Cabo Ligado

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Cabo Ligado Semanal: 7-13 de Março

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  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,194

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 3,818

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,686

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

O ritmo de ataques insurgentes em Cabo Delgado pareceu abrandar na semana passada, com exceção de Nova Zambézia no distrito de Macomia, onde uma posição militar sofreu repetidos assaltos que ceifaram até seis vidas. O primeiro ataque foi relatado na noite de Domingo, 6 de Março, por uma fonte local em Nova Zambézia, que fica a apenas 7km de Quinto Congresso onde um policia foi decapitado no dia 23 de Fevereiro por um grupo que tinha se mudado recentemente Congo para o distrito, segundo uma fonte militar. 

O último ataque tirou a vida de pelo menos um soldado das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique (FDS). A 8 de Março, o Estado Islâmico (EI) assumiu a responsabilidade pelo ataque através das redes sociais, afirmando: “Pela graça de Deus Todo-Poderoso, os soldados do Califado atacaram ontem um quartel do exército cruzado moçambicano na aldeia cristã de Nova Zambézia, na região de Macomia ontem com armas automáticas, o que levou à morte de um e à fuga dos demais”. 

A publicação incluía fotografias de casas em chamas, um corpo cujo rosto havia sido mutilado, aparentemente pertencente ao soldado do FDS que havia sido morto, e equipamento militar capturado, incluindo armas automáticas, munições e granadas lançadas por foguetes. Uma fonte local disse que o soldado morto era um comandante, embora isso não tenha sido corroborado por outras fontes.

Na terça-feira, 8 de Março, a Nova Zambézia foi atacada novamente. Segundo uma fonte, os insurgentes entraram em confronto com uma força combinada das FDS e milícias locais, cinco dos quais foram mortos, incluindo uma combatente da milícia. No dia seguinte, os meios de comunicação do EI reivindicaram mais uma vez a responsabilidade pelo ataque, publicando fotografias de outro corpo em uniforme militar e mais material militar capturado.

Macomia tem sido um foco de violência nas últimas semanas. Além do ataque a Quinto Congresso, as aldeias de Litmanda e Chai foram invadidas em 24 de Fevereiro. A 5 de Fevereiro, os insurgentes realizaram uma série de emboscadas ao longo da estrada N380 que liga Macomia a Pemba. Pelo menos seis foram mortos e 10 mulheres foram sequestradas. Os ataques mais recentes indicam que a violência no distrito não mostra sinais de diminuir. 

No distrito de Nangade, a cerca de 30 km da vila de Nangade, uma fonte alegou que forças da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), FDS e milícias locais conduziram uma operação militar bem sucedida a 7 de Março que alegadamente matou mais de 30 insurgentes. Segundo a fonte, as forças de segurança localizaram os insurgentes de volta à sua base antes de lançar um ataque terrestre com apoio aéreo de helicópteros. 

Esses insurgentes foram alegadamente responsáveis ​​por uma onda de ataques que aterrorizaram aldeias em Nangade desde 18 de Fevereiro, quando Litingina foi invadida e seis pessoas foram mortas. Uma fonte estimou na época que havia até 50 insurgentes nesse grupo. 

Apesar do alegado sucesso desta operação, Nangade testemunhou outro ataque na aldeia de Namuembe na tarde de sexta-feira 11 de Março. Ainda não se sabe quantos foram mortos ou feridos. A aldeia está localizada a apenas 5 km de um campo de deslocados em Muade. 

No dia 8 de Março, uma fonte em Nangade disse que apenas 13 dos 51 assentamentos no distrito não haviam sido atacados até agora: Nangade , Nang'omba, Tuliane, Ntoli, Itanda, Machokwe, Junho, Nanhagaia, Nhanga, Mualela, Chiduadua , Muade e Ntamba.

Foco Semanal: Retrocessos no Retorno das Populações às Suas Áreas de Origem

Dois temas principais nortearam a política do governo em relação ao conflito em Cabo Delgado nas últimas semanas: o processo de reconstrução e o retorno dos deslocados às suas áreas de origem. Na semana passada, o primeiro-ministro empossado, Adriano Maleiane, disse ao parlamento moçambicano que graças aos avanços significativos das forças conjuntas e combinadas de Moçambique, Ruanda e SADC, que resultaram na melhoria da situação de segurança, o plano de reconstrução do Cabo Delgado e o regresso seguro das populações às suas áreas de origem está em curso. O discurso de Maleiane retratou a situação em Cabo Delgado como um regresso gradual à vida normal. 

O discurso de normalidade do primeiro-ministro pretende servir a vários propósitos. Em primeiro lugar, é crucial para convencer os investidores a retomar o projeto de gás natural liquefeito (GNL) em terra, suspenso há cerca de um ano após o ataque à vila de Palma. As receitas da exploração de GNL serão significativas, pois financiarão os programas do governo. Desde a suspensão do apoio externo ao Orçamento do Estado em 2016 na sequência da descoberta de 'dívidas ocultas', o governo moçambicano enfrenta um défice orçamental significativo. Em segundo lugar, a pressão das pessoas deslocadas representa um fardo para o governo e destaca suas limitações na prestação de assistência humanitária às pessoas deslocadas. A normalização da província de Cabo Delgado é também fundamental para dinamizar a imagem do Presidente Filipe Nyusi, que se vai ao congresso da Frelimo em Setembro deste ano enfraquecido pelo conflito em Cabo Delgado e pelo caso das dívidas ocultas. O congresso da Frelimo, que se realiza de cinco em cinco anos, elegerá os membros do Comité Central que, por sua vez, elegerão o sucessor de Nyusi para concorrer às eleições presidenciais de 2024. Nyusi vai querer reforçar a sua imagem de liderança para consolidar a sua influência no futuro do partido, em meio a rumores de que ele procura um terceiro mandato como presidente - o que não é permitido pela constituição da república. 

Por outro lado, o discurso da normalidade, na visão do governo, representa uma vitória sobre a insurgência, ou pelo menos uma redução na capacidade dos insurgentes de ameaçar a paz e a segurança nas áreas afetadas pelo conflito. No entanto, os insurgentes continuam a realizar ataques em várias frentes e nas últimas semanas têm feito incursões nomeadamente ao redor de Macomia e Nangade.

Uma missão do Conselho de Ministros – órgão pelo menos nominalmente dirigido pelo primeiro-ministro – visitou distritos afectados pelo conflito em Cabo Delgado, e a sua avaliação contradiz a de Maleiane. A visita de quatro dias da missão teve como objetivo avaliar o processo de reconstrução e o retorno dos habitantes. Na sua avaliação, apesar de reconhecer os avanços em termos de restabelecimento de energia eléctrica, comunicações móveis e abastecimento de água, a missão registou com preocupação a lentidão do processo de reconstrução, com a maior parte das principais infra-estruturas como escolas, hospitais e edifícios governamentais destruídos ou abandonados, a ausência de funcionários públicos nos distritos, bem como a falta de condições básicas para o exercício das suas actividades. A missão não só notou fragilidades na consolidação da segurança e apelou à necessidade de rastreio das pessoas que regressam às suas áreas de origem, como também minou as promessas do governo de que o regresso das famílias deslocadas aconteceria em breve. Além de constatar a falta de condições básicas nos distritos afetados pelo conflito, a missão concluiu que para permitir o retorno da população, o governo deve mobilizar mais de mil funcionários e agentes do Estado para garantir os serviços públicos. Até que ponto as forças de segurança estão preparadas para garantir a segurança dos funcionários públicos é uma questão não resolvida. Funcionários públicos e agentes de segurança são os principais alvos dos insurgentes. 

O plano do governo de trazer as populações de volta às suas áreas de origem continua marcado por incertezas e retrocessos. As autoridades de Cabo Delgado tinham agendado o processo de povoamento de Mocímboa da Praia para iniciar a 6 de Março de 2022, com a transferência dos deslocados do distrito de Palma para Mocímboa da Praia. Não se observou nesse dia qualquer movimento de civis para se estabelecerem em Mocímboa da Praia. No dia seguinte, 7 de Março, que é o 'dia da vila de Mocímboa da Praia, era esperado um número significativo de civis nas comemorações. No entanto, as poucas dezenas de civis que compareceram ao evento deixaram a vila após o término das comemorações. Apesar da proclamada tranquilidade no distrito, na realidade as questões de segurança continuam a ser o grande obstáculo ao regresso da população.

Os civis que participaram das festividades em Mocímboa da Praia relataram que foram impedidos pelas forças de defesa e segurança de se deslocarem para determinadas zonas da vila de Mocímboa da Praia, incluindo as suas próprias casas devido a questões de segurança não especificadas. A vila foi abandonada há pouco menos de dois anos e, além dos escombros, a densa vegetação que voltou em algumas aldeias ao redor da vila constitui um perigo, pois pode ser usada como esconderijo de insurgentes. 

Numa altura em que o governo planejava devolver os deslocados, Nangade registrou nas últimas semanas vários ataques de insurgentes. Além dos assassinatos, os insurgentes provocaram o deslocamento de muitas famílias. Macomia é onde a situação também é preocupante, com três ataques mortais contra posições das FDS relatados nas últimas semanas. Se a situação em Macomia continuar volátil, isso também pode desencorajar as pessoas a voltar para casa no distrito vizinho de Meluco, onde várias aldeias permanecem abandonadas devido às incursões insurgentes em janeiro passado.

As autoridades governamentais identificam a infiltração como uma das fragilidades de segurança crescente, principalmente entre as populações deslocadas que retornam às suas áreas de origem. Segundo o comandante da polícia em Cabo Delgado, Vicente Chicote, o aumento da infiltração da insurgência nas comunidades ocorre numa altura de grande escassez de abastecimentos e fome na insurgência. Chicote disse que os insurgentes enviam seus familiares para as comunidades, onde além de se passarem por deslocados, realizam ações de espionagem, identificando possíveis áreas alvo de ataques. 

Os desafios na prestação de assistência humanitária aos deslocados fora de Cabo Delgado continuam. No centro de alojamento em Nicoadala, província central da Zambézia, que acolhe maioritariamente deslocados de Palma, Mocímboa da Praia, Muidumbe e Macomia, os deslocados estão a abandonar os centros devido à fome e à falta de condições básicas. Enquanto alguns regressam voluntariamente às suas zonas de origem, outros procuram estabelecer-se noutros locais de Nicoadala para desenvolver actividades de subsistência. Afirmam receber apenas 10 kg de farinha de milho e arroz a cada 30 dias por família, o que não é suficiente, e os produtos chegam em estado de deterioração. 

Resposta do Governo

O Presidente Nyusi esteve na África do Sul a 11 de Março para a terceira sessão da Comissão Bi-Nacional África do Sul-Moçambique. Esta foi precedida por reuniões dos respectivos ministros das Relações Exteriores, Naledi Pandor e Verónica Macamo Dhlovo, assim como de outros altos funcionários e ministros. A Comissão, criada em 2011, só se reuniu em duas ocasiões anteriores; a última vez antes da pandemia de COVID-19 em Agosto de 2017. As relações entre os países não têm sido boas nos últimos anos, e houve uma sensação de alívio quando o presidente Cyril Ramaphosa, em seu discurso de abertura, enfatizou a importância deste encontro dar nova vida às suas respectivas relações bilaterais.

Ramaphosa também enfatizou o interesse da África do Sul em expandir a cooperação energética com Maputo e a importância de construir “ segurança”, apoiar a candidatura de Moçambique a um assento não permanente no Conselho de Segurança da ONU e construir programas conjuntos “para promover o desenvolvimento da juventude, o empoderamento das mulheres, o alívio da pobreza e geração de empregos”. O gás de Moçambique já abastece a gigante petroquímica sul-africana Sasol, estando a empresa a planear complementar esse fornecimento com a importação do GNL através de um novo terminal na Matola, sul de Moçambique. A “crise” em Cabo Delgado foi mencionada de passagem neste discurso, e renovou o compromisso da SADC numa resposta colectiva, salientando a “necessidade” de fortalecer a União Africana (UA) e as organizações sub-regionais africanas para promover a paz, segurança, estabilidade , e desenvolvimento sustentável.

O comunicado final conjunto também mencionou Cabo Delgado apenas de passagem como parte de um breve resumo das preocupações de segurança continental. Certamente, os esforços para conter a insurgência na província de Cabo Delgado estavam na agenda, juntamente com o esforço conjunto para combater crimes transfronteiriços como o contrabando de viaturas e drogas, e sequestros.. Falando à margem das reuniões da Comissão, o Ministro da Polícia da África do Sul, General Bheki Cele, confirmou que a unidade de investigação de elite do país, os Hawks, estava a trabalhar com a Interpol na investigação dos quatro homens citado pelos EUA a 1 de Março como financiadores do EI com ligações às insurgências na República Democrática do Congo (RDC) e Moçambique.

A Província da África Central do Estado Islâmico (ISCAP) permanece em silêncio sobre o anúncio do EI de um novo califa. Dado que o anúncio  ter sido cuidadosamente gerido na maior parte do EI, isso sugere que as ligações do ISCAP com a burocracia central do EI são tensas.

O anúncio de 10 de Março de que Abu Al Hassan Al Hashemi Al Quraishi – um pseudônimo – sucede a Ibrahim Al Hashimi Al Quarashi, morto pelas forças dos EUA a 2 de Fevereiro, foi reforçado por uma campanha de mídia bem elaborada. A 10 de Março, o anúncio continha um link para uma conta aberta do Telegram, que se vinculava a outras, para levar os usuários aos canais do EI para receber o anúncio. Esses canais veicularam o anúncio em um arquivo de áudio em árabe. Até 11 de Março, pelo menos cinco províncias haviam prometido bayat, ou fidelidade, incluindo África Ocidental e Somália. As promessas foram expressas em histórias de fotos encenadas distribuídas pelos canais de mídia do EI, provavelmente preparadas antes do anúncio.

Até 14 de Março, isso não incluía o ISCAP, embora a edição mais recente da Al Naba, que anunciou a nomeação de Abu Al Hassan Al Hashemi Al Quraishi, contenha relatórios dos ataques de 23 e 24 de Fevereiro no distrito de Macomia. Bayat é fundamental para o reconhecimento dos afiliados do EI, por isso a ausência do ISCAP até agora é surpreendente. Isso pode refletir as ações da Operação Shujaa das Forças de Defesa Popular de Uganda, atualmente  em  curso na RDC e visando o ISCAP/Forças Democráticas Aliadas, bem como a intervenção militar em Moçambique. Ao mesmo tempo, não fica à deriva. A mais recente edição do Al Naba traz notícias dos ataques de 23 e 24 de Fevereiro no distrito de Macomia. 

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