Cabo Ligado Semanal: 3-9 de Maio
Número total de ocorrências de violência organizada: 871
Número total de vítimas mortais de violência organizada: 2,838
Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,406
Resumo da Situação
Em Cabo Delgado, a semana passada começou com uma manifestação alarmante do trauma psicológico vivido por centenas de milhares de pessoas afetadas pelo conflito na província. Em Nanjua, distrito de Metuge, na noite de 2 de Maio, uma mulher relatou ter visto insurgentes enquanto trabalhava na sua horta. A informação causou pânico generalizado na área, fazendo com que muitos deslocados fugissem de seus centros de reassentamento. Entretanto, uma investigação exaustiva levada a cabo pelas autoridades não encontrou qualquer indício da presença de insurgentes. As autoridades alegaram que a informação falsa foi uma resposta à entrega irregular de ajuda na área.
Para as pessoas ainda retidas na zona de conflito, no entanto, a ameaça dos insurgentes é ainda um problema real. Mais de 40 pessoas foram capturadas por insurgentes na Ilha Makaloe, distrito de Macomia, no dia 3 de Maio, quando tentavam chegar a Pemba por via marítima. Os detalhes do ataque são abordados no Foco do Incidente desta semana.
No dia 7 de Maio, oito insurgentes tentaram assaltar a aldeia de Ngalonga, no sul do distrito de Nangade. A milícia local interditou os insurgentes, matando três deles. Os milicianos estavam com armas de fogo e pelo menos uma granada lançada por foguete. Enquanto os insurgentes tentavam recuar em direção ao distrito de Mocímboa da Praia, os milicianos os perseguiram e lançaram sua própria emboscada. Pelo menos mais dois insurgentes foram mortos na emboscada.
No mesmo dia, na vila sede de Macomia, três raparigas foram dadas como desaparecidas nos bairros Napulubo e Nanga B localizados na vila sede. As raparigas, pelo menos uma das quais foi deslocada da parte este do distrito de Macomia, não regressaram a casa depois de terem se deslocado ao poço para buscar água. No dia seguinte, 8 de Maio, cinco outras raparigas foram perseguidas por um indivíduo desconhecido ao retornarem do poço, mas todas voltaram para casa sãs e salvas. Os desaparecimentos ocorrem após reuniões comunitárias sobre a segurança das raparigas na vila sede, na sequência de aparentes sequestros anteriores. No dia 25 de Abril, seis raparigas desapareceram em circunstâncias similares durante deslocações ao poço.
Um cidadão moçambicano que trabalhava em Palma como agente de segurança privado no Amarula Palma Hotel foi libertado e regressou ao convívio familiar em Pemba na semana passada, após mais de um mês sob custódia do governo. O homem foi detido pelas forças governamentais no dia 28 de Março quando fugia do ataque de insurgentes à Palma. Enquanto estava sob custódia, ele foi torturado pelas autoridades na tentativa de forçar-lhe a confessar que era membro da insurgência. Ele foi libertado após intervenção de sua família, depois que fotos dele sob custódia surgiram nas redes sociais. O caso do homem evidencia tanto a arbitrariedade como a brutalidade da resposta do Estado moçambicano à insurgência. Não há como saber quantos outros foram detidos de forma semelhante, mas não têm laços familiares que possam garantir a sua libertação.
Novas informações vieram à tona na semana passada sobre as capacidades dos insurgentes em suas principais áreas de operação. No dia 6 de Maio, um grupo de 18 pessoas deslocadas de Palma chegou a Nangade após escapar do cativeiro dos insurgentes. Um deles relatou sobre uma extensa rede de viaturas e motorizadas roubadas que formam a estrutura logística móvel dos insurgentes e uma estrada que vai de uma base dos insurgentes no extremo sul do distrito de Mocímboa da Praia até o norte do distrito de Palma. Não está claro se isso é um indicativo de que os insurgentes estejam a usar as estradas R762 e R775 existentes que seguem essa rota ou se eles abriram um novo caminho na área.
Foco do Incidente: A Perigosa Jornada Marítima Para Pemba
Os esforços para escapar de Quitunda, no distrito de Palma, apenas tornaram-se mais perigosos numa altura em que os insurgentes começaram a tomar as rotas mais populares. À medida que mais pessoas tentam chegar a Pemba por meio de embarcações particulares, os insurgentes as têm como alvo quando alcançam áreas da costa controladas por insurgentes.
As pessoas que tentavam partir de Palma à Pemba por via marítima foram cercadas por insurgentes no dia 3 de Maio, quando pararam para descansar na Ilha Makaloe, ao largo da costa do distrito de Macomia, perto de Pangane. Segundo os que mais tarde conseguiram escapar, alguns dos insurgentes no distrito de Mocímboa da Praia viram as embarcações que transportavam civis rumando para o sul e enviaram combatentes para a Ilha Makaloe. Uma vez lá, os insurgentes se passaram por deslocados e se infiltraram no grupo de viajantes. Logo após a chegada do outro barco de insurgentes, o grupo inicial se revelou e levou os deslocados cativos. Alguns escaparam posteriormente.
Os insurgentes transportaram as pessoas sequestradas de volta para Pangane, no continente, onde alguns conseguiram escapar depois de terem sido enviados ao mato para obter alimentos. Os fugitivos viajaram em direção a oeste a pé, cerca de 50 quilômetros, a fim de chegar à vila de Macomia. Não é certo o número total de raptados e fugitivos, mas até o dia 7 de Maio, mais 40 fugitivos finalmente chegaram a Pemba via Macomia no dia 7 de Maio.
É claro, no entanto, que os ataques ao largo da costa de Macomia não são pontuais. Uma nota de reportagem da Voz da América avançou que passageiros que se faziam em 10 barcos civis foram sequestrados desta forma - quatro barcos transportando pessoas deslocadas de Palma e outros seis barcos de pesca locais. Uma outra, do Pinnacle News, disse que os insurgentes afundaram dois barcos que transportavam pessoas deslocadas no dia 3 de Maio na “Ilha Mucongwe” (que pode ser a Ilha Makaloe), matando sete civis e ferindo vários outros.
Até ao momento, de acordo com a Organização Internacional das Nações Unidas para as Migrações (OIM), cerca de 4.800 pessoas abandonaram Palma e chegaram aos distritos de Ibo ou Pemba por via marítima, mais do dobro das pessoas que fizeram aquela viagem entre os dias 24 de Março e 1 de Maio. A segurança marítima ao largo da costa de Macomia tornou-se uma preocupação vital para a segurança humana e a proibição do governo de viagens de civis na área não é suficiente para garantir proteção das pessoas devido à necessidade de escapar à fome e à insegurança nas áreas circundantes à vila de Palma.
Resposta do Governo
No total, a 10 de maio, a IOM contabilizou 45.615 pessoas deslocadas de Palma que chegaram a outro destino em Cabo Delgado e Nampula desde o ataque de 24 de Março, contra 33.238 no início de Maio. As estimativas indicam que o número restante na aldeia de reassentamento de Quitunda fica entre 11.000 e 20.000. As agências internacionais de ajuda ainda não conseguiram alcançá-los. A chefe da missão da OIM em Moçambique, Laura Tomm-Bonde, culpou “impedimentos burocráticos” por parte do governo moçambicano pela incapacidade de entregar ajuda, provavelmente referindo-se ao impasse relatado entre o governo e grupos de ajuda sobre quem irá distribuir ajuda após a chegada desta. As preocupações com a segurança também representam um grande desafio para a distribuição de ajuda na área.
Para as pessoas que fugiram para o norte, para a fronteira com a Tanzânia, a situação não tem sido a melhor. Muitos chegaram à Ilha Suavo no delta do rio Rovuma, esperando serem socorridos por barcos tanzanianos que os ajudarão a completar a travessia para a Tanzânia. Os barcos vêm com menos frequência do que o esperado, no entanto, deixando os moçambicanos deslocados encalhados na ilha e forçados a contemplar outros meios menos seguros de travessia.
Os cortes de energia também continuam em todo o norte de Cabo Delgado, visto que o governo ainda não conseguiu garantir a segurança da subestação elétrica de Awasse por tempo suficiente para reparar os danos causados a esta pelos insurgentes. 25.000 clientes nos distritos de Muidumbe, Mueda, Nangade, Palma e Mocimboa da Praia estão sem acesso à eletricidade desde Setembro de 2020. O diretor da concessionária nacional de Electricidade de Moçambique disse que não há estimativa de quando o fornecimento será restabelecido.
Mais ao sul, os professores não estão entre os civis que retornaram ao distrito de Macomia nos últimos meses. Os professores que haviam fugido do distrito foram obrigados em Março a voltar para dar início ao novo ano letivo, mas poucos obedeceram a ordem. Mesmo na vila sede de Macomia, onde a segurança é mais forte, a ausência de professores está a dificultar o processo de ensino. Em uma escola primária na vila sede de Macomia, a proporção aluno-professor é atualmente de 150-1.
As agências internacionais de ajuda humanitária também continuam a enfrentar desafios. Na vila de Chiure, a distribuição de ajuda do Programa Mundial de Alimentos tem sido irregular e repleta de preocupações sobre a lista de quem deve receber ajuda alimentar. Como resultado, em alguns bairros com populações deslocadas, não houve distribuição em três meses. Em Abril, as distribuições ocorreram apenas em três dos 15 bairros de Chiure, todos com civis deslocados. Os problemas de distribuição estendem-se inclusive para fora de Cabo Delgado. Alegações de corrupção no desembolso de ajuda alimentar para pessoas deslocadas de Cabo Delgado surgiram na província de Nampula na semana passada. Numa história que lembra muito as queixas de Cabo Delgado, pessoas deslocadas em Nacala-Porto disseram que as autoridades locais estão a desviar a ajuda para as suas redes pessoais.
As agências também enfrentam problemas de financiamento mais amplos. Um porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) disse na semana passada em uma entrevista que as operações do ACNUR em Cabo Delgado permanecem financiadas em apenas 20% para o ano de 2021. O apelo inicial do Alto Comissário era de 24,5 milhões de dólares norte-americanos, o que significa que os países doadores conseguiram juntar menos de 5 milhões de dólares norte-americanos à medida que a crise de deslocamento de Cabo Delgado se agrava. Os Estados Unidos anunciaram no dia 7 de maio que iriam doar 700.000 dólares norte-americanos para os esforços do ACNUR em Moçambique, elevando os níveis de financiamento total para 23% do total das necessidades.
No entanto, as questões de financiamento não se limitam a agências financiadas pelo Estado. A agência católica Cáritas suspendeu as distribuições de alimentos em Pemba no dia 5 de Maio devido à falta de recursos. O chefe da Cáritas de Pemba prometeu retomar as distribuições assim que a organização estiver em condições de adquirir mais alimentos.
Na frente internacional, Portugal e Moçambique assinaram um acordo de cinco anos para manter 80 soldados portugueses no país para treinar tropas moçambicanas, facilitar a partilha de inteligência e conduzir a vigilância de drones para apoiar os esforços de contra-insurgência do governo. O chefe da política externa da União Europeia, Josep Borrell, disse que a UE espera enviar uma missão de treino militar adicional a Moçambique antes do final de 2021. Os comentários de Borrell seguiram-se a uma reunião dos ministros da Defesa da UE a 6 de Maio, durante a qual se discutiu a assistência a Moçambique, mas nada foi acordado. Borrell disse que, caso seja enviado, o contingente da UE será provavelmente constituído em grande parte por tropas portuguesas que apoiam as que já se encontram em Moçambique, e estará envolvido em missões de treino e protecção da força.
Os EUA, por seu lado, concluíram uma missão de Formação Conjunta Combinada de Intercâmbio (JCET) em Moçambique na semana passada, durante a qual os Boinas Verdes norte-americanos treinaram fuzileiros moçambicanos. A embaixada dos EUA em Maputo anunciou que haverá outro JCET em Julho de 2021. O treinamento de julho fará três JCETs dos EUA em Moçambique nos últimos três anos, incluindo o que acabou de ser concluído e um em 2019 que a embaixada não reconheceu publicamente..
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