Cabo Ligado Semanal: 9-15 de Janeiro de 2023
Em Números: Cabo Delgado, Outubro de 2017-Janeiro de 2023
Dados actualizados a partir de 13 de Janeiro de 2023. A violência política organizada inclui Batalhas, Explosões/Violência Remota, e Violência contra os tipos de eventos civis. A violência organizada contra civis inclui Explosões/Violência Remota, e Violência contra tipos de eventos civis onde os civis são alvo. As fatalidades para as duas categorias sobrepõem-se assim para certos eventos.
Número total de ocorrências de violência organizada: 1,571
Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 4,563
Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 2,007
Resumo da Situação
A semana passada começou com uma série de confrontos entre insurgentes e forças de segurança nos distritos de Macomia e Muidumbe. Foram trocados tiros no domingo, 8 de Janeiro, perto de Litandacua, 5 km a sul do rio Messalo, onde uma força conjunta de tropas moçambicanas e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) foi emboscada a caminho de uma base dos insurgentes. Uma declaração do Estado Islâmico (EI) afirmou que os insurgentes feriram vários soldados e capturaram equipamentos militares, incluindo um drone de vigilância, cuja foto foi publicada no jornal al-Naba, afiliado ao Estado Islâmico.
No dia seguinte, houve dois confrontos a norte do rio. Em Mandava, Muidumbe, foi relatado o contacto entre as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e insurgentes, com fontes locais a sugerirem que houve mortes em ambos os lados. O EI alegou ter morto um, para além de capturar armas e munições. Entretanto, em Nguida, Macomia, ocorreu outro confronto, mas não houve vítimas, embora o EI tenha novamente afirmado ter capturado armas e munições.
Nas primeiras horas do dia 10 de Janeiro, os insurgentes iniciaram o mais significativo confronto da semana, atacando uma guarnição das FADM em Xitaxi, Muidumbe, a menos de 10 km da fronteira com Macomia. Os combates teriam continuado até cerca das 9h30, altura em que pelo menos três soldados das FADM já tinham sido mortos; uma fonte afirma terem sido mortos cerca de seis soldados. Fotos publicadas nas redes sociais do EI tiradas após o ataque mostram três corpos em uniformes militares espalhados pela guarnição, que tinha sido incendiada.
Al-Naba informou que no dia do ataque, os insurgentes conseguiram impor um bloqueio na estrada N380 que liga Macomia a Muidumbe. O relato incluía uma foto de homens armados a posar na estrada em plena luz do dia. Não é claro por quanto tempo os insurgentes conseguiram controlar a estrada, mas uma fonte local disse que grandes filas de veículos aguardavam no cruzamento de Awasse, do outro lado da N380, já que não havia escoltas militares disponíveis devido aos combates mais a norte.
O EI também alegou ter como alvo uma coluna das FADM com um dispositivo explosivo, metralhadoras e granadas propelidas por foguete enquanto passava por Litamanda a 10 de Janeiro. Isso não foi corroborado por outras fontes, mas os insurgentes usaram dispositivos explosivos improvisados no passado, mais recentemente no Xitaxi a 15 de Setembro.
O forte aumento nos ataques na semana passada coincide com uma ofensiva das forças aliadas denominada Vulcão IV que decorre em Macomia e Muidumbe desde 1 de Janeiro, segundo as FADM.
Foco semanal: Registros judiciais da Tanzânia lançam luz sobre redes regionais
Outro julgamento do Tribunal Superior da Tanzânia, em Dezembro de 2022, lança luz sobre o desafio que as redes extremistas representam para a Tanzânia e para a região. As provas de processos judiciais demonstram como as autoridades enfrentam as redes extremistas de diferentes teatros – Moçambique, República Democrática do Congo (RDC) e Somália. O sul da Tanzânia é um lugar onde, ao que parece, essas redes se sobrepõem.
O caso apresentado na edição semanal do Cabo Ligado na semana passada envolveu o recrutamento para Cabo Delgado. O caso desta semana diz respeito à ameaça terrorista dentro da Tanzânia, e foram apresentadas evidências de radicalização e recrutamento na cidade de Songea, na região de Ruvuma, desde 2014, e recrutamento para a Somália.
A ameaça delineada no caso mais recente é séria – um plano para realizar um atentado suicida em uma igreja católica. O arguido, agora a cumprir 30 anos de prisão, foi vítima da sua própria bomba na noite de 11 de Maio de 2020, segundo provas apresentadas em tribunal. A bomba explodiu ou foi detonada – as evidências não são claras – em um campo de recreação perto de uma igreja católica na cidade de Songea, a sede administrativa da região de Ruvuma, no sul da Tanzânia.
O julgamento do tribunal é de particular interesse pelos trechos de uma sessão com o acusado. Ficou registrado que ele declarou que foi abordado pela primeira vez em 2014 sobre o seu envolvimento na Somália por uma figura que vendia roupas muçulmanas em uma mesquita na cidade de Songea. Ficou ainda registrado que ele foi encorajado a ir para a Somália para formação, embora tivesse que contribuir com aproximadamente 120 dólares norte-americanos. Ele nunca foi, mas diz que conhecia homens que o faziam. No final de 2015, conforme registro da sessão no julgamento, foi-lhe ensinado pela primeira vez a preparar uma bomba caseira. O seu professor era um professor de madrasa na cidade.
A bomba que ele detonou em Maio de 2020 foi a sua quarta tentativa, segundo o julgamento. Não se sabe se ele, ou outros da sua rede, estiveram envolvidos num ataque com uma granada contra a polícia em Songea em 2014. A sua declaração registada diz que ele foi inspirado por uma gravação de um pregador queniano que disse que o suicídio durante um ataque a alvos da igreja ou do governo lhe renderia recompensas na vida após a morte. Esta pode muito bem ter sido uma gravação do falecido Aboud Rogo de Mombasa, cujas gravações não são usadas apenas na propaganda oficial do al-Shabaab, mas também são populares entre os apoiadores do EI na região.
Não está claro se o acusado, conhecido como Mbuko, se identificou com algum grupo extremista transnacional em particular, ou melhor, com uma rede local de amigos e cúmplices movidos pela violenta ideologia jihadista. Sabemos por pesquisas realizadas em Moçambique que grande parte do tráfego relacionado com a insurgência passa pela região de Ruvuma, e provavelmente pela cidade de Songea onde Mbuko viveu. Do lado moçambicano também tem foi estabelecido que a insurgência há muito tem fortes conexões com a RDC.
Este emaranhado de indivíduos e redes de apoio é um aspecto importante do desafio apresentado às autoridades locais, governos nacionais, e potências estrangeiras. Isso é ilustrado pela prisão no distrito de Nangade de três tanzanianos de Kigoma, em Nangade em Dezembro. Kigoma, que faz fronteira com o Burundi por terra e com a RDC pelo Lago Tanganica, é a porta de entrada para o leste da RDC. Os conhecidos de Mbuko partiram para a Somália em 2014 ou 2015.O domínio das comunicações do EI em Cabo Delgado não deve nos deixar pensar que as rotas que servem a outros grupos armados estão fechadas.
Rescaldo Semanal
Forças ruandesas destacadas para Ancuabe
Na sequência da tumultuosa ofensiva dos insurgentes pelos distritos do sul de Cabo Delgado a partir de meados do ano passado, as forças de segurança de Ruanda confirmaram na semana passada ter alargado o seu destacamento a Ancuabe. As Forças de Defesa do Ruanda (RDF) e a Polícia Nacional do Ruanda serão responsáveis pela assistência às forças moçambicanas na segurança deste distrito, enquanto prosseguem as suas operações em Palma e Mocímboa da Praia.
Este é um desenvolvimento notável. Nenhuma força internacional tinha sido designada para Ancuabe, pois não tinham experimentado atividade insurgente significativa antes de Junho de 2022. O último incidente confirmado foi reportado em Outubro, mas as forças de segurança não se podem permitir a ser novamente apanhadas desprevenidas, sobretudo tendo em conta a localização estratégica do distrito entre o porto de Pemba e as os lucrativos depósitos de rubi e grafite de Cabo Delgado em Montepuez e Balama. Ancuabe também abriga vários projetos de mineração substanciais, incluindo a mina de grafite Triton Minerals Grafex, que foi atacada por insurgentes quando invadiram o distrito em Junho, e a mina de rubi Gemrock, que foi atacada em outubro.
A RDF já realizou anteriormente operações conjuntas para além dos seus próprios sectores, como em Chai em Macomia, mas esta é a primeira vez que qualquer uma das forças internacionais em Cabo Delgado assume a responsabilidade por um sector totalmente novo desde que essas forças chegaram a Moçambique em Julho de 2021. Este destacamento representa, portanto, uma oportunidade para os ruandeses reforçarem a sua reputação como o único ator militar competente no conflito, especialmente neste momento em que a SADC está a investigar-se por uma possível violação do direito internacional (ver abaixo). No entanto, o fato de este novo destacamento seja necessário representa uma falha mais ampla das forças de segurança, tanto nacionais quanto internacionais, em conter a insurgência.
SADC cria comissão de inquérito para investigar o vídeo dos corpos em chamas
Na semana passada, um vídeo apareceu online mostrando um grupo de soldados a atirar os corpos de dois presumíveis insurgentes para uma pilha de escombros em chamas, em violação das Convenções de Genebra de 1949, que estipulam que os corpos de combatentes inimigos não devem ser profanados. O vídeo terá sido filmado na floresta de Nkonga, em Nangade, em Novembro passado, e apresenta pelo menos um soldado sul-africano, cuja bandeira é visível em seu braço, mas soldados de outros exércitos da SADC também podem ter estado envolvidos.
A SADC e a Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF) condenaram o comportamento no vídeo um dia após a sua circulação e apoiou a criação de uma comissão de inquérito, sob os auspícios do comandante da SADC em Cabo Delgado, para investigar o incidente. Os meios de comunicação social ul-africano relataram que uma equipe de representantes da SANDF, incluindo membros do departamento jurídico do exército, chegaram a Pemba na sexta-feira, 13 de Janeiro. A SADC prometeu que os resultados da investigação serão divulgados assim que estiver concluída.
Aumento significativo do retorno em Cabo Delgado
O número total de deslocados internos do conflito ultrapassou a marca de um milhão, de acordo com a Organização Internacional para Migrações (OIM), de acordo com a última pesquisa lançada na semana passada. Mais positivamente, a pesquisa revela um aumento significativo de regressados.
A 17ª ronda de Avaliação de Rastreamento de Mobilidade da OIM registra 1.028.743 deslocados internos, dos quais 935.130 estão em Cabo Delgado. Desses, mais de um quinto estão em Pemba. A província de Nampula acolhe quase 90.000, enquanto o restante se encontra na província de Niassa. Mais de 70% estão em comunidades anfitriãs e não em centros de deslocamento.
O dado mais marcante da avaliação é o aumento do retorno. A OIM identificou 335.197 regressados em Cabo Delgado, o que representa um aumento de 146% desde a última pesquisa em Junho de 2022. As três principais razões dadas para o retorno foram a percepção de segurança, melhores condições de vida, e o reagrupamento familiar. Os locais de retorno não foram especificados, mas é provável que se concentrem em Palma e Mocímboa da Praia.
Para os deslocados internos em Cabo Delgado, as necessidades continuam difíceis, de acordo com a OIM. A alimentação é sua maior carência, seguida pela documentação oficial, abrigo e proteção e educação primária para os filhos.
Moradores reclamam de maus-tratos pela polícia em Nangade
As relações entre as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique (FDS) e a população local em Cabo Delgado continuam problemáticas em alguns locais, particularmente, ao que parece, no distrito de Nangade. O Governador Provincial Valige Tauabo visitou Nangade na semana passada, no âmbito de uma digressão que passou também por Muidumbe, Mueda e Ibo. Num comício popular em Nangade, terá pedido a três pessoas que opinassem sobre a vida no distrito. Um deles reclamou abertamente sobre como as FDS abusaram fisicamente dos moradores da área. Após a saída do governador Tauabo, a polícia prendeu o homem, conhecido como Tuvaluva, por algumas horas; ele só foi liberto após a intervenção dos líderes comunitários.
Outro relatório recente corrobora o testemunho de Tuvaluva. A Carta de Moçambique relata que um comerciante local em Nangade foi sequestrado na noite de sábado, 14 de Janeiro, em Nangade, sendo que os agressores são considerados membros da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da polícia. Outro comerciante está agora a viver em Pemba para sua própria segurança, tendo evitado uma tentativa de rapto por agentes da UIR a 25 de Dezembro. A publicação da Carta acrescenta que outros comerciantes que têm regressado da Tanzânia, onde se refugiaram do conflito, são regularmente extorquidos por agentes da UIR, que justificam esse comportamento alegando que os comerciantes estão associados à insurgência.
Mensagens contraditórias dos militares de Moçambique
Os militares de Moçambique podem ter criado alguma confusão com suas mensagens em torno da operação Vulcão IV, originalmente anunciada pelas FADM a 3 de Janeiro como tendo começado a 1 de Janeiro. Embora fontes no distrito de Macomia tenham dito não tinham visto nenhuma evidência da operação, dados da ACLED indicam um aumento significativo nos confrontos entre insurgentes e forças aliadas nos distritos de Macomia e Muidumbe desde a primeira semana de Dezembro, e continuando até à semana passada.
A 11 de Janeiro, mais um comunicado das FADM, difundida através de canais não oficiais, afirmou que 14 insurgentes foram mortos, incluindo um líder da insurgência chamado Abu Fadila. A notícia foi também avançada pelo repórter da televisão estatal TVM Brito Simango no Facebook. Simango logo apagou a publicação, e declarou no Facebook que a história era uma “notícia falsa” – uma postagem que ele também apagou rapidamente. Um funcionário do Ministério da Defesa confirmou ao Zitamar que a notícia era falsa.
Porém, pouco tempo depois, Simango republicou a notícia no Facebook, dizendo que havia sido confirmado por um funcionário do Ministério da Defesa. Ele explicou o flip-flop dizendo que houve alguns pequenos erros na primeira versão - aparentemente, as FADM haviam confirmado apenas 12 insurgentes mortos, em vez dos 14 originalmente reivindicados.
Nenhuma nova versão do comunicado de imprensa das FADM foi publicada, no entanto, e nem aparece na página do exército no Facebook, onde foi publicado o primeiro comunicado anunciando o Vulcão IV.
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