Cabo Ligado

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Cabo Ligado Semanal: 26 de Abril à 2 de Maio

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  • Número total de ocorrências de violência organizada: 863

  • Número total de vítimas mortais de violência organizada: 2,821

  • Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,389

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Resumo da Situação

Os incêndios em Palma continuaram na semana passada, com vários relatos de edifícios queimados nas noites de 26 e 27 de Abril, incluindo residências e, na noite seguinte, uma mesquita. Um artigo da imprensa alegou que as forças do governo são responsáveis ​​por algumas das casas queimadas, mas várias fontes disseram ao Zitamar News que a maior parte do fogo posto foi da autoria dos insurgentes. De acordo com algumas pessoas no local, os insurgentes informaram aos civis quando certas áreas da vila seriam incendiadas e deram-lhes um prazo para abandonar os edifícios identificados como alvos. A destruição, disseram os insurgentes aos civis, é parte de um esforço para tomar o controlo da vila de Palma.

No dia 30 de Abril, Palma ficou novamente sem comunicação por via do serviço de telefonia móvel, dificultando a obtenção de notícias a partir do local. No entanto, houve relatos de confrontos entre insurgentes e forças governamentais em Palma. Foi também reportado a presença de insurgentes em Quiuia, ao norte da vila de Palma perto de Quionga. De acordo com uma fonte ligada às forças de contra-insurgência moçambicana, 14 insurgentes e 16 mulheres e crianças raptadas foram vistos em Palma naquele dia. Não está claro se os civis foram sequestrados naquele dia ou se estiveram com os insurgentes por mais tempo. Várias fontes relataram que os insurgentes perto de Quionga tinham como alvo civis que tentavam fugir de Palma para a Tanzânia, incluindo um que disse que os insurgentes mataram cinco civis e feriram outros sete que tentavam viajar no dia 30 de Abril. 

Enquanto isso, mais ao sul, os insurgentes emboscaram pescadores que desenvolviam actividades em Pangane, no distrito costeiro de Macomia, no dia 30 de Abril. Grande parte da vila ainda se encontrava deserta, mas os pescadores se arriscaram a acampar lá a fim de obter alimentos e renda. Os insurgentes decapitaram cinco dos pescadores na frente dos outros que estavam na aldeia. Os restantes civis fugiram para a vila sede de Macomia. De acordo com uma reportagem do Pinnacle News, os insurgentes sequestraram três pessoas nas proximidades de Mucojo no mesmo dia.

Ainda no dia 30 de Abril, os insurgentes invadiram Chai, no norte do distrito de Macomia, perto da fronteira com o distrito de Muidumbe. Os atacantes, formados por oito insurgentes, capturaram quatro civis e roubaram alimentos da aldeia. A milícia local respondeu, fazendo com que os insurgentes abandonassem a aldeia. Pinnacle News reportou que os insurgentes retornaram a Chai no dia seguinte. Um membro da milícia notou a presença dos insurgentes que se aproximavam e disparou contra eles, mas acabou ficando ferido quando os insurgentes responderam. 

No dia 2 de Maio, a polícia deteve duas pessoas no distrito de Macomia sob suspeita de pertencerem aos insurgentes. As provas contra os acusados vieram de um informante civil que disse à polícia que os dois agiam de forma suspeita. Não está claro se há mais evidências contra eles, mas as detenções com base em uma única denúncia enfatizam o nível de preocupação de potenciais ataques de insurgentes à vila de Macomia.

A polícia na província de Nampula também anunciou a detenção de indivíduos acusados ​​de  pertencerem aos insurgentes na semana passada, sem divulgar a data em que as detenções ocorreram. A polícia interditou 21 pessoas que disseram estar a caminho de Cabo Delgado para trabalhar, mas não sabiam dizer quem era o seu empregador ou a natureza do trabalho. O porta-voz da polícia provincial disse que as declarações dos indivíduos detidos reflectem um modus operandi estabelecido para o recrutamento de insurgentes em Nampula, com pessoas a serem trazidas para a insurgência através de promessas de emprego. 

Foco do Incidente:  Ngunga e ADIN

No dia 27 de Abril, o Conselho de Ministros de Moçambique exonerou Armando Panguene do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Agência de Desenvolvimento do Norte (ADIN) e substituiu-o por Armindo Ngunga, que até a data da sua nomeação era Secretário de Estado da província de Cabo Delgado. Para muitos, esta mudança constituiu uma enorme  surpresa, inclusive para o Ministro da Agricultura, Celso Correia, que é amplamente considerado como estando verdadeiramente sob controlo da agência. Também teve lugar  no mesmo dia um evento em que o Banco Mundial aprovou uma doação de 100 milhões de dólares americanos para a ADIN a ser gasta na "restauração de meios de subsistência e oportunidades econômicas, construção de coesão social e melhoria do acesso a serviços básicos, bem como a reabilitação de infraestruturas públicas selecionadas com a finalidade de beneficiar deslocados internos e comunidades anfitriãs em áreas específicas do norte de Moçambique. ” O Banco Mundial também tornou Moçambique elegível para o seu programa de Prevenção e Alocação de Resiliência, que dá a Moçambique acesso a outros 700 milhões de dólares americanos  para projectos similares.

O montante é bem-vindo e representa uma mudança na forma como o Banco - e provavelmente outros doadores - se relacionam com Moçambique. Na sequência do escândalo das dívidas ocultas, os doadores internacionais liderados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) suspenderam o apoio ao orçamento para Moçambique numa tentativa de sancionar o governo por mentir aos doadores e ao público. Desde então, Moçambique resistiu amplamente à tempestade sem no entanto assumir qualquer responsabilidade pelo escândalo, e o dinheiro dos doadores começou a fluir novamente nos últimos anos. No entanto, de acordo com um funcionário do Banco, Michel Matera, a Prevenção e Alocação de Resiliência sinaliza “a recalibração do portfólio do Banco para se focar em abordar os riscos de conflito e violência” - isto é, a comunidade internacional agora olha para Moçambique mais como um país afectado por conflitos do que como um Estado financeiramente pária. Actualmente, as negociações entre Moçambique e o FMI sobre um novo programa de apoio financeiro estão paralisadas, mas será interessante ver se a mudança do Banco Mundial ajudará a quebrar o impasse.

Ngunga parece ser uma figura estranha para ajudar a inaugurar uma nova era. Um reconhecido linguista com foco nas línguas africanas, Ngunga é visto como um radical dentro da Frelimo, mais interessado no sucesso do partido do que numa governação eficaz. Como Secretário de Estado provincial em Cabo Delgado durante o conflito, a sua relação com grupos de ajuda internacional tem sido tensa e tem supervisionado os esforços de distribuição de ajuda que têm sido frequentemente criticados e descritos como corruptos e ineficazes. Em uma entrevista após sua nomeação, no entanto, ele pareceu reconhecer que o histórico do governo em relação à assistência humanitária deixou muito a desejar e enfatizou que a ADIN terá que trabalhar rapidamente para corresponder às expectativas. Ele enfatizou os projetos de infraestrutura como estradas e a melhoria dos centros de reassentamento para pessoas deslocadas como prioridades da agência.

Resposta do Governo

Cada vez mais civis deslocados fogem de Quitunda, a aldeia de reassentamento na península de Afungi, onde cerca de 20.000 estão hospedados desde o ataque de 24 de Março à Palma. Apesar da proibição governamental de viagens marítimas costeiras ao norte de Pemba, barcos particulares têm oferecido passagem para pessoas de Quitunda e da Ilha Vamize para locais ao sul. Os barcos levam as pessoas para a Ilha Matemo, distrito do Ibo, onde os passageiros podem apanhar outras embarcações que os levarão até Pemba. A viagem inteira custa entre 50 a 60 dólares norte-americanos por pessoa. Entre 30 de Abril e 2 de Maio, quase 500 pessoas chegaram a Pemba por essa rota, e mais pessoas vêm a cada dia à medida que a situação em Quitunda se torna ainda mais insustentável. A viagem é árdua - os relatos de tempo de viagem variam de cinco a doze dias, e muitos chegaram a Pemba com fome. As autoridades em Pemba esforçam-se para receber os recém-chegados. Um navio com 190 deslocados foi forçado a permanecer atracado por cerca de seis horas antes que as autoridades permitissem o desembarque de seus passageiros. No desembarque, os abrigos provisórios montados para os deslocados têm dificuldade em resistir à chuva que continua a cair na costa de Cabo Delgado.

A situação de quem chega a Pemba ainda é comparativamente melhor do que quem vai para o norte, para a Tanzânia. Na fronteira, as forças tanzanianas continuam a transportar deslocados moçambicanos para o oeste e os deportando de volta para Moçambique no posto fronteiriço de Negomano, no distrito de Mueda. Segundo pessoas que fizeram a viagem, os refugiados moçambicanos são transportados para Negomano em camiões abertos concebidos para cavalos, expondo-os ao meio de chuva torrencial durante horas a fio. Assim que os civis deslocados chegam a Negomano, cabe a eles arranjar transporte para a vila de Mueda e locais ao sul, tarefa que muitos não conseguem realizar.

Para aqueles que fogem de Palma por terra para Nangade, a situação é tensa. Há uma preocupação generalizada na vila de Nangade de que os insurgentes estejam entre os deslocados que continuam a chegar à vila desde o ataque de 24 de Março à Palma. Entre essas inquietações e preocupações com os produtos alimentares cada vez mais escassos, muitos moradores tentam abandonar a vila. As forças de defesa e segurança, no entanto, proibiram a entrada e saída de Nangade, excepto entre 7 horas e meio-dia, em uma tentativa de melhor prevenir a infiltração. 

A segurança da vila está ainda mais ameaçada pelo facto de, até dia 27 de Abril, a milícia local não ter recebido do governo os subsídios referentes ao mês de Março,  na qualidade de veteranos da luta de libertação nacional. As milícias de Nangade provaram ser eficazes em alguns combates com os insurgentes, e a falta de apoio do governo aos grupos exacerbou ainda mais as preocupações com a segurança na vila. Não há indicação de quando os pagamentos serão efectuados ou da origem do atraso.

No âmbito internacional, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) deveria ter realizado uma cimeira no dia 29 de Abril para considerar o plano de intervenção militar regional em Cabo Delgado apresentado pela equipa técnica da SADC. No entanto, a cimeira foi adiada indefinidamente devido a desacordos tanto na SADC como em Moçambique sobre o caminho a seguir. Em Moçambique, membros seniores da Frelimo continuam em defesa da não inclusão de militares estrangeiros em Cabo Delgado, com a membro da comissão política da Frelimo, Alcinda Abreu, aparecendo na semana passada a reforçar essa corrente. Abreu disse que Moçambique pode contar com apoio logístico estrangeiro, mas não precisa de tropas de combate estrangeiras para acabar com a insurgência.

O presidente moçambicano Filipe Nyusi, que parece mais disposto em colaborar com a SADC nesta questão do que alguns dos seus camaradas da Frelimo, continua a negar publicamente a possibilidade de intervenção estrangeira. Num discurso proferido no dia 28 de Abril, Nyusi disse que as forças de defesa e segurança moçambicanas têm um plano para acabar com a insurgência e que o governo terá de escolher cautelosamente  quais as formas de apoio estrangeiro que melhor apoiarão a implementação desse plano. Ele apontou outras áreas além do apoio directo ao combate - segurança marítima e fronteiriça e assistência humanitária - onde a intervenção estrangeira seria mais útil, mas não abordou directamente sobre o plano de intervenção da SADC ora vazado. No dia seguinte, Nyusi fez uma visita surpresa a Kigali para se encontrar com o presidente de Ruanda, Paul Kagame. Após a reunião, Nyusi disse à imprensa que os dois estadistas discutiram a experiência de Ruanda no contraterrorismo, inclusive como interveniente estrangeiro na República Democrática do Congo. 

Enquanto isso, o director financeiro da Total, Jean-Pierre Sbraire, disse que a gigante francesa de energia atrasaria os trabalhos em seu projecto de Gás Natural Liquefeito (GNL) na península de Afungi por pelo menos um ano. A empresa está a considerar declarar força maior no que diz respeito aos seus subcontratados em Cabo Delgado, o que seria desastroso para muitos subcontratantes e poderia atrasar ainda mais o projecto, uma vez que seria difícil manter a mesma capacidade de subcontratação após um ano de suspensão. O atraso anunciado também pode colocar a empresa estatal moçambicana de energia ENH numa posição difícil, uma vez que pediu muito dinheiro emprestado para pagar a sua parte do projecto de GNL com base na teoria de que iria receber receitas de produção mais cedo ou mais tarde - - de facto, o Presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional do Petróleo de Moçambique, Carlos Zacarias, disse recentemente no dia  28 de Abril que a produção de gás começaria em 2024. Com o adiamento do ano anunciado no dia 29 de Abril, no entanto, nenhuma produção deverá ocorrer até pelo menos 2025. Isso aumenta ainda mais a pressão sobre o governo moçambicano de modo a encontrar o mais rapidamente possível uma solução para a segurança em Cabo Delgado, uma vez que os planos económicos e políticos do país dependem fortemente da viabilidade contínua dos projectos de gás.

Por último, a abordagem legal do governo moçambicano à insurgência continua a evoluir. A Procuradora-Geral da República de Moçambique, Beatriz Buchili, anunciou no dia 28 de Abril que a sua instituição irá criar uma área específica dedicada à investigação do terrorismo e “outros… tipos de crimes relacionados com [terrorismo], como tráfico de armas, drogas e pessoas, exploração ilegal de minerais, recursos florestais e faunísticos, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, que são outras facetas dos crimes associados ao extremismo violento.” A mudança parece ser uma resposta às sugestões em curso de que Moçambique não é capaz de processar os insurgentes de forma eficaz ao abrigo da actual estrutura legal. No entanto, a sugestão de Buchili de que as redes de tráfico estão implicadas na insurgência não encontra espaço no novo relatório da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional que deixa claro que os insurgentes não assumiram as rotas de tráfico que costumavam passar por áreas de Cabo Delgado que eles agora ocupam ou ameaçam. Em vez disso, essas rotas mudaram para contornar a zona de conflito, com os traficantes preferindo a relativa segurança de portos como Nampula e Nacala do que tentar colaborar com os insurgentes.

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