Cabo Ligado

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Cabo Ligado Semanal: 6-12 de Junho de 2022

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  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,287

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,034

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,734

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

A insurgência prosseguiu a sua marcha para sul no distrito de Chiure, ameaçando a capital provincial Pemba e atacando pelo caminho civis vulneráveis ​​em Ancuabe. A norte de Pemba, os insurgentes continuam a combater as forças de segurança no distrito de Macomia. Nas últimas duas semanas, os ataques dos insurgentes a alvos num raio de 60 km de Pemba desencadearam deslocamentos significativos e forçaram os militares a restringir o movimento nas principais estradas. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que mais de 11.000 pessoas fugiram na sequência do ataque a Nanduli a 5 de Junho, principalmente para Pemba e Chiure, mas também para outros distritos vizinhos.

Após o ataque de Nanduli, os insurgentes continuaram para o sul até a área mineira de Grafex, propriedade da companhia de mineração de grafite australiana Triton Minerals, onde decapitaram dois funcionários a 8 de Junho. Esta informação foi inicialmente transmitida por dois colegas das vítimas que conseguiram fugir para a aldeia de Silva Macua, cerca de 20 km a sul, onde muitos sobreviventes do ataque de Nanduli se encontravam. A 14 de Junho, a Triton Minerals divulgou um comunicado confirmando que dois “funcionários de segurança/Porteiros” haviam sido mortos. Nenhum dano material foi causado ao local, disse a empresa.

A 9 de Junho, os insurgentes apareceram mais a sul na aldeia de Ntutupue, cerca de 55 km a oeste de Pemba, onde fontes locais relatam que encontraram dois civis, decapitaram um e instruíram o outro a relatar o que tinha acontecido. Quatro dias depois, os meios de comunicação social do Estado Islâmico (EI) reivindicaram a responsabilidade pela morte de um civil no local. Uma fonte afirma que as forças ruandesas e moçambicanas perseguiram os insurgentes até as matas de Pulo , onde entraram em confronto, mas não foram relatados outros detalhes desse confronto.

Uma mulher que foi capturada após o ataque de Nanduli e levada para a Pulo afirmou ter visto pelo menos 60 insurgentes. Ela disse que foi posteriormente libertada e instruída pelos insurgentes a espalhar a mensagem de que eles estão a chegar. Ela também afirmou que as pessoas estavam a beber refrigerantes da marca Frozy, sugerindo que as linhas de abastecimento são robustas. Outra família de Ancuabe, que fugiu para Nampula, alegou que o seu distrito foi atacado por 300 insurgentes.

A 12 de Junho, os meios de comunicação social do EI divulgaram um comunicado alegando ter matado dois civis e incendiado 70 casas na aldeia de Retene, no leste de Chiure, ao sul de Pemba, um ataque confirmado por uma fonte local. Este é o primeiro ataque insurgente confirmado em Chiure e o ataque mais ao sul realizado pelos insurgentes. Chiure já era vista como um porto seguro, onde os deslocados se abrigavam desde o início do conflito. 

Outras fontes locais relataram rumores de que a aldeia de Mazeze, 8 km a sul de Retene, foi atacada no dia anterior, mas ainda não foi recebida nenhuma confirmação direta. Dada a proximidade entre as aldeias, não está claro se esses rumores se referem ao ataque de Retene ou a um incidente separado.

De qualquer forma, os recentes ataques em Ancuabe e Chiure provocaram pânico em Pemba, segundo uma fonte na cidade. Vídeos que aparecem nas redes sociais parecem mostrar grandes engarrafamentos fora de Pemba, já que todos os veículos que entram na cidade são verificados para deter infiltrados insurgentes. Pemba é o principal centro de comando e logística da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM). 

A violência insurgente também continuou mais ao norte, em Macomia. No dia 7 de Junho, o EI alegou ter atacado a aldeia de Chai, cerca de 30 km ao norte da sede do distrito de Macomia, queimando casas, mas sem mencionar quaisquer vítimas. Relatos locais também sugeriram que não houve vítimas, mas várias crianças foram sequestradas e depois liberadas. No entanto, uma fonte afirma que a 10 de Junho, 10 insurgentes foram mortos entre a aldeia de Nkoe e Chai em um confronto com as forças de segurança que durou a noite toda, embora isso ainda não tenha sido corroborado.

Na quinta-feira, 9 de Junho, insurgentes e forças de segurança entraram em confronto nos arredores do Quinto Congresso, com ambos os lados alegando ter emboscado e apreendido armas um do outro. O EI foi o primeiro a reivindicar a vitória, vangloriando-se nos meios de comunicação social no dia seguinte de ter surpreendido com sucesso um grupo de soldados em patrulha perto de “Quinto”, matando dois e ferindo vários outros. Dois dias depois, o EI divulgou uma reportagem fotográfica supostamente do incidente, uma mostrando um corpo decapitado e a outra uma metralhadora ligeira capturada com munição.

SAMIM respondeu a 13 de Junho com um comunicado de imprensa alegando que uma força da SAMIM e tropas moçambicanas conduziram uma operação conjunta nos arredores do Quinto Congresso no dia 9 de Junho em que “terroristas foram mortos e outros sofreram ferimentos graves”. O comunicado afirma ainda que na operação foram apreendidos fuzis e munições, mas admitiram ter sofrido seis feridos e uma morte. Estas áreas de Macomia têm permanecido persistentemente inseguras desde a intervenção das forças de segurança regionais.

A intensificação da violência em Cabo Delgado nas últimas semanas está a causar preocupação a nível internacional.  A 9 de Junho, o governo australiano aconselhado tosos os cidadãos australianos na província para “abandonar a área se for seguro fazê-lo”, pois “há um risco extremo de terrorismo” que pode “atingir áreas frequentadas por estrangeiros”. Há pelo menos três empresas mineiras a operar em Cabo Delgado que estão cotadas na Bolsa de valores Australiana, incluindo a Triton Minerals. 

A intensificação da violência e a rápida disseminação dos ataques para o sul claramente surpreenderam as autoridades civis e militares. A frequência dos ataques e a área em que estão a ocorrer sugerem que há mais de um grupo atualmente ativo nos distritos de Meluco, Ancuabe Chiúre, e que é provável que estejam a coordenar-se uns entre si. Consequentemente, as forças de segurança foram forçadas a uma postura reativa, perseguindo os insurgentes após a ocorrência de incidentes. Ao mesmo tempo, as consequências dos ataques à população civil estão a criar novos desafios de segurança na gestão de grandes e inesperados fluxos de pessoas em torno da estrategicamente importante cidade de Pemba. 

Em relação aos objetivos dos insurgentes, há, por um lado, questões em torno da capacidade dos insurgentes de sustentar esse ímpeto num contexto onde eles se estendem por uma área geográfica muito mais ampla do que antes. Parecem estar a operar com base no reabastecimento local e aterrorizando as comunidades. Há, evidentemente, preocupações de que Pemba esteja na mira deles, e que possa haver células adormecidas e esconderijos de armas na própria capital provincial. Por outro lado, seu próprio movimento para o sul pode ser uma reação às operações de segurança em Macomia, principalmente nas matas de Catupa. 

Foco Semanal: O Regresso dos Deslocados de Palma a Mocímboa da Praia

O regresso de 123 deslocados de Quitunda, no distrito de Palma, a Mocímboa da Praia na semana passada esconde o deslocamento contínuo nos distritos orientais de Cabo Delgado, de Palma, no norte, a Ancuabe e Chiure no sul, que foram abalados por ataques nas últimas semanas. Dada a persistência dos conflitos em toda a província e os serviços públicos limitados, o regresso a Mocímboa da Praia não é garantido.

Milhares de pessoas que fugiram do ataque de Março de 2021 na vila de Palma vivem em Quitunda, uma aldeia de reassentamento na península de Afungi construída pela Anadarko para abrigar pessoas deslocadas pelo projeto de Gás Natural Liquefeito (GNL). As pessoas deslocadas incluem um número que originalmente fugiu de Mocímboa da Praia para Palma, depois que Mocímboa foi tomada por insurgentes em Agosto de 2020. O regresso da semana passada de 123 pessoas a Mocímboa da Praia contou com o apoio das “Forças Conjuntas do Ruanda e Moçambique”, segundo um comunicado do Ministério da Defesa do Ruanda, que espera que um total de 3.556 pessoas voltem a Mocímboa. Não está claro se as condições ainda são adequadas ou se esse nível de retorno projetado será possível. Em Abril, Médicos sem Fronteiras (MSF ) informou que a eletricidade e a água foram restabelecidas, mas que não havia comércio. Ainda no mês passado, o município de Mocímboa da Praia chegou a ameaçar os funcionários públicos para regressarem até 15 de Maio.   

Embora remover uma população vulnerável do local do projeto de volta a Mocímboa da Praia sempre tenha sido um objetivo da TotalEnergies, a empresa não é complacente com a situação de segurança na comunidade em geral. O apoio ao desenvolvimento de Quitunda e outras comunidades continua, mas foi suspenso nas aldeias de Olumbe e Mondlane desde o final de Maio, segundo o jornal Savana. As duas aldeias situam-se a sul do local de GNL. Isto reflecte as preocupações com as operações de uma célula armada que opera entre a costa e a estrada R762 que liga Palma e Mocímboa da Praia. Acredita-se que a célula seja responsável por duas incursões em Olumbe no mês passado e por ataques a veículos no R762. Com as forças moçambicanas, ruandesas e da SADC esticadas pelos eventos a sul, tanto Palma como Mocímboa da Praia podem ficar expostos.

O medo e a fuga causados ​​pelas ações dos insurgentes nos distritos do sul na última quinzena ressaltam a necessidade de cautela sobre o retorno aconselhado pelo presidente Nyusi na última semana de Maio. O sucesso final de regressos de alto perfil, mas muito modestos, como se viu de Palma a Mocímboa da Praia na semana passada, depende da situação de segurança mais ampla. Como vimos nas últimas duas semanas, isso pode mudar rapidamente.

Resposta do Governo

Os recentes ataques em Ancuabe desencadearam uma série de ações como parte de uma resposta mista e às vezes descoordenada do governo. A 6 de Junho, durante um encontro virtual com o Secretário-Geral do Partido Comunista do Vietname, Nguyễn Phú Trọng, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi reconheceu publicamente o ataque do dia anterior a Ancuabe. Nyusi disse que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) já estavam a monitorizar os movimentos insurgentes em Nanduli, o que levou a uma intervenção militar. Essa intervenção militar, disse Nyusi, acabou levando à fuga de civis da área. Segundo Nyusi, o problema do “terrorismo” está longe de terminar, e os esforços do governo serão direcionados para conter o problema. Esta abordagem, na visão de Nyusi, passa pelo reforço da capacidade operacional, avançando no plano de reconstrução da província e consolidando a segurança para permitir o regresso seguro da população deslocada. 

No terreno, a situação parecia mais complicada. Após o ataque a Nanduli a 5 de Junho, pessoas de Nanduli e das aldeias vizinhas fugiram de suas casas para áreas seguras, como Sunate, também conhecido como Silva Macua, para onde muitos outros fugiram para pegar transporte para outros lugares. Entre os que fugiram, segundo a Carta de Moçambique, estava a administradora de Ancuabe, Lucia Namashulua, que se refugiou no posto administrativo de Metoro. No entanto, ela foi forçada por mais altos funcionários a retornar à vila de Ancuabe e depois viajar para Sunate para instar as pessoas a retornarem às suas casas, dizendo que as FDS controlavam a situação. 

A 8 de Junho, o Governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, deslocou-se a Metoro no âmbito de um esforço do governo para primeiro tranquilizar e depois apelar aos deslocados de Nanduli a regressarem às suas casas, dizendo que estão a ser envidados esforços para restabelecer segurança e ordem pública. Valige disse que disponibilizaria pelo menos seis veículos para transportar os civis de volta às suas aldeias. No mesmo dia, a porta-voz do governo de Cabo Delgado, Jorgina Manhique, recusou-se a comentar a extensão dos danos causados ​​pelo ataque de Nanduli, dizendo apenas que os ataques provocaram o deslocamento de pelo menos 2.500 pessoas. Paralelamente, a Ministra do Interior, Arsénia Massingue, esteve de visita à província, assegurando a SAMIM a cooperação governamental, e levantando preocupações sobre a corrupção policial. 

As pessoas deslocadas de Ancuabe que fugiram para o distrito vizinho de Chiure foram instruídas a retornar ao seu distrito, supostamente porque a vila de Ancuabe não estava em risco de ataques insurgentes, disseram fontes locais. O governo local de Chiure justificou sua decisão alegando que Nanduli está a 50 km da vila de Ancuabe, e que os insurgentes não conseguiriam chegar à vila de Ancuabe. 

A 11 de Junho, os insurgentes realizaram outro ataque no distrito de Ancuabe, desta vez na aldeia de Ntutupue, a cerca de 60 km de Pemba. Este segundo ataque minou as garantias da administradora de Ancuabe e do governador de Cabo Delgado de que a situação estava controlada. Centenas de civis, principalmente de Ntutupue e Nipataco, fugiram para a cidade de Pemba, a maioria deles a pé.

Os ataques armados que devastaram o norte de Cabo Delgado nunca estiveram tão perto da capital provincial, Pemba. Para reforçar a segurança na cidade de Pemba e evitar a infiltração de insurgentes, as autoridades policiais introduziram escoltas militares na manhã de 12 de Junho na estrada que liga Pemba a Metuge pela estrada nacional N1, e instalaram postos de controlo. De acordo com a Carta, havia restrições de tráfego nas estradas que ligam Chiure ao Metoro, Chiure e Ancuabe, Metuge e Sunate no N1, e Metuge e Ancuabe.

O agravamento da situação de segurança e o impacto dos ataques de Ancuabe em particular já se ressentem no setor empresarial. O Standard Bank reviu as suas expectativas para o reinício da construção no campo de GNL de Afungi, do terceiro trimestre de 2022 a 2023, no mínimo, dizendo que os ataques recentes podem persuadir a TotalEnergies a atrasar ainda mais seu retorno. A confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), também prevê um futuro sombrio para os negócios, afirmando que o conflito em Cabo Delgado está a criar uma retração da economia. De acordo com o CTA, cerca de 54 mil empregos foram afetados.

A 9 de Junho, a mineradora australiana Syrah Resources anunciou que, junto com seu provedor de transporte, suspenderia toda a actividade de transporte ao longo da estrada principal que liga a sua mina em Balama a Pemba e Nacala, os dois portos que utiliza para exportação. A Montepuez Ruby Mining (MRM), localizada a 65 km da vila de Ancuabe, disse que, apesar da situação, suas operações continuariam, mas com restrições de viagem não especificadas. Semelhante à MRM, a Battery Minerals, outra empresa que opera em Balama, disse que não suspenderia as operações. 

As Nações Unidas emitiram um alerta sobre uma possível interrupção no fornecimento de ajuda humanitária em Cabo Delgado. Se o Programa Mundial de Alimentação (PMA) não receber novos fundos, poderá suspender a sua assistência alimentar às pessoas deslocadas do conflito em Cabo Delgado. Para continuar fornecendo ajuda alimentar, o PM precisaria urgentemente de 86 milhões de dólares norte-americanos para alimentar pelo menos 940.000 pessoas durante um período de seis meses.  

Enquanto isso, na Tanzânia, a vinda dos kiangazi, ou seca e os consequentes baixos níveis de água no rio Rovuma trouxeram uma onda de retornos de Moçambique durante o mês de Maio. Mais de 50 jovens do sexo masculino foram detidos na região de Mtwara no mês passado. Outros foram colocados sob supervisão enquanto permaneciam na comunidade. A supervisão é um acordo pelo qual os indivíduos não são acusados, mas devem informar regularmente às autoridades. De acordo com fontes locais, as detenções ocorreram no distrito rural de Mtwara, que faz fronteira com o distrito de Palma em Moçambique, e no distrito de Tandahimba, que faz fronteira com o distrito de Nangade.

Alguns repatriados foram capturados pelas forças de segurança e libertados após interrogatório e as autoridades estarem convencidas de que foram induzidos em erro a para se juntarem à insurgência, ou de que não estavam de todo envolvidos. Sabe-se que um grande número de tanzanianos vive no norte de Moçambique, por isso não se deve presumir que todos os que regressam agora ao país estejam com a insurgência. Em alguns casos, os jovens regressaram às suas aldeias e pediram a aceitação de seus líderes comunitários, sem envolver as forças de segurança. No entanto, essas soluções locais suscitam receios nas autoridades de que os retornados ainda possam estar em contato com a insurgência. 

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