Cabo Ligado Mensal: Julho de 2021

Julho em Relance

Estatísticas Vitais

  • ACLED registrou 38 ocorrências de violência política organizada em Julho, resultando em 134 mortes      

  • As ocorrências tiveram lugar nos distritos de Ibo, Macomia, Mocimboa da Praia, Montepuez, Muidumbe, Nangade e Palma  

Tendências Vitais 

  • As tropas ruandesas chegaram a Cabo Delgado em Julho e rapidamente se envolveram nos confrontos; estiveram envolvidos em 10 ocorrências de violência política organizada registradas, resultando em 73 mortes reportadas     

  • A violência no distrito de Mocímboa da Praia aumentou bruscamente quando as tropas ruandesas e moçambicanas empreenderam uma ofensiva que acabou resultando na recaptura da vila de Mocímboa da Praia no início de Agosto      

  • Os confrontos também continuaram no distrito de Palma, enquanto as tropas ruandesas e moçambicanas engajavam-se no sentido de limpar as áreas ao redor da vila de Palma e o troço Palma-Nangade de insurgentes      

Nesta Relatório

  •  Análise das correntes de propaganda do Estado Islâmico na língua KiSwahili e sua relação com o conflito de Cabo Delgado      

  • Explicação das origens e funções das milícias locais pró-governo em Cabo Delgado      

  • Análise do histórico de combate e posição política de Ruanda no conflito de Cabo Delgado      

  • Atualização sobre o envolvimento internacional em Cabo Delgado com foco em como os custos e responsabilidades serão divididos entre os estados membros da SADC na missão da Força em Estado de Alerta da SADC     

Resumo da situação de Julho 

Em Julho de 2021, o conflito de Cabo Delgado internacionalizou-se a uma escala sem precedentes. As tropas ruandesas entraram nos confrontos a convite do governo moçambicano, enviando forças policiais e militares para apoiar o esforço de contra-insurgência de Moçambique. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) começou a enviar tropas para a sua missão de Força em Estado de Alerta em Moçambique, que adotou a sigla SAMIM (em inglês). Do lado dos insurgentes, o Estado Islâmico (EI) aumentou consideravelmente o ritmo das reivindicações que emitiu sobre os ataques em Cabo Delgado, aparentemente em resposta às intervenções internacionais.

A consequência mais imediata da crescente internacionalização do conflito foi o aumento da violência entre os grupos armados. Forças moçambicanas, ruandesas ou forças conjuntas de ambos os países enfrentaram os insurgentes em 22 confrontos armados registrados, resultando em 95 mortes relatadas. Tropas ruandesas, cujo histórico de combate será discutido em profundidade neste relatório, estiveram em ação nos distritos de Palma, Muidumbe e Mocímboa da Praia. Grande parte dos confrontos em que estiveram envolvidos ocorreu durante uma ofensiva que durou várias semanas com o objetivo de recuperar a vila de Mocímboa da Praia, que foi bem sucedida no início de Agosto. As tropas do SAMIM não viram o combate em Julho, e o papel exacto que irão desempenhar na estratégia global de contra-insurgência não estava claro até o final do mês.

Outra consequência da internacionalização foi um aumento no número de atores internacionais que se pronunciaram publicamente sobre o conflito. O Ministério da Defesa do Ruanda começou a disponibilizar à imprensa informações detalhadas sobre o envolvimento do Ruanda em Cabo Delgado, isolando temporariamente o governo de Moçambique como a principal fonte de informação sobre os acontecimentos na linha da frente. Essas informações ofereciam descrições detalhadas de confrontos entre tropas ruandesas e insurgentes, bem como inventários do material que as tropas ruandesas capturaram dos insurgentes. Ao mesmo tempo, contudo, permitiu ao governo de Ruanda descrever sua intervenção como essencialmente gratuita, alegando que as tropas da Força de Defesa de Ruanda (RDF) não sofreram mortes. Essa alegação - pouco provável à primeira vista dado o número de combates que a RDF assistiu em Julho - contradiz vários relatos.

O EI começou novamente a reivindicar ataques em Cabo Delgado no mês de  Julho, após cerca de três meses sem quaisquer reivindicações. A renovada atividade mediática parecia ter sido calculada para corresponder à chegada de tropas ruandesas a Moçambique e à decisão da SADC de enviar uma força própria. No entanto, as próprias reivindicações não faziam qualquer menção às forças estrangeiras e evitaram descrever a ação no eixo principal do avanço do Ruanda em direção a Mocímboa da Praia. Em vez disso, concentraram-se em combates de menor escala em outras partes de Cabo Delgado, onde o EI poderia alegar que os insurgentes ainda estavam a fazer progressos, apesar dos sucessos de contra-insurgência amplamente divulgados. A mídia do EI apenas fez referência à intervenção estrangeira em Moçambique no início de Agosto, e depois apenas de relance.

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Propaganda online do Estado Islâmico

Após meses de pouca cobertura, e ainda menos material audiovisual de terreno, Cabo Delgado está agora a receber alguma atenção nas redes de informação online - tanto no aparato de mídia central do EI, quanto em uma série de contas de mídia social alinhadas. O ataque a Palma em Março levou a um pico na atividade online relacionada ao conflito, enquanto que a chegada primeiro da RDF e depois do SAMIM teve uma cobertura contínua de eventos em canais controlados pelo Estado Islâmico, e outros simpatizantes do mesmo, ao longo do mês passado. A informação sobre o conflito em Cabo Delgado através destes canais carece de detalhes e não é apoiada por nenhum material audiovisual significativo. A maior parte do material de contas alinhadas ao EI se baseia nas mesmas informações públicas disponíveis em que se baseiam os principais analistas. No entanto, cria a base para fluxos significativos de propaganda na língua Kiswahili, visando a África Oriental.

Os relatos 'oficiais' de incidentes do EI seguem um padrão definido. Breves relatos de incidentes de todas as províncias, apresentados como texto em imagens, são distribuídos por meio de canais em plataformas de mídia social, tais como Whatsapp, Telegram e Element, em árabe. Estes são então agrupados e publicados em sites como Archive ou Justpaste.it, mensagens que são novamente divulgadas no Telegram. Finalmente, os relatos de incidentes são agregados em relatos das províncias no boletim informativo semanal do EI, Al Naba. Também fornecem os dados em bruto para o infográfico semanal 'Soldados' Colheita’ do Al Naba. Um desenvolvimento recente foi um podcast em língua Kiswahili, distribuído semanalmente através do Facebook e outros canais, com base em relatórios de incidentes semanais, mas incluindo também segmentos ideológicos. Não está claro se isso é apoiado diretamente pelo EI.

Ao longo dos últimos dois anos, têm sido utilizadas várias estratégias para produzir propaganda de apoio ao EI visando a África Oriental, através de plataformas abertas como Facebook, Instagram e YouTube, e de mensagens fechadas, como WhatsApp, Telegram e Element. Os canais mudam à medida que as plataformas são vistas como sendo mais ou menos bem-sucedidas na identificação e remoção de material. Nos últimos dois anos, o Facebook tem sido usado extensivamente para atingir audiências da África Oriental em línguas regionais. O Telegram continua em uso, embora nos últimos meses alguns canais direcionados ao público da África Oriental e Central pareçam ter sido removidos.

As operações de mídia local de maior sucesso vieram da Província do Estado Islâmico da África Central na República Democrática do Congo (ISCAP - também conhecido como Forças Democráticas Aliadas ou Madina em Tauheed Wau Mujahedeen). Estes forneceram relatórios oportunos e geralmente precisos de operações, acompanhados de imagens e vídeos do campo de batalha para uso pelo aparato de mídia central do EI. Paralelamente, elaboram uma produção constante de propaganda em uma variedade de línguas, incluindo Kiswahili, Kinyaruanda, Luganda e Francês. Esse material aparece em todas as plataformas. As imagens de um ataque distribuído em canais do EI no dia 6 de Agosto já apareceram em pelo menos uma página do Facebook e estão a circular amplamente na Tanzânia pelo WhatsApp.

Pelo contrário, a ligação entre o aparato de mídia central do SI e Cabo Delgado é fraca. Até então, o aparecimento intermitente de relatos de incidentes não sugeria qualquer relação sustentada. Do mesmo modo, não tem havido produção sustentada de material de propaganda pelos próprios insurgentes, a excepção de uma enxurrada de clipes em Maio de 2020. No entanto, o número limitado de relatos no Telegram - Cabo Ligado contabilizou seis desde 13 de Julho de 2021 - tem sido suficiente para uma cobertura proeminente em cada uma das quatro edições do Al Naba publicadas desde 15 de Julho de 2021. O editorial da edição de 5 de Agosto previsivelmente centrou-se na intervenção da “Aliança Africana”, fazendo uma comparação entre RDF e SAMIM e o envolvimento mais limitado de Uganda e Quênia, no leste da RDC, em Maio de 2021.

Embora os relatos de incidentes e o Al Naba sejam publicados em árabe, as iniciativas de apoio do EI adaptam e traduzem regularmente o conteúdo. No primeiro semestre deste ano, relatos de incidentes, com texto em Kiswahili em imagens, foram produzidos e distribuídos de forma consistente via Telegram e Element, embora isso pareça ter interrompido ou movido os canais que estavam sendo monitorados. Mais prolíficas - e alcançando um público muito maior - são as contas do Facebook. Os limites sobre quem pode ver as mensagens, bem como o acesso restritivo aos mecanismos subjacentes da plataforma, tornam quase impossível monitorar as tendências de propaganda no Facebook a partir de fora da plataforma. No entanto, o pequeno número de contas em sua maioria abertas dá uma ideia do tipo de mensagem que está a ser disseminada e um sentido vasto do público-alvo Indicam também que essa plataforma tem um alcance considerável.

As contas que simpatizam com o EI são motivo de preocupação por quatro motivos. Em primeiro lugar, a produção e divulgação de tais conteúdos são consistentes. Uma conta em língua Kiswahili publicou 16 relatos relacionados diretamente a Cabo Delgado nos últimos dois meses de um total de 102 publicações públicas. Incluem relatos sobre as ações do EI e suas afiliadas, bem como trabalhos mais longos em várias publicações sobre assuntos como a história do EI. A conta está ativa desde pelo menos Dezembro de 2020.

Em segundo lugar, o alcance dessas contas é significativo. Cada uma das 16 publicações da conta com nota sobre Cabo Delgado foi compartilhada entre duas e 13 vezes, atraiu entre 19 e 72 comentários e recebeu entre 43 e 94 reações. A reação ou comentário de uma pessoa em uma publicação pública é visível para os amigos, pelo que, o alcance potencial das publicações originais é significativo, embora não seja exatamente quantificável, dadas as várias restrições de privacidade que as pessoas podem colocar em contas pessoais.

Em terceiro lugar, essas contas não dependem de comunicação direta a partir do terreno. Relatos e análises das principais mídias e outros meios de que monitoram o conflito fornecem consistentemente a base das postagens. Desta forma, a propaganda baseada em eventos em Cabo Delgado, e produzida em Kiswahili e outras línguas da região, apresenta uma ameaça regional.

Finalmente, a presença consistente de tais contas, especialmente no Facebook, ilustra a fraca capacidade de controle das plataformas e ilustra os esforços contínuos exigidos por iniciativas como o Fórum Global da Internet para o Contraterrorismo.

O Papel das Milícias Locais no Conflito em Cabo Delgado

Ao longo do conflito em Cabo Delgado, tem se reportado com bastante frequência que civis se juntam aos grupos armados que realizam ataques pela província. Enquanto uns se juntam às fileiras dos insurgentes voluntariamente, outros são forçados a se juntar por meio de recrutamento forçado. No entanto, pouco se tem falado sobre os civis que decidem pegar em armas para defender seus povoados e vilas dos insurgentes. Esses grupos armados recém-formados são geralmente conhecidos como milícias locais ou forças locais.

Segundo fontes entrevistadas pelo Cabo Ligado, as primeiras aparições de milícias locais no conflito datam do primeiro trimestre de 2020, no distrito de Muidumbe. Os moradores locais temiam ser o próximo alvo dos insurgentes, na sequência da tomada da vila de Quissanga pelos insurgentes e dos sucessivos ataques à vila de Mocímboa da Praia antes da sua captura pelos insurgentes em Agosto de 2020. Desde então, as forças locais têm desempenhado um papel crucial  no conflito.

As milícias locais são formadas por veteranos da guerra de libertação de Moçambique e soldados desmobilizados após a guerra civil do país, bem como por pessoas que cumpriram o serviço militar obrigatório, pessoas que sofreram nas mãos dos insurgentes e outros. Embora só tenham começado a entrar no conflito em Cabo Delgado em 2020, os veteranos de guerra já haviam manifestado bem antes disso a sua vontade de voltar a pegar em armas e fazer uso da sua experiência de combate para impedir os ataques em Cabo Delgado. No entanto, seu apelo não foi prontamente aceito pelas autoridades.

As milícias locais foram eventualmente criadas pelo governo para responder a uma série de desafios enfrentados pelas forças de defesa e segurança moçambicanas. O primeiro desafio foi a falta de conhecimento geográfico do terreno. Civis desarmados foram incluídos em incursões pelas forças de segurança moçambicanas para servirem de guias, mas após repetidos ataques de insurgentes, viram a necessidade de porte de armas para autodefesa. No distrito de Nangade, as forças locais passaram a fazer parte das forças conjuntas compostas pela polícia de proteção civil, guardas de fronteira e militares, que são responsáveis ​​pelo patrulhamento nas zonas de conflito. Um segundo desafio foi a falta de capacidade das FDS (Forças de Defesa e Segurança) para fornecer cobertura territorial em várias vilas e aldeias a nível da província. Outro fator que impulsionou a formação de milícias locais foi a pressão popular sobre o governo após sucessivas perseguições e ataques a insurgentes por um grupo de homens liderados por um ex-combatente conhecido como Velha Naveta de Mueda. Em um dos ataques liderados por Naveta, em outubro de 2020, houve rumores de que milícias locais teriam matado cerca de 270 insurgentes.

As milícias locais têm comando independente e recebem apenas armas e uniformes das autoridades governamentais. Fontes afirmam que os líderes das milícias locais têm acesso aos canais de comunicação com o comando militar, mas seus integrantes atuam de forma autônoma. O fato de agirem com certa impunidade e falta de prestação de contas ao Estado pode levar a violações dos direitos humanos. Como o Estado não tem controle direto sobre as forças locais, isso pode levar à proliferação de armas além do controle das autoridades governamentais, o que poderia ser um problema na era pós-conflito.

Os membros das milícias locais não recebem salário. Os veteranos de guerra recebem suas pensões regulares, mas essas pensões não aumentam em virtude dos veteranos servirem nas milícias. Fontes que viviam em Palma disseram que devido ao alto custo de vida, antes do último ataque a Palma, a milícia local chegavam a escoltar camiões de comida de Mueda a Palma (via Pundanhar) e de volta em troca de pagamentos.

Embora as milícias locais trabalhem em coordenação com as forças de segurança do Estado no patrulhamento das zonas de conflito, a relação entre as duas forças às vezes é marcada por suspeitas e desconfianças. Por um lado, as FDS acusam as forças locais de serem despreparadas e de não possuírem treinamento militar (já que os voluntários não recebem treinamento adequado), limitando-se a aprender a usar armas do tipo AKM. Os militares reclamam que as milícias locais, quando confrontadas com os insurgentes, decidem atacar sem antes traçar um plano.

Enquanto isso, as milícias locais afirmam não conhecer o verdadeiro inimigo, pois os insurgentes usam uniformes semelhantes aos das forças de segurança do Estado. As milícias também reclamam que os militares não permitem que ataquem o inimigo. As suspeitas também são comuns entre as milícias locais. Em vários incidentes, as milícias locais suspeitaram que os militares mataram e saquearam propriedades de civis e colaboraram com os insurgentes. Um dos incidentes mais recentes foi a morte de sete civis no dia 12 de Junho por decapitação em Litamanda, distrito de Macomia, que os moradores suspeitaram ter sido cometido por insurgentes. Posteriormente, eles acusaram os militares de estarem por trás dos assassinatos.   

Durante os recentes ataques aos insurgentes pelas forças moçambicanas e ruandesas, que resultaram na captura de várias aldeias e vilas, incluindo Awasse e Mocímboa da Praia, as milícias locais desempenharam um papel preponderante, segundo algumas fontes, graças ao seu amplo conhecimento do terreno. As milícias locais - provenientes das fileiras de civis locais e profundamente enraizadas nas redes locais - também construíram a confiança entre os civis locais. Quando as patrulhas conjuntas de Ruanda-Moçambique incluem membros da milícia local, portanto, as forças conjuntas são mais capazes de interagir com os civis locais.

Histórico de combate do Ruanda

Em Julho, as forças ruandesas entraram no conflito de Cabo Delgado com um contingente de 1.000 pessoas - cerca de 300 policiais e 700 soldados. Entraram rapidamente no combate, posicionando-se nos distritos de Palma, Nangade e Mueda. Em seguida, passaram então de Mueda via Muidumbe para o distrito de Mocímboa da Praia.

No campo de batalha, as forças ruandesas tiveram um impacto imediato. Após um ano em que as tentativas periódicas das forças moçambicanas de avançar pelo corredor N380 de Mueda à vila de Mocímboa da Praia resultaram em repetidas fracassos e desastres ocasionais, os ruandeses conseguiram retomar as vilas estratégicas de Diaca, Awasse e, eventualmente, e a própria Mocímboa da Praia em menos de um mês. Estas conquistas iniciais extraordinárias ​​são notáveis ​​tanto pelo que mostram sobre as deficiências entre as forças de segurança de Moçambique tanto pela forma como devemos esperar que a insurgência responda a esses novos inimigos.

Do ponto de vista militar, o que é mais notável sobre o sucesso das tropas ruandesas é quão pouco o seu conceito operacional difere do dos seus homólogos moçambicanos. Seus antecessores na intervenção, o Wagner Group, tentaram introduzir um novo conceito operacional enraizado no uso de drones e fogos indiretos. Esse conceito, extraído da experiência de Wagner nos amplos espaços abertos da Ucrânia e da Líbia, afundou nas densas florestas de Cabo Delgado. As Forças de Defesa do Ruanda, em contraste, usam os mesmos disparos diretos, colunas blindadas e infantaria desmontada de que as tropas moçambicanas confiaram durante todo o conflito de Cabo Delgado. Não trazem novos meios aéreos para o conflito e permanecem tão dependentes das estradas principais quanto as forças moçambicanas - uma fraqueza que há muito prejudica as operações moçambicanas. Apesar disso, os ruandeses tiveram muito mais sucesso no campo de batalha do que os seus homólogos moçambicanos.

Os primeiros relatos sugerem pelo menos uma razão chave para esta divergência: que as tropas ruandesas são mais profissionais face às emboscadas do que as tropas moçambicanas. Nas batalhas pelo corredor N380, a abordagem mais comum dos insurgentes tem sido a de montar emboscadas para as tropas moçambicanas enquanto viajam ao longo de uma rota previsível e densamente arborizada. As tropas moçambicanas recuaram invariavelmente na sequência destas emboscadas, por vezes deixando para trás equipamento valioso. À medida que as tropas ruandesas avançavam ao longo do N380, elas também enfrentavam emboscadas dos insurgentes, como os incidentes de 28 de julho perto de Awasse. Contudo, em vez de recuar, as tropas ruandesas tinham o treinamento, a liderança e a experiência para atacar durante a emboscada e ultrapassar essas situações. Ultrapassar cenários de emboscadas neutralizou a principal estratégia dos insurgentes para defender a aproximação de Mocímboa da Praia.

A intervenção de Ruanda também provou ser notavelmente astuta politicamente, pelo menos até este ponto, em sua apresentação para o público local na zona de conflito. A aprovação da implantação de Ruanda parece bastante alta. Os civis nos distritos de Nangade e Palma, onde tropas ruandesas foram destacadas e interagem com civis frequentemente, relatam opiniões altamente favoráveis ​​da força interveniente. Os civis do distrito de Palma que permanecem fora da zona de segurança civil em Quitunda dizem que se sentem confiantes na capacidade dos ruandeses de diferenciá-los dos insurgentes - um feito notável, dada a barreira linguística. De facto, parece que o contacto direto das tropas ruandesas foi, pelo menos parcialmente, bem-sucedido. Um civil de Palma disse a Cabo Ligado que os ruandeses “estão a ganhar a nossa confiança e somos-lhes leais”, acrescentando que os soldados estrangeiros estão lá para “trazer a paz”.

Em Nangade, os civis relataram sentir-se “tranquilizados” com a presença ruandesa, mas alguns não tiveram os mesmos sentimentos acerca de um destacamento iminente do SAMIM. Os rumores de que os sul-africanos estão envolvidos na insurgência são quase tão antigos quanto a própria insurgência, e alguns sugeriram que seria difícil, como resultado, confiar nas tropas sul-africanas. Nesse sentido, a distância física e cultural de Ruanda em relação ao conflito é uma vantagem, e não uma desvantagem.

Apesar das preocupações entre segmentos tanto da Frelimo como da sociedade civil moçambicana de que a intervenção do Ruanda seria vista em Moçambique como uma ameaça à soberania moçambicana, os civis mais próximos do destacamento do Ruanda parecem vê-lo mais através das lentes da solidariedade. O presidente moçambicano Filipe Nyusi invocou a história da solidariedade entre os movimentos de independência africanos como explicação para a intervenção do Ruanda, e é uma história que é intimamente familiar a muitos em Cabo Delgado. A província serviu como área de base chave para a guerra de independência de Moçambique, empreendida com o apoio crucial da vizinha Tanzânia, e como local de treino para os combatentes do Uganda na luta contra o regime de Idi Amin. Mesmo que as tropas ruandesas sejam estrangeiras em Cabo Delgado, o conceito de solidariedade militar de um Estado intra-africano não o é.

Avanços da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral

O SAMIM foi oficialmente anunciado, mas os detalhes sobre o seu destacamento e mandato ainda são vagos. Embora a missão só esteja autorizada por três meses, neste momento já está claro que provavelmente será prorrogada, dependendo das condições no terreno e dos recursos disponíveis. A SADC teve um início lento desde o início em comparação com o rápido destacamento das forças de segurança do Ruanda, que estavam no terreno poucos dias após anunciarem o seu destacamento e envolvidas em operações de combate não muito depois disso. 

O destacamento do RDF criou tensão em alguns setores. A (agora ex-ministra) da defesa da África do Sul, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, queixou-se à emissora pública da África do Sul a 9 de Julho que era lamentável que o RDF tivesse sido destacado antes da SADC, sugerindo que o movimento contradiz o acordo coletivo da SADC. Mapisa-Nkaqula não representava, no entanto, uma postura oficial da SADC como sugeriram algumas manchetes. Mapisa-Nkaqula retirou posteriormente os comentários após a censura presidencial e após o presidente moçambicano Filipe Nyusi recuar, argumentando que a SADC respeitava a soberania de Moçambique, que a SADC não era responsável pelas operações de segurança e que o organismo regional tinha de facto consentido nos acordos bilaterais de segurança de Moçambique com o Ruanda. Mais tarde, em Julho, Nyusi insistiu que o apoio estrangeiro permaneceria sob controle e direção de Moçambique. Mapisa-Nqakula foi posteriormente demitida de seu cargo pelo presidente sul-africano Cyril Ramaphosa como parte de uma grande remodelação do gabinete no início de Agosto.

A 8 de julho, a SADC anunciou que o destacamento do SAMIM teria início no dia 15 de Julho por um período de três meses até 15 de outubro. Isso exigiria primeiro um acordo sobre o “status das forças”, que fornece autorização oficial para o destacamento dos Estados membros. O acordo era esperado para 14 de Julho, mas na noite de 13 de Julho ainda não tinha sido assinado, o que gerou especulações de que Maputo iria usar isso para atrasar ainda mais o destacamento da SADC, em linha com a sua resistência geral ao envolvimento da SADC. No entanto, no dia seguinte, Nyusi supostamente aprovou o destacamento, abrindo as portas para a SADC. No dia 16 de Julho, apenas com um dia atrasado, o Secretário Executivo da SADC Stergomena Tax apresentou os "instrumentos de autoridade" ao Comandante da Força SAMIM, Major General Xolani Mankayi, um veterano de guerra do Congresso Nacional Africano que serviu como Comandante da Missão de Paz da Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF) no Burundi, e é Comandante da Brigada Sul-africana SANDF 43 desde 2015. 

Mankayi trabalhará com Mpho G. Molomo, Secretário para os Assuntos Políticos, Gabinete da Presidência, em Botswana, na qualidade de Representante Especial do Presidente do Órgão para Cooperação em Política, Defesa e Segurança. Molomo é efetivamente o chefe civil do SAMIM, reportando-se ao Presidente do órgão. A sua posição pode ser de curta duração, contudo, se o novo presidente, Cyril Ramaphosa, decidir que quer seu próprio homem nessa posição. Embora Molomo só tenha sido nomeado apenas a 14 de Julho, há um argumento a favor da continuidade, mantendo-o in situ .    

Os detalhes dos aspectos militares e civis do mandato do SAMIM ainda não são claros. A seção militar apresenta seu papel em termos tão amplos que desafiam a previsão de quais ações a missão irá empreender. De acordo com a correspondência da SADC para o Secretário-Geral das Nações Unidas, o contingente militar do SAMIM irá prestar “apoio (à) República de Moçambique na luta contra os actos de terrorismo e violência extremista e apoiar o país no restabelecimento do Estado de Direito nas zonas afectadas áreas da província de Cabo Delgado. ”

Mas os detalhes sobre o mandato civil do SAMIM são ainda mais incompletos do que seus objetivos de segurança. Enquanto as Forças de Reserva da SADC foram genericamente previstas para incluir um elemento de policiamento, como a maioria das missões da ONU, a Missão de Avaliação Técnica da SADC em Moçambique mencionou um componente de policiamento apenas de passagem; os detalhes de sua função e competências não são claros. Há também a questão mais ampla de como o SAMIM apoiará os esforços mais amplos de Moçambique para enfrentar os desafios da segurança humana, para além das prioridades humanitárias imediatas e de estabilização. As opções para reconstruir a capacidade institucional e a prestação de serviços exigirão investimento na participação e no diálogo comunitário.

A SADC forneceu detalhes limitados sobre o real envio de tropas. Detalhes de reportagens dos meios de comunicação social fornecem algumas ideias, mas também levantam outras questões sobre quem está a chegar e em que fase. Por razões financeiras e políticas, é altamente improvável que 3.000 soldados sejam destacados como havia sido recomendado pela Missão de Avaliação Técnica da SADC em Abril.

Até agora, parece que os países que contribuem com tropas (TCCs) são a África do Sul, Botswana, Tanzânia, Zimbábue, Angola e Lesoto. Há dúvidas se o Malawi ou a Namíbia irão contribuir. 

A SANDF e as Forças de Defesa de Botswana enviaram equipes e equipamentos avançados para Pemba a 19 de Julho. Isto incluiu componentes de forças especiais. Segundo o especialista sul africano em segurança, Darren Oliver, “a sua principal missão é reunir informações, realizar reconhecimento, aconselhar os militares moçambicanos, e preparar as estruturas de comando e controle para um potencial destacamento de uma brigada completa da SADC.” 

A 23 de Julho, Ramaphosa autorizou até 1.495 elementos da SANDF para destacamento a um custo estimado de quase 68 milhões de dólares norte-americanos. Vários meios de comunicação interpretaram 1.495 como o número de soldados que seriam enviados, mas este não é o caso, pois é apenas o número autorizado e nenhum anúncio final do destacamento foi feito. No dia 31 de Julho, 43 veículos da Brigada Sul-africana da SANDF  atravessaram para Moçambique em Ressano Garcia na longa viagem até Pemba sob escolta da polícia militar moçambicana. Os componentes da Brigada são feitos sob medida para a tarefa em questão; tem estado a aperfeiçoar as suas aptidões de treinamento de selva no início deste ano, o que será importante para as difíceis condições em Cabo Delgado. Além disso, o SANDF destacou o SAS Makhanda , um navio de ataque da classe Warrior da Marinha da África do Sul, atualmente configurada como um navio de patrulha Offshore. Chegou a Pemba como parte da força de intervenção da SADC na primeira semana de agosto

No 26 de Julho, Botsuana teria enviado 296 soldados. Seus veículos blindados de transporte de pessoal e outros equipamentos pesados foram vistos a 30 de Julho na estrada em Gondola, província de Manica, rumo ao norte. 

A 27 de Julho, o parlamento angolano aprovou o destacamento de 20 assessores e um avião de transporte para se juntarem ao SAMIM. Um orçamento de 575.000 dólares norte-americanos foi alocado para cobrir a colocação de três meses.

Após a cimeira de Junho, a mídia independente do Zimbábue estava a especular que o Zimbábue estava pronto para enviar tropas de combate. A 29 de Julho, o Ministro da Defesa, Oppah Muchinguri, aprovou o envio de 304 formadores. É improvável que esse número seja destacado como um único grupo, mas sim em algum tipo de rotação.

Mais detalhes sobre os destacamentos surgiram no início de Agosto, mas sem confirmação oficial. Isso inclui informações sobre um pequeno contingente do Lesoto e várias centenas da Tanzânia, contradizendo relatórios anteriores de que não estariam a contribuir.

O SAMIM enfrenta um conjunto complexo e sem precedentes de desafios, tanto em termos da natureza do desafio de segurança, condições no terreno (ou seja, conhecimento limitado do terreno e grandes déficits de inteligência) e desafios sociais, econômicos e políticos de longo prazo. O financiamento desta missão continua a ser um grande desafio. A 28 de Junho, o Conselho de Ministros da SADC aprovou um orçamento de 12 milhões de dólares norte-americanos a ser retirado do fundo de contingência. Uma outra contribuição de 7 milhões de dólares norte-americanos dos Estados membros estava prevista para ser disponibilizada no dia 9 de Julho - outros meios de comunicação sugerem que o montante era de 11,8 milhões de dólares norte-americanos. As alocações iniciais são claramente insuficientes, mesmo que a  África do Sul subscreva a maior parte da conta. Qualquer extensão da missão além de outubro exigirá financiamento externo.

A Força de Espera da SADC também limitou a preparação para tal missão. A SADC limitou a capacidade de contra-insurgência. Também não desenvolveu competências em termos da estratégia regional de contraterrorismo que foi adotada em 2015, apesar do reconhecimento naquele ponto de que insurgências em outras partes do continente, como Boko Haram na Nigéria e Al-Shabaab na Somália “poderiam alastrar para outras partes da África, representando uma ameaça potencialmente séria à segurança e humanitária. ”A atual missão irá testar  até que ponto os preparativos relevantes para dar prioridade e enfrentar tais ameaças. A insurgência certamente ressuscitou o interesse da SADC em implementar medidas de contraterrorismo como parte dos esforços "para forjar uma abordagem holística para sustentar a segurança em nível nacional e regional". Na reunião do Conselho de Ministros a 7 de Julho, o Secretário Executivo Stergomena Tax  destacou a importância de operacionalizar o Centro Regional de Combate ao Terrorismo como parte da Estratégia Regional de Combate ao Terrorismo da SADC .

No entanto, a tarefa em questão vai além das restrições do contraterrorismo, se uma solução sustentável for encontrada. Resta saber se e como a SADC será capaz de trabalhar com Moçambique para abordar o longo prazo e os factores subjacentes do conflito. Tanto Maputo como o Secretariado da SADC estão mal equipados em termos de capacidade institucional para lidar com estas questões numa variedade de frentes desde o desenvolvimento ao diálogo e resta ver como estas considerações serão tidas em conta na sua abordagem estratégica a longo prazo.

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