. O atraso de 13 dias é considerável. O maior atraso anterior para reportagens fotográficas emitidas desde o aparecimento do EI Moçambique em Maio foi de 10 dias. Os relatórios fotográficos geralmente são emitidos dentro de uma semana. Uma imagem na reportagem fotográfica da semana passada foi particularmente impressionante, mostrando um insurgente derrubando uma estátua de madeira de Eduardo Mondlane. Muitas aldeias nos distritos de Muidumbe e Mueda, e algumas em Nangade, têm estátuas ou praças que simbolizam a história da luta de libertação nacional. Muitas destas foram construídas localmente, por iniciativa dos próprios veteranos da guerra da independência. 

Foco Semanal: Santuário do Rio Messalo

O rio Messalo continua a ser um refúgio significativo e conector para grupos de insurgentes que operam em Cabo Delgado. Os ataques realizados nos distritos de Macomia, Meluco, Mueda e Muidumbe nos últimos meses foram na sua maioria perto do rio.

Grande parte das terras por onde passa o rio é subdesenvolvida, com apenas duas estradas principais que percorrem um eixo norte-sul pelos distritos de Macomia e Mueda. Consequentemente, as áreas ao redor do rio que flui de oeste para leste fornecem cobertura contra vigilância aérea e ataque, bem como proteção contra patrulhas terrestres. Apesar da destruição de duas bases significativas nas principais bases dos insurgentes de Siri 1 e Siri 2 em Setembro de 2021, essas áreas continuam a fornecer refúgio para grupos que recuam diante de operações em outros lugares, como as operações prolongadas na floresta de Katupa este ano.

Fontes que relataram os ataques da semana passada em Litandacua e Nguida indicam que o grupo ou grupos responsáveis ​​estão baseados perto de Nkoe, num local chamado Chombaindo. A área é segura, sendo relativamente montanhosa e arborizada. As fontes afirmam que estes incluem alguns que recuaram de operações tão distantes como o distrito de Metuge, no sul, e mais a oeste ao longo do rio em Homba, no distrito de Mueda, após um confronto com as forças de segurança a 23 de Setembro. O confronto em Homba pode ter levado alguns a uma mudança para o leste, para Nkoe. As distâncias percorridas não são vastas, e o grupo ou grupos responsáveis ​​pelos ataques de Litandacua e Nguida têm capacidade para regressar aos distritos de Muidumbe e Mueda. Como Homba fica a aproximadamente 40 km de Nkoe, isso não é inviável. Se as condições de segurança o exigirem, uma mudança de volta para as terras baixas do sudoeste de Muidumbe daria novamente acesso aos saques que os assentamentos e as terras agrícolas oferecem.  

Atualmente, fontes locais indicam que as operações conjuntas da SAMIM e das FDS contra esconderijos insurgentes a aproximadamente 20 km a leste da Nangade, que começaram em meados de Setembro, continuam em torno de Namiune e Ngongo, com apoio de Ruanda. Também indicam que alguns insurgentes tentaram chegar ao sul através de Mocímboa da Praia. Os caminhos para o rio Messalo, mais a sul, serão bem conhecidos. 

Os insurgentes saberão também que a coordenação operacional entre as forças de intervenção e as FDS tem sido fraca. Bases em Nangade foram estabelecidas nos últimos 12 meses por insurgentes que se retiraram das operações ruandesas em Palma e Mocímboa da Praia. A falta de coordenação com as forças da SAMIM em Nangade permitiu-lhes estabelecer-se nas florestas daquele distrito, de onde têm vindo a atacar os postos avançados das FDS e a estrada principal. A menos que esta falha operacional seja corrigida, é provável que o santuário seja encontrado a sul, junto ao rio Messalo.  

Resposta do Governo

A semana passada marcou o quinto aniversário do primeiro ataque da insurgência em Mocímboa da Praia, a 5 de Outubro de 2017. Embora tenha suscitado a reflexão de algumas autoridades estatais, humanitárias e religiosas, a data sombria foi ofuscada pelo aniversário mais feliz do dia anterior de 30 anos do Acordo Geral de Paz, um feriado público. Os próprios insurgentes também não pareciam muito preocupados em marcar a ocasião: não houve declaração do grupo nem qualquer operação especial realizada para marcar o evento.  

Refletindo sobre os cinco anos, o comandante da força policial de Moçambique, Bernardino Rafael, disse que as FDS de Moçambique enfrentaram inicialmente desafios na compreensão da identidade da insurgência mas que, agora passados ​​cinco anos, os insurgentes estavam “mais frágeis e fragmentados”. DW relatou. Menos otimista, ele também disse que “o terrorismo sempre existirá porque é uma ideologia” e que a ideologia é “difícil de ser removida."

A agência de refugiados da ONU, ACNUR, divulgou uma retrospectiva a 4 de Outubro para destacar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas deslocadas nos últimos cinco anos. Com quase 1 milhão de pessoas deslocadas, a agência disse que “considera as condições de segurança demasiado voláteis em Cabo Delgado para facilitar ou promover o regresso à província”. Relativamente aos regressos espontâneos que estão a acontecer na província, disse que “as pessoas que perderam tudo estão a regressar a zonas onde os serviços e a assistência humanitária estão em grande parte indisponíveis”. A declaração seguiu-se à primeira missão de avaliação de Proteção do ACNUR a Palma, onde diz que a maioria da população original do distrito, de aproximadamente  70.000 pessoas, regressou. O regresso a Palma e Mocímboa da Praia está actualmente a ser activamente apoiado pelas autoridades, presumivelmente para demonstrar que a província é segura, e para encorajar a TotalEnergies a levantar a força maior que declarou sobre o gás natural liquefeito projeto em Abril de 2021.

Também em memória do aniversário de cinco anos, Médicos sem Fronteiras (MSF) destacou o preço do conflito na saúde mental das pessoas deslocadas. "Vivenciar um conflito tão prolongado - com pouca ou nenhuma perspectiva de um futuro estável - tem profundas consequências para a saúde mental", escreveu. Em 2021, as equipes de MSF em Cabo Delgado ofereceram quase 3.500 consultas individuais de saúde mental e atividades de saúde mental em grupo para mais de 64.000 pessoas. De acordo com a gestora de atividades de saúde mental de MSF, Tatiane Francisco, o estresse agudo e ansiedade, combinados com perda e luto, são as principais razões pelas quais as pessoas procuram consultas de saúde mental nos projetos de MSF. A organização destacou ainda as pressões logísticas para prestar apoio às pessoas afectadas pelo conflito, dizendo que em distritos como Macomia, Palma, e Mocímboa da Praia, MSF é a única organização humanitária "com presença regular". A crítica dos MSF de que a assistência é envisada para o sul da província, faz eco da do Observatório do Meio Rural (OMR) na sua análise recentemente publicada das condições enfrentadas pelos deslocados na província.

O Bispo de Nacala, Monsenhor Alberto Vera Aréjula, disse que as causas da insurgência na província de Cabo Delgado não são religiosas, e que a coexistência entre cristãos e muçulmanos em Moçambique “sempre foi pacífica.”. Durante uma entrevista à InfoCatólica, o bispo disse que apesar da “opinião internacional” dizer que “esta é uma guerra religiosa”,  a sua experiência no norte de Moçambique mostrou que "não é assim, ainda que seja verdade que existem jihadistas". Sublinhou também as boas relações entre pessoas de diferentes religiões nas comunidades de toda a província. Segundo o bispo, a indústria extrativa e o crime organizado desempenham um papel no fomento da violência, assim como “o islão de fora, geralmente de estrangeiros que criam mesquitas financiadas por quem não sabemos.” 

Falando em referência aos ataques do mês passado em Nampula, o ministro da Defesa Nacional de Moçambique, Cristóvão Chume afirmou que a insurgência não se espalhou para novas áreas. Falando à Televisão de Moçambique, disse que os grupos que levaram a cabo a incursão em Nampula eram pequenos e que "é possível mover-se muito facilmente, atacar num ponto e desaparecer através da floresta". Chume disse também que todos os insurgentes serão "capturados, mais cedo ou mais tarde". Com excepção dos ataques a Mocímboa da Praia e Palma, estas observações foram, não intencionalmente, uma descrição justa de tácticas insurrectas. 

De acordo com fontes da Cabo Ligado, os ataques em Nampula parecem ter sido realizados por um pequeno grupo de incursões que agora regressou a Cabo Delgado, onde atacaram desde então nos distritos de Metuge e Quissanga. No entanto, a trajetória do grupo enquanto marchava para o sul de Ancuabe em direção a Nampula era clara antes dos ataques. É improvável que as palavras de Chume tranquilizem totalmente a província de que uma incursão semelhante não acontecerá novamente.

Entretanto, fora de Moçambique, continuaram a surgir mais reportagens nos meios de comunicação social, destacando as operações militares ruandesas em Cabo Delgado. A 4 de Outubro, o The New Times do Ruanda, que nas últimas semanas aumentou a sua cobertura das operações ruandesas em Moçambique, publicou um perfil do comandante da força-tarefa major-general Eugene Nkubito, apresentando um vídeo teatral e de alta produção que mostra soldados ruandeses a prestar assistência médica na aldeia de Quionga. 

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