Cabo Ligado Semanal: 10-16 de Janeiro

Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Janeiro 2022

14 de Janeiro de 2022.

  • Número total de ocorrências de violência organizada: 1,122

  • Número total de fatalidades reportadas de violência organizada: 3,640

  • Número total de fatalidades reportadas por violência organizada contra civis: 1,591

    Acesse os dados.

Resumo da Situação

A violência insurgente continuou na semana passada, tanto no norte como no sul da zona de conflito. A 11 de Janeiro, um grupo de quatro insurgentes atacou pescadores na Ilha Quilhaule, uma pequena ilha no distrito do Ibo. Os insurgentes mataram um dos pescadores e saquearam grande parte do seu pescado. 

No dia seguinte, os insurgentes estavam em ação no distrito de Meluco. Ao longo da tarde de 12 de Janeiro, atacaram três aldeias - Pitolha, Citate e 1 de Maio - no distrito de Meluco, ao longo da estrada entre Muaguide e a capital de distrito. O Estado Islâmico (EI) reivindicou os dois primeiros ataques. Em Pitolha, segundo o grupo, os insurgentes incendiaram 20 casas. De acordo com uma reivindicação separada, em Citate, eles incendiaram cerca de 60 casas. Não há detalhes disponíveis sobre o ataque de 1 de Maio. 

Também a 12 de Janeiro, um grupo de quatro insurgentes que viajavam de motocicleta atacou Luneke, distrito de Nangade ao longo do meio-dia, matando três civis. Há um relato que dá conta de que insurgentes terem morto dois civis nas proximidades de Unidade, distrito de Nangade, ao mesmo tempo em que o ataque de Luneke ocorria – não está claro se os ataques foram simultâneos ou se o relato sobre Unidade é simplesmente uma atribuição errônea do ataque de Luneke.

A 15 de Janeiro, os insurgentes regressaram novamente à Nova Zambézia, distrito de Macomia, desta vez emboscando agricultores que trabalhavam nas suas machambas e decapitando três homens. Os insurgentes estiveram frequentemente na Nova Zambézia em Dezembro e Janeiro. Eles estiveram lá recentemente num ataque de 3 de Janeiro que resultou em cinco civis mortos e 11 casas incendiadas. 

Também a 15 de Dezembro, os insurgentes atacaram Mitepo, distrito de Meluco, aproximando-os ainda mais da capital distrital. Não há detalhes do ataque. 

No mesmo dia, os insurgentes lançaram um ataque nocturno contra a aldeia de 3 de Fevereiro, no distrito de Nangade. Os insurgentes mataram cinco civis e queimaram várias casas antes da chegada das tropas da Missão de Força em Estado de Alerta da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM). Depois que as tropas da SAMIM entraram na vila, houve um longo tiroteio entre eles e os insurgentes, mas não foram relatadas quaisquer baixas. 

Na noite de 16 de Janeiro, insurgentes atacaram a aldeia de Nkoe, distrito de Macomia, incendiando casas. Não foram relatadas quaisquer baixas.   

Novas informações sobre incidentes anteriores também vieram à tona na semana passada.

O EI reivindicou um confronto entre insurgentes e forças de segurança moçambicanas em Cogolo, distrito oriental de Macomia, a 21 de Dezembro, mas não reivindicou nenhuma baixa de nenhum dos lados. Nenhuma fonte independente confirma o confronto.

A 6 de Janeiro, os insurgentes atacaram novamente Mariria, no distrito de Meluco, matando três civis antes de serem repelidos da vila pelas forças de segurança moçambicanas. Os insurgentes estiveram em Mariria apenas dois dias antes, saqueando a vila e queimando casas. Mais tarde, o EI reivindicou o ataque de 4 de Janeiro a Mariria.

O EI também afirmou que os insurgentes atacaram Micomela, no distrito de Mueda,, no dia 7 de Janeiro. De acordo com a reivindicação, os insurgentes confrontaram as milícias locais, matando um deles. Nenhuma fonte independente confirma a alegação, embora houvesse combates nas proximidades no dia seguinte.

O EI reivindicou o ataque insurgente de 22 de Dezembro a Naulala, distrito de Mecula, alegando que os insurgentes mataram seis soldados moçambicanos e queimaram casas. Relatos independentes colocam o número de mortos nesse ataque em cinco, nenhum dos quais parece ter sido soldado.

O EI também emitiu uma reivindicação tardia sobre o ataque dos insurgentes a 4 de Janeiro a Nova Vida, distrito de Macomia. De acordo com a reivindicação, os insurgentes entraram em confronto com soldados moçambicanos, ferindo um deles. Relatos independentes dizem que eles apenas queimaram casas e saquearam alimentos.

Também surgiram novos detalhes sobre o ataque de 7 de Janeiro a Lijungo, distrito de Nangade, para o qual não havima detalhes disponíveis no último Relatório Semanal de Cabo Ligado. Os insurgentes sequestraram cinco homens nesse ataque, antes de incendiarem várias casas. Os residentes de Lijungo retiraram-se para a vila sede de Nangade por segurança.

O EI divulgou uma reivindicação detalhada do ataque insurgente de 8 de Janeiro à aldeia Alberto Chipande, no distrito de Mueda, alegando que os insurgentes mataram dois milicianos na aldeia, incendiaram 30 casas e destruíram quatro motocicletas. Um relato independente do ataque também listou duas mortes, mas apenas uma delas era membro da milícia local.

As forças de segurança moçambicanas disseram na semana passada que revistaram mais de 3.000 casas em Mocímboa da Praia para recolher informações e assegurar as reservas de abastecimentos de insurgentes antes de permitir o regresso de civis  os civis a vila. Várias pequenas reservas de abastecimentos foram encontradas, mas não está claro se o processo de busca é a razão pela qual demorou tanto tempo para permitir que os residentes regressassem às suas casas. O governo retomou o controle de Mocímboa da Praia em Agosto, mas apenas nas últimas semanas houve qualquer indicação de uma iminente abertura da vila. Líderes religiosos muçulmanos e cristãos partiram de Pemba para Mocímboa da Praia na semana passada, com a intenção de realizar uma cerimónia na vila para assinalar a sua reabertura. No entanto, mesmo depois de iniciarem sua jornada, funcionários do governo disseram publicamente que nenhuma data para a reabertura foi definida.

Foco do Incidente: Distrito de Meluco

Uma série de ataques insurgentes desde o início de 2022 constiui a primeira acção insurgente contínua no distrito de Meluco desde o início do conflito. O distrito do interior, a oeste de Quissanga, já viu violência antes. Houve ali um punhado de ataques insurgentes em 2021, incluindo o mais recente incidente de Outubro em Nangololo, no qual duas mulheres foram raptadas. Antes disso, o distrito sofreu 11 incidentes de violência contra civis envolvendo insurgentes distribuidos ao longo do primeiro semestre de 2020, quando o leste de Meluco apresentou alvos oportunos para combatentes insurgentes lançarem ataques frequentes nos distritos vizinhos de Macomia e Quissanga.

Os ataques de 2022, no entanto, parecem mais específicos do que os esforços anteriores, com nove incidentes registrados até agora na primeira quinzena de Janeiro. A direção dos ataques – para oeste ao longo de uma estrada que eventualmente leva a Montepuez – não sugere uma tentativa de ameaçar o local do grande poder militar do governo. Em vez disso, a ofensiva de Meluco parece ser uma tentativa de obter recursos enquanto dispersa ainda mais as forças pró-governamentais. Para além disso, conforme referido no Relatório Semanal anterior do Cabo Ligado, o leste de Meluco inclui a rota entre a vila de Macomia e Pemba, que é um importante objetivo estratégico para a insurgência se quiser repetir a ocupação da vila de Macomia em 2020. 

Quer a insurreição atinja ou não esse objectivo, tem inquestionavelmente perturbado os residentes de Meluco. Dados da Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas (OIM) desde o início de 2022 mostram que 545 pessoas ficaram desalojadas no distrito de Meluco nesse período. Isso é quase certamente uma sub-contagem, pois fontes locais relatam que muitas pessoas deixaram suas casas para se esconder nas matas por razões de segurança, o que impediria que elas fossem incluídas nos números da OIM. No dia 15 de Janeiro, segundo uma fonte local, a estrada entre a vila de Meluco e Montepuez estava “cheia de gente” fugindo de Meluco com os seus bens, muitos deles a pé. Para quem não fugiu, o perigo é ainda maior. Não apenas os ataques dos insurgentes estão em curso, mas os comerciantes e funcionários do governo que podem ter fornecido comida para as pessoas nas aldeias visadas foram os primeiros a sair. Sem apoio do governo, de acordo com outra fonte local, as pessoas que ficaram estão “esfomeadas”. Para evitar a fome, as forças pró-governamentais quase certamente terão que desviar tropas de outras operações para levar a cabo missões de proteção civil no distrito de Meluco.

Resposta do Governo 

A população do norte de Cabo Delgado ficou sem corrente elétrica no dia 12 de Janeiro, depois do que a companhia eléctrica nacional moçambicana chamou de “anomalia” ter temporariamente desactivado a subestação eléctrica de Awasse, distrito de Mocimboa da Praia. A subestação de Awasse foi um dos principais locais de sabotagem dos insurgentes quando os insurgentes controlavam o distrito de Mocímboa da Praia, mas ainda não há indicação de que houve algum crime envolvido no último corte de energia.

Um relatório do final do ano do Ministério da Educação de Moçambique estimou que 123.000 alunos faltaram às aulas diretamente devido ao conflito no ano passado. No entanto, por muito terrível que seja a situação educacional, ela melhorou no ano passado. No início de 2021, informou o Ministério, 385 escolas em Cabo Delgado foram encerradas devido ao conflito (das quais 43 foram destruídas pela ação insurgente). No final do ano, porém, esse número baixou para 219, uma evolução que o Ministério atribuiu à melhoria da situação de segurança na província. O relatório também mencionou que cerca de 1.600 professores deslocados voltaram a lecionar em suas comunidades anfitriãs, uma indicação do progresso lento, mas constante, que o governo tem feito na recuperação do capital humano perdido devido ao deslocamento em massa causado pelo conflito. 

Menos animadora são as notícias de que 190 pessoas morreram de malária em Cabo Delgado nas últimas duas semanas de Dezembro. Em geral, os casos de malária na província aumentaram 21% ano a ano. Especialistas em saúde apontam o baixo padrão de vida disponível para os deslocados moçambicanos como a principal causa do aumento. O Ministério da Saúde teme que a situação se agrave com o início da estação chuvosa, oferecendo aos mosquitos mais áreas para actuar.

A governadora da província do Niassa visitou os deslocados que vivem na vila de Mecula na semana passada e teve uma recepção fria. Os ataques dos insurgentes perto de Mecula começaram em Novembro, mas o governo provincial começa agora a erguer seu aparato humanitário para apoiar as quase 4.000 pessoas que agora estão na vila. A governadora prometeu que insumos agrícolas seriam disponibilizados para ajudar as pessoas deslocadas a se sustentarem, mas com os insurgentes operando tão perto da vila, pode ser difícil encontrar pessoas ansiosas para pegar uma enxada e cuidar dos campos nos arredores da vila. De fato, algumas pessoas optaram por voltar para suas casas e arriscar-se com a insurgência em vez de ficar em Mecula e esperar pelo apoio do governo que eles acreditam que não chegará a tempo.

O comandante da SAMIM, Xolani Mankanyi, teve uma recepção mais calorosa quando visitou as tropas da Força de Defesa do Lesoto no distrito de Nangade na semana passada. Os soldados participaram nas recentes ofensivas da SAMIM contra bases insurgentes que, segundo um comunicado de imprensa da SAMIM, levaram à morte de 31 insurgentes e à recuperação de 48 AK-47 e diversas outras armas ligeiras. A visita de Mankayi parecia programada para encorajar as forças da SAMIM depois que a SADC tomou a decisão de estender a missão por três meses após um. 

Os Chefes de Estado da SADC reuniram-se em Lilongwe a 12 de Janeiro para discutir a situação em Cabo Delgado. Concordaram, como era de esperar, em prolongar o destacamento da SAMIM, embora não tenham dado pormenores sobre o calendário previsto. Várias fontes sugerem que é esperado um período de seis meses, embora as condições no terreno e o financiamento disponível determinem a forma como a intervenção é adaptada. O Presidente Malawian Chakwera, o presidente da Cimeira, nas suas observações finais reiterou o compromisso da SADC em terminar o trabalho que tinham iniciado. Parece improvável que a missão seja capaz de passar do seu actual foco nos esforços de estabilização ofensiva para um papel mais tradicional de manutenção da paz. Lamentavelmente, o comunicado nada disse sobre a abordagem dos óbvios défices de capacidade da missão no terreno, que requerem atenção urgente. Não foi feita qualquer menção à reunião de Kigali dos chefes de segurança ruandeses e moçambicanos no início dessa semana, que levantou suspeitas em alguns quadrantes, bem como preocupações sobre desconexões persistentes entre as intervenções da SAMIM e ruandesas, e o papel coordenador de Maputo.

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