Cabo Ligado Semanal: 19-25 de Abril
Número total de ocorrências de violência organizada: 859
Número total de vítimas mortais de violência organizada: 2,814
Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,382
Resumo da Situação
A população civil na vila de Palma continuou sob ameaça na semana passada, com os insurgentes retornando à vila e confrontos entre insurgentes e tropas governamentais forçando mais pessoas a fugir em direção à fronteira com a Tanzânia. No dia 19 de Abril, civis descobriram corpos de três jovens mortos na vila. Moradores disseram que os homens foram provavelmente mortos por forças governamentais, que vêm conduzindo operações violentas na vila na tentativa de eliminar os insurgentes.
O crescente aumento do receio em relação a um eventual ataque dos insurgentes à cidade de Pemba resultou em tragédia no dia 22 de Abril, quando forças governamentais mataram um jovem comerciante enquanto ele passava em um moto-táxi pelo posto de controlo das Forças de Defesa e Segurança. O táxi não parou no posto de controlo devido a um mal-entendido. As forças governamentais dispararam contra o moto-taxi, matando o passageiro e ferindo o motorista. Aterrorizado, o motorista seguiu o percurso até o Hospital de Pemba, mas o passageiro já estava morto quando ele chegou.
Na noite de 23 de Abril, um ataque que fontes locais acreditam ter sido perpetrado por insurgentes resultou em pelo menos cinco mortes de civis e sete casas queimadas no bairro Expansão, arredores da vila de Palma. Civis deslocados em Quitunda que perguntaram às forças governamentais sobre o ataque não receberam qualquer resposta, aumentando o receio de um eventual ataque directo à Quitunda.
No dia 25 de Abril, registaram-se novos confrontos em Palma. Civis na vila relataram ter ouvido fortes tiros e explosões. Muitas pessoas que permaneciam na vila fugiram, seguindo para o norte em direção à Tanzânia na esperança de serem transportadas para o posto fronteiriço de Negomano no distrito de Mueda, de onde podem viajar para a vila de Mueda ou cidade de Pemba. Outros se juntaram aos mais de 20 mil deslocados ainda retidos em Quitunda, de onde há poucas esperanças de evacuação a curto prazo.
O governo aumentou sua estimativa do número de insurgentes mortos na batalha por Palma no final de Março para 41. O porta-voz do exército Chongo Vidigal disse a jornalistas, no dia 15 de Abril, que as forças governamentais encontraram quatro corpos de insurgentes enterrados juntos, aumentando a contagem de insurgentes mortos da estimativa anterior de 37. Vidigal também disse que os insurgentes sequestraram 150 jovens durante a invasão à Palma, dos quais três conseguiram escapar.
Uma mulher que estava entre os sequestrados durante o ataque à Palma, fazia parte de um grupo de 48 civis deslocados que chegaram à vila de Nangade no início da semana passada, tendo escapado da custódia dos insurgentes. Ela relatou que os insurgentes haviam tentado caminhar com ela e um grande número de outros civis em direcção a Pundanhar, no distrito de Palma. A caravana, que também incluía produtos alimentares e outros bens saqueados em Palma, acabou sendo interceptada por helicópteros ligados às forças governamentais no dia 27 de Março. Não está claro se os helicópteros eram da empresa militar privada Dyck Advisory Group ou se estavam ligados aos exército moçambicano. Os helicópteros atacaram, matando muitos dos insurgentes e ferindo alguns dos civis deslocados. Os civis escaparam, caminhando apenas à noite até chegarem a Nangade, cerca de 100 quilômetros a oeste de onde eles partiram.
O relatório da equipa técnica da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), discutido com profundidade no ponto a seguir, relatou um ataque insurgente anterior. De acordo com o relatório, no dia 16 de Abril, os insurgentes mataram uma mulher em um ataque a “Nagunde”, distrito de Muidumbe - presumivelmente Nangunde, uma aldeia ao norte de Namacande, a capital do distrito.
Foco do Incidente: Recomendação da SADC
A equipa técnica da SADC encarregada de apresentar recomendações para uma potencial intervenção da SADC em Cabo Delgado entregou o seu relatório, e Cabo Ligado viu uma cópia do texto principal. O relatório, que a equipa técnica irá apresentar numa reunião da dupla Troika da SADC nos dias 28 e 29 de Abril, descreve um quadro contundente do esforço de contra-insurgência do governo moçambicano até ao momento e recomenda uma intervenção militar regional significativa.
A equipa técnica foi liderada pelo Brigadeiro Michael Mukokomani do Botswana e também incluiu representantes de Angola, África do Sul, Malawi, Tanzânia e Zimbabué. Não havia representante moçambicano. A equipa trabalhou de forma célere, reunindo-se com líderes militares moçambicanos em Maputo a 15 de Abril e posteriormente viajou a Cabo Delgado a 17 de Abril. Com base nas reuniões havidas, a equipa concluiu que os militares moçambicanos “requerem apoio imediato no domínio aéreo, marítimo e capacidade operacional terrestre”. O relatório afirma que a vila e o porto de Mocímboa da Praia estão “sob o controlo de terroristas desde Agosto de 2020”, contradizendo as afirmações periódicas do governo que afirmam o contrário. O relatório diz ainda que os insurgentes permanecem em duas bases conhecidas como "Síria" e outra conhecida como “Mbau”, presumivelmente no posto administrativo com o mesmo nome, na zona sul do distrito de Mocímboa da Praia. As forças moçambicanas anunciaram operações contra todas essas bases no passado. A equipa estimou que o ritmo dos ataques insurgentes provavelmente aumentaria após o Ramadã.
A equipa também descreveu a ameaça representada pelos insurgentes como regional. Avaliando os prováveis cursos de acção dos insurgentes, a equipa previu que o grupo iria perseguir “actividades terroristas nos países identificados que parecem estar a prestar apoio a Moçambique”. O objectivo da insurgência, avaliou a equipa, é “expandir o califado em Cabo Delgado e para a região da SADC”.
Para lidar com a detectada ameaça regional, a equipa apresentou dois planos. O primeiro é o envio de forças da SADC (a um nível que o relatório descreve como “mínimo”) para Cabo Delgado para “apoiar [os militares moçambicanos] na neutralização dos terroristas na Área de Operação”. O segundo é um pacote de treinamento e apoio logístico que manteria as tropas estrangeiras fora da zona de combate em Moçambique. A equipa recomendou que se seguisse os dois planos simultaneamente, trazendo tropas estrangeiras para ajudar na luta enquanto implementa-se a missão de treinamento.
Apesar do relatório caracterizar o plano de envio de tropas como “mínimo”, na verdade seria bastante substancial. A proposta do destacamento planeado seria de enviar equipas de 2.916 pessoas, bem como sete helicópteros, cinco aeronaves tripuladas de asa fixa, quatro drones, dois navios de patrulha de superfície e um submarino. A maior parte das forças - 1.860 soldados ao todo - viria na forma de três batalhões de infantaria ligeira. A proposta de distribuição de forças - mais de 2.000 forças de infantaria e operações especiais ao todo, apoiadas por sete helicópteros - sugere um plano de operações muito semelhante ao actualmente empregado pelas forças moçambicanas, em que as forças terrestres se movem principalmente por estrada e conduzem pequenas patrulhas separadas de desmontagem. O aspecto marítimo do desdobramento proposto, no entanto, ofereceria um aumento significativo da capacidade actual dos militares moçambicanos no mar, melhorando potencialmente a capacidade de Moçambique de conter as operações litorâneas dos insurgentes.
A recomendação surge num momento em que no âmbito doméstico, decorre um aceso debate sobre a presença de tropas estrangeiras em Moçambique. O líder da Renamo, Ossufo Momade, apelou de forma explícita, na semana passada, à intervenção directa em Cabo Delgado dos países da SADC, dizendo que a Frelimo não estava tão preocupada com a soberania nacional como parece estar hoje quando convidou tropas estrangeiras para ajudar a combater a Renamo durante a guerra civil moçambicana. O secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, por outro lado, disse a repórteres que as tropas estrangeiras não seriam eficazes em Cabo Delgado e avançou que apenas é necessário apoio logístico às tropas moçambicanas.
O primeiro-ministro moçambicano, Carlos Agostinho do Rosário, em declarações ao parlamento no dia 21 de Abril, tentou desviar o debate. Ele reconheceu que Moçambique já está a receber algumas formas de apoio militar dos seus vizinhos da SADC, mas não quis entrar em detalhes sobre a natureza do apoio. Em vez disso, ele parecia ter a intenção de argumentar que a natureza do apoio militar estrangeiro não é um tópico adequado para debate público porque envolve a divulgação de detalhes de questões militares.
Apesar das tentativas de Rosário para abafar o debate, a resposta à proposta vazada da SADC tem sido contundente por parte de alguns cantos da sociedade civil moçambicana. O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) criticou a proposta, chamando o plano de implantação de “impróprio” e criticando a equipa da SADC por não se reunir com especialistas independentes. O envio de tropas proposto, disse o CDD, é “quase [do tamanho] de um exército moçambicano” e provavelmente desestabilizaria as operações de combate ao mesmo tempo que não forneceria soluções para as crises sociais e humanitárias no centro do conflito. O relatório não incluiu propostas claras para o desdobramento de ativos civis para conduzir operações humanitárias.
Resposta do Governo
O ciclone tropical Jobo fez com que as chuvas continuassem a atingir a costa de Cabo Delgado na semana passada, causando mais miséria às mais de 20.000 pessoas que ainda se encontram deslocadas em Quitunda. Essas pessoas ainda não foram socorridas pela ajuda alimentar internacional, em grande parte como resultado de um impasse entre os grupos de ajuda internacional e o governo moçambicano sobre quem vai distribuir os alimentos. De acordo com o pesquisador Joseph Hanlon no seu boletim informativo sobre Moçambique, o governo insiste que deve ser ele o responsável pela distribuição, enquanto o Programa Mundial de Alimentação pretende fazer a distribuição de forma independente. Até que o impasse seja ultrapassado, nenhuma ajuda alimentar internacional pode chegar a Quitunda.
Da forma como as coisas estão, o governo não está a se mostrar de forma convincente como um distribuidor eficaz de alimentos no distrito de Palma. A situação no terreno pelos arredores de Palma estão tão desorganizadas que, de acordo com Hanlon, o governo enviou seis camiões carregados de alimentos para Palma via batelão há cerca de duas semanas e os colocou de volta no batelão sem descarregar a comida porque os condutores não conseguiram encontrar qualquer pessoa do agência humanitária do governo (o INGD) para lidar com a distribuição. De acordo com as fontes de Hanlon, cidadãos particulares angariaram 100 toneladas de alimentos e ficaram indignados quando a Frelimo pareceu apropriar-se de 20 toneladas para distribuição num comício em Palma e depois as outras 80 toneladas desapareceram por completo. Esses testemunhos juntam-se a outro, relatado pelo Zitamar News, em que um carregamento de alimentos de 90 toneladas de Pemba foi simplesmente depositado na praia de Afungi sem ninguém disponível para distribuí-lo.
Enquanto isso, os deslocados tentam abandonar Quitunda de todas as maneiras ao seu alcance. Cerca de 210 pessoas chegaram de barco a Pemba na semana passada vindos de Quitunda, aparentemente tendo viajado em violação a uma ordem governamental contra viagens marítimas costeiras não autorizadas ao norte de Pemba. Outro barco saindo de Quirimba afundou na semana passada devido a agitação gigantesca de ondas de mar, matando 12 pessoas. No total, a Organização Internacional das Nações Unidas para as Migrações contabiliza 27.913 pessoas que fugiram do distrito de Palma desde o ataque, sem contar as que ainda estão retidas em Quitunda.
Destes, 5.749 deles conseguiram chegar à Pemba, e muitos deles passaram algum tempo no Centro Desportivo, um complexo desportivo que foi convertido em um centro transitório para civis deslocados. De acordo com o mais recente relatório disponível a população do Centro Desportivo reduziu para 124 pessoas de um total de 315 a 14 de abril, sugerindo que as pessoas estão sendo transferidas para comunidades anfitriãs e locais de reassentamento no sul de Cabo Delgado, mas ainda há trabalho a ser feito.
Em outras partes da província, o custo do conflito continua a aumentar. O secretário provincial de Cabo Delgado, Armindo Ngunga - que foi nomeado chefe da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte, uma situação que Cabo Ligado irá cobrir em profundidade na próxima semana - disse a jornalistas na semana passada que os insurgentes destruíram 313 quilómetros de linhas eléctricas na província, que custará cerca de 5,1 milhões de dólares norte-americanos para reparar.
A Confederação das Associações Económicas de Moçambique - CTA também informou que as empresas locais perderam 90 milhões de dólares norte-americanos como resultado do ataque de Palma. O presidente do CTA, Agostinho Vuma, classificou a situação de “pesadelo para a iniciativa privada”, pois não há clareza sobre quando os subcontratados envolvidos no projecto de gás natural de Afungi serão pagos ou quando as obras serão retomadas. A situação dessas empresas não será favorecida pela decisão da Total de declarar força maior em resposta aos ataques de Palma, suspendendo todos os contratos em terra com a gigante francesa de produção de energia. Um especialista da indústria chamou a declaração de “a opção nuclear”, indicando a total falta de confiança da Total de que a situação de segurança em Cabo Delgado irá melhorar em breve. Ele coloca a possibilidade de retirada total da Total em cima da mesa, um cenário que remodelaria radicalmente o ambiente político e económico de Moçambique como um todo e seria catastrófico para o governo de Nyusi.
Além de um possível envio de tropas da SADC para ajudar a prevenir essa possibilidade, figuras ligadas a Frelimo estão cada vez mais a defender a necessidade de tribunais especiais para lidar com os processos de acusação contra os insurgentes. A Ministra da Justiça, Helena Kida, argumentou na semana passada que tribunais especiais para tratar dos crimes cometidos durante o conflito de Cabo Delgado são necessários para processar com eficiência estes “diferentes tipos de crime” cometidos pelos insurgentes. As actuais dificuldades com que o governo está em assegurar condenações contra alegados insurgentes nos tribunais existentes, no entanto, têm mais a ver com a falta de provas disponíveis contra os arguidos do que com a estrutura do sistema judiciário moçambicano.
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