Cabo Ligado Semanal: 12-18 de Abril
Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Abril 2021
16 Abril 2021.
Número total de ocorrências de violência organizada: 858
Número total de vítimas mortais de violência organizada: 2,811
Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,379
Resumo da Situação
Não houve confirmação de ataques de insurgentes na semana passada em Cabo Delgado. Disparos foram ouvidos em Pundanhar, distrito de Palma, no dia 15 de Abril e alguns meios de comunicação social reportaram como de um ataque se tratasse. Entretanto, uma fonte informou que os disparos foram feitos como parte de uma demonstração por uma nova unidade militar moçambicana na área, com o objetivo de enviar uma mensagem aos insurgentes. Também houve registo de disparos na parte norte da vila de Palma no mesmo dia, o que fez com que muitos civis - já receosos de um retorno dos insurgentes à vila - corressem para o mato. Não está claro o que causou o tiroteio - um comandante militar disse à Agence France-Presse que “houve tiros, mas a situação está sob controlo” - mas não parece ter sido um ataque de insurgentes. De acordo com uma fonte na área, “todas as tardes” ouvem-se tiros na vila de Palma.
Também surgiram rumores de um ataque no distrito de Mueda no dia 15 de Abril, após uma perda repentina do serviço de telefonia móvel que parece ter sido causada por um problema com um cabo de fibra óptica. Não houve desde então indicações de qualquer ataque no distrito, e o governo negou a ocorrência de qualquer ataque. Contactados após o restabelecimento do serviço de telefonia móvel, fontes na vila de Mueda avançaram que nenhum ataque ocorreu e que a vida naquele local prossegue como habitualmente. Um analista do Cabo Ligado foi um dos que primeiro reportou, através da sua conta no Twitter, sobre os relatos do ataque que acabaram se revelando falsos. Pedimos desculpas pelo erro.
As preocupações sobre a infiltração de insurgentes nos distritos do sul de Cabo Delgado continuam a aumentar. Pelo menos duas pessoas foram detidas na semana passada no distrito de Montepuez sob suspeita de envolvimento com os insurgentes. Relatos divergem quanto à data das detenções, mas está claro que as forças governamentais olham para a infiltração como uma grande ameaça. Do mesmo modo, em Pemba, fontes relatam aumento das medidas de segurança sendo tomadas ao redor das instalações militares. Até o Presidente da Associação Moçambicana dos Polícias alertou na semana passada sobre os perigos de infiltrados nas forças governamentais, dizendo que “é importante retirar o 'peixe podre' antes que todo o 'peixe' fique contaminado.”
Novas informações surgiram na semana passada sobre os detalhes do ataque de insurgentes à Palma no dia 24 de Março e as provações subsequentes enfrentadas pelos civis que fugiam da área. Um sobrevivente do ataque relatou que o grupo de agressores era constituído por estrangeiros e moçambicanos. Os insurgentes moçambicanos dirigiram-se a civis em KiMwani, dizendo que queriam “governar o país”, não destruí-lo. Eles refutaram as afirmações de que havia brancos nas suas fileiras ou entre os seus comandantes. O sobrevivente também relatou ter visto crianças nas fileiras dos insurgentes. Desde que as forças do governo retomaram a vila, disse o sobrevivente, as tropas governamentais maltrataram civis, roubando dinheiro e bens dos que ficaram em Palma.
Fontes bancárias disponibilizaram uma estimativa actualizada da quantia de dinheiro roubado durante as incursões dos insurgentes aos bancos de Palma. Reportagens anteriores situaram a contagem em 1 milhão de dólares norte-americanos, mas fontes bancárias apontaram que os três bancos não teriam mantido entre eles mais do que 810.000 de dólares norte-americanos no local. Na verdade, dada a situação de segurança em Palma, o número verdadeiro pode ter sido muito menor. Entretanto, as perdas totais dos bancos - incluindo infraestruturas e equipamentos destruídos - podem ultrapassar 1 milhão de dólares norte-americanos.
Para as pessoas que fugiram dos ataques, a ameaça dos insurgentes não terminou quando eles abandonaram a vila de Palma. Residentes deslocados de Palma que chegaram a Nangade a pé descreveram jornadas árduas em que tiveram que caminhar à noite e permanecer escondidos durante o dia por medo de ataques dos insurgentes. Ao longo do caminho, eles encontraram corpos decapitados de outros residentes de Palma que aparentemente foram interceptados por insurgentes a caminho de Nangade. Eles também se esconderam de helicópteros, temendo que as forças governamentais fossem incapazes de diferenciá-los dos insurgentes e disparassem contra eles.
Foco do Incidente: A Situação Humanitária em Palma
A situação humanitária no distrito de Palma continua dramática. A Organização Internacional das Nações Unidas para as Migrações (OIM) efectuou uma avaliação remota das condições na EPC de Quitunda, uma escola na aldeia de reassentamento de Quitunda onde as pessoas que não conseguiram escapar do distrito de Palma estão hospedadas. Dos cerca de 23.000 deslocados que permanecem em Quitunda no geral, o IOM estima que 11.104 estão dentro e ao redor da EPC de Quitunda. 62% da população deslocada na escola são crianças e apenas 70% das pessoas deslocadas estão em condições de dormir no interior. Todos com quem a IOM falou manifestaram temor por sua segurança caso voltassem para suas casas nos arredores da vila de Palma. Eles esperam deixar o distrito de Palma para zonas mais seguras. Até que isso aconteça, eles preferem ficar o mais perto possível do acampamento da Total que fica ao lado de Quitunda na esperança de que estejam mais seguros naquele local.
O facto de a IOM ter sido forçada a efectuar a sua avaliação de Quitunda remotamente é indicativo da gravidade dos problemas em Palma: a área continua perigosa e é muito difícil entrar e sair. Conforme mencionado acima, houve relatos de tiroteios na vila de Palma e ninguém está convencido de que os insurgentes não constituem mais ameaça a área. Casas, lojas e veículos estão em grande modo abandonados na cidade e os preços dos alimentos estão a subir. Ainda há aviões evacuando lentamente as pessoas da área, mas a demanda para sair é tão alta que os preços são proibitivos. Um voo de Afungi para Pemba custa 324 dólares norte-americanos, e os agentes vêm elevando os preços das passagens até2.200 dólares norte-americanos por pessoa. Os voos também se tornaram mais difíceis de agendar desde que a Total abandonou sua torre de controlo de tráfego aéreo na pista de Afungi, tornando impossível iluminar as pistas à noite. Há também uma barcaça entre Palma e Pemba que faz o aprovisionamento de alguns mantimentos para a área e pode trazer pessoas de volta a Pemba. No entanto, como disse recentemente uma fonte que conseguiu escapar de Palma, “é necessário muito esforço, sorte, influência ou gastos” para garantir um lugar no barco.
Um dos poucos desenvolvimentos positivos da última semana é o regresso do serviço de telefonia móvel da Vodacom à zona, no dia 12 de Abril, o que tem permitido a comunicação entre as pessoas retidas em Quitunda e os seus entes queridos espalhados pela província. O restabelecimento do serviço de telefonia móvel também auxilia na coordenação da entrega de alguns suprimentos para a área. No dia 16 de Abril, o secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, realizou um comício popular em Palma na qual distribuiu 40 toneladas de ajuda alimentar. Em seu discurso, Silva exortou as pessoas no distrito de Palma a permanecerem vigilantes sobre a ameaça de possível infiltração de insurgentes em suas comunidades.
Resposta do Governo
As privações para civis deslocados que vivem na periferia do conflito também continuam. Na semana passada, o Centro de Integridade Pública (CIP) divulgou um novo relatório sobre as condições dos centros de reassentamento de deslocados internos no sul de Cabo Delgado e Nampula. O relatório conclui que “o governo moçambicano falhou desde o início na gestão da crise dos deslocados”. Em particular, o programa do governo para construir centros de reassentamento tem sido totalmente insuficiente, tanto em escala quanto em concepção. O governo provincial de Cabo Delgado estima que 90% das pessoas deslocadas vivem em comunidades de acolhimento, mas mesmo os 10% que vivem nos centros enfrentam superlotação, acesso deficiente a água e serviços de saúde e têm poucas formas de assegurar a sua subsistência. Os campos que deveriam ser cultivados pelos residentes dos centros de reassentamento costumam estar localizados a uma distância de até oito quilómetros dos próprios centros, o que torna difícil chegar com equipamentos todos os dias. Pior ainda, uma vez que muitas pessoas deslocadas pelo conflito são da zona costeira, uma elevada proporção de residentes de centros de reassentamento tem pouca experiência na agricultura. Sua especialidade está na pesca, mas eles foram alojados em distritos do interior com pouca esperança de poder praticar sua especialização econômica. Como resultado desses desafios, alguns deslocados relatam que não conseguiram produzir nenhum alimento em três meses.
No entanto, houve algum movimento positivo no auxílio humanitário na semana passada. No dia 12 de Abril, a distribuição de ajuda do Programa Mundial de Alimentos no distrito de Mueda foi retomada, levando arroz, óleo de cozinha e outras necessidades às pessoas deslocadas que viviam lá. Múltiplas fontes do grupo relatam que a distribuição de alimentos em Mueda é afectada pelos mesmos problemas relatados em outros distritos: a ajuda não chega a todas as pessoas deslocadas e, em vez disso, grande parte dela está sendo desviada para moradores da vila com ligações políticas. O problema pode ser particularmente incisivo em Mueda, já que o relatório do CIP relata que as pessoas de Mueda têm mais probabilidade de estar conectadas à ajuda do governo e redes de patrocínio do que as pessoas deslocadas dos distritos costeiros.
Fontes no terreno relatam que a distribuição de ajuda também começou em Nangade, direcionado às pessoas que fugiram de Palma após o ataque de 24 de Março. Até 14 de Abril, cerca de 300 pessoas receberam alimentos e suprimentos vitais dos Médicos Sem Fronteiras que operam no distrito. Enfermeiros contratados pelo governo também começaram a retornar a Nangade, levando a uma melhor prestação de serviços de saúde no distrito. Após os ataques no distrito no final de Fevereiro e início de Março, enfermeiras e outros funcionários públicos fugiram de Nangade, deixando apenas três enfermeiras trabalhando na capital do distrito.
Outros profissionais de saúde de Cabo Delgado, no entanto, continuam subutilizados. Entre as pessoas que fugiram para Pemba devido à violência mais ao norte da província estão 797 profissionais de saúde, dos quais a grande maioria ainda não foi transferida. Eles trabalharam nos 40 centros de saúde que foram destruídos ou abandonados devido ao conflito. Um grupo de trabalhadores deslocados encontrou-se com o governador da província de Cabo Delgado, Valige Tauabo, a 12 de Abril, e este prometeu arranjar trabalho para eles. Há também um excedente de professores, conforme disse um representante da Direcção Provincial de Educação de Cabo Delgado num webinar que decorreu no dia 15 de Abril em torno do efeito do conflito nos sistemas escolares. O representante informou que 104 escolas da província foram destruídas no conflito e 1.623 professores foram deslocados, dos quais pelo menos sete foram mortos em ataques. A província planea construir 2.000 novas salas de aula e contratar mais 591 professores em 2021, principalmente para atender crianças deslocadas. Não está claro como os professores deslocados se enquadram no plano da província de educar as crianças deslocadas.
O plano pode, no entanto, recorrer aos cerca de 645.000 dólares norte-americanos que a força-tarefa ministerial sobre a crise humanitária em Cabo Delgado propôs gastar no sector da educação na província, de acordo com uma proposta de orçamento vista por Cabo Ligado. O orçamento projecta um gasto total de mais de 128 milhões de dólares norte-americanos em uma variedade de projetos humanitários, principalmente dedicados a revitalizar o sector privado em Cabo Delgado. Até agora, no entanto, o documento mostra que o governo garantiu apenas pouco mais de 10 milhões de dólares norte-americanos em financiamento para esses projectos. O documento de orçamento não contém cronograma para os projectos.
No âmbito internacional, o ímpeto para a intervenção em Cabo Delgado pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) continuou a crescer. A equipa técnica da SADC nomeada na reunião da Dupla Troika em Maputo no dia 8 de Abril chegou a Moçambique a 15 de Abril para desenvolver um plano de apoio da SADC ao esforço de contra-insurgência do governo moçambicano. A equipa tem pouco tempo para trabalhar, uma vez que se espera que entreguem as suas recomendações na próxima reunião da Dupla Troika, agendada para 28 e 29 de Abril. O facto de estar a começar a tempo, no entanto, é uma indicação de que o governo moçambicano está disposto a, pelo menos, envolver-se no processo da SADC em maior grau do que tem feito até então no conflito.
Embora a equipa técnica seja apenas encarregada de explorar uma gama de opções de apoio que incluem, mas não se limitam a, intervenção militar regional, o presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, fez um discurso no dia 14 de Abril que parecia exigir uma intervenção agressiva. Afirmando que “um ataque a um [estado membro da SADC] é um ataque a todos”, Mnangagwa apelou a uma “resposta regional robusta”. Pouco tempo depois, começaram a vazar informações de que o Zimbábue havia enviado tropas especiais para Cabo Delgado na sequência do ataque de Palma. Um envio de não mais de 50 soldados, estaria operando no distrito de Palma sob o comando de Moçambique, mas os meios de comunicação do Zimbábue mantêm sua versão. Fontes independentes confirmaram ao Cabo Ligado que houve um envio de cerca de 30 soldados zimbabweanos, mas que os zimbabweanos foram destacados na qualidade de observadores. Há muito tempo que o governo de Mnangagwa é exteriormente o governo mais beligerante da SADC em relação à insurgência em Cabo Delgado, chegando mesmo a sugerir no ano passado que a intervenção militar no conflito poderia vincular-se ao alívio das sanções dos EUA. Este engajamento, no entanto, é o primeiro envio confirmado de uma unidade militar estrangeira na zona de conflito de Cabo Delgado e parece projectado para dar ao Zimbabué uma preparação extra para maior mobilização regional de tropas na área.
Só porque a planificação de uma intervenção regional está a avançar, no entanto, não significa que a perspectiva de tropas estrangeiras em Moçambique se tenha tornado politicamente menos delicada. O membro da Comissão Política da Frelimo, Tomaz Salomão, ex-secretário executivo da SADC, criticou publicamente a perspectiva de acolher tropas estrangeiras (e, implicitamente, do Zimbabué) em Moçambique no dia 12 de Abril. Nos seus comentários, invocou a memória da guerra civil de Moçambique, na qual as tropas zimbabweanas desempenharam um papel importante. Ele destacou o trabalho diplomático necessário para negociar a retirada do Zimbabué daquele conflito. Tropas estrangeiras, advertiu Salomão, “entram e nunca saem”.
Num discurso a 16 de Abril, o presidente moçambicano Filipe Nyusi apareceu a dirigir-se à ala conservadora da Frelimo da qual Salomão representa, afirmando que o seu governo não se tornaria “mendigo”, exigindo a ajuda directa de tropas estrangeiras no terreno. O discurso é uma reafirmação da posição de longa data de Nyusi contra o envio de tropas estrangeiras a Cabo Delgado, mas, olhando no contexto da visita da equipa técnica da SADC, sublinha os desafios que a SADC enfrentará na elaboração de uma intervenção aceitável para todas as partes.
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