Cabo Ligado Semanal: 21-27 de Junho

Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Junho 2021

25 Junho 2021.

  • Número total de ocorrências de violência organizada: 911

  • Número total de vítimas mortais de violência organizada: 2,933

  • Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,447

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Resumo da Situação

Na semana passada, a situação em torno da segurança em Palma continuou a deteriorar-se, com relatos de confrontos frequentes entre insurgentes e forças governamentais. Na noite de 22 de Junho, os deslocados que se encontravam abrigados em Quitunda ouviram tiros na área e fugiram, temendo que os combates chegassem na vila de Quitunda. Muitos permaneceram no mato durante a noite. Na manhã seguinte, os moradores de Quitunda relataram ter ouvido disparos de armas pesadas ao sul, o que eles acreditam tratar-se de uma movimentação das forças governamentais no sentido de expulsar os insurgentes de suas bases na parte sul do distrito de Palma.

Esse esforço das forças governamentais não resultou em sucesso. Na tarde de 23 de Junho, os insurgentes haviam chegado a Patacua, ao sul de Quitunda. Houve confrontos em Patacua e as forças governamentais travaram o avanço dos insurgentes com o auxílio de pelo menos um dos helicópteros Mi-8 do governo. Rumores nas redes sociais indicando que os insurgentes abateram um dos Mi-8 parecem ter sido exagerados - todos os helicópteros do governo voltaram às suas bases em segurança naquele dia. Uma fonte militar disse à Agence France Presse que um helicóptero foi forçado a pousar devido a problemas técnicos, mas foi reparado e retornou a Pemba no mesmo dia, relato que foi confirmado por fontes de Cabo Ligado. 

No dia 24 de Junho, uma fonte em Quitunda informava que os insurgentes haviam atacado maior parte das áreas ao sul do distrito de Palma, fora de Quitunda, onde civis ainda estavam abrigados, incluindo a zona baixa da vila de Palma, Olumbe, Monjane e, principalmente, Maganja. Muitos dos milhares de civis que partiram de Quitunda para Maganja, na costa da península de Afungi, na esperança de embarcar para fora do distrito de Palma, foram forçados a retornar a Quitunda como resultado dos ataques. Nas suas operações, os insurgentes queimaram casas, mas não há estimativas de vítimas disponíveis. 

Um grupo de civis deslocados que chegou à vila de Nangade no dia 26 de Junho relatou que haviam chegado da parte oeste do distrito de Palma e estavam a fugir dos combates em curso entre os insurgentes e as forças do governo. Eles disseram que saíram porque temiam ser confundidos com insurgentes enquanto trabalhavam no mato. O grupo disse que houve um confronto entre insurgentes e forças governamentais no dia 22 de Junho em Nhica do Rovuma, no distrito de Palma. Nenhuma estimativa de vítimas desse confronto está disponível.

Foco do Incidente: Destacamento da SADC

O maior destaque noticioso da semana passada veio de Maputo, onde os líderes da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) concordaram, durante uma cimeira do órgão, em enviar uma missão da Força do Estado de Alerta da SADC para intervir militarmente no conflito de Cabo Delgado. A SADC não divulgou detalhes sobre o tamanho ou dimensão do efectivo da missão ou a sua duração -- de facto, o real mandato acordado na cimeira permanece no mais absoluto segredo -- mas o próprio compromisso de intervir constitui um importante momento de viragem em relação à abordagem regional e moçambicana face ao conflito. O governo moçambicano fez grandes esforços para atrasar a intervenção da SADC, aparentemente preferindo intervenções bilaterais ou privadas sobre as quais poderia exercer maior controlo. Outros líderes da SADC há muito pareciam dispostos a seguir essa abordagem, ou pelo menos não queriam gastar o capital político necessário para forçar uma mudança de rumo. Claramente, pelo menos uma dessas posições mudou, visto que Moçambique, em princípio, aceitou a decisão sobre a intervenção do órgão regional.

O formato da intervenção da SADC ainda não é clara. Uma equipa técnica da SADC que trabalhou em Moçambique para a decisão tomada na semana passada elaborou uma proposta de destacamento regional que incluía pouco menos de 3.000 tropas, bem como meios aéreos, navais e logísticos, mas a SADC não ofereceu nenhuma indicação se essa proposta tinha sido aceite. Um dos poucos detalhes anunciados é que as forças da SADC ficarão sediadas no porto de Nacala, na província de Nampula. A localização é conveniente do ponto de vista logístico, visto que as tropas e o equipamento podem ser carregados e descarregados em Nacala com relativa facilidade. De uma perspectiva de combate, no entanto, está bastante distante até mesmo das principais bases das Forças de Defesa e Segurança, muito menos da linha de frente. Nacala fica a cerca de 180 quilômetros ao sul de Pemba, bem como a mais de 400 quilômetros do actual local de combate em Palma. Talvez a distância seja a que o presidente moçambicano Filipe Nyusi se referia quando, num discurso de boas-vindas ao destacamento da SADC, esclareceu que “serão os moçambicanos que estarão na linha da frente”. Nyusi também afirmou que cada participante na força da SADC terá de “ratificar” a decisão de aderir, acrescentando uma potencial fonte de atraso para o destacamento.

Outra indicação do formato do destacamento é o seu pequeno orçamento. O Ministro angolano dos Negócios Estrangeiros, Tete António, disse à imprensa que o desembolso inicial acordado pela SADC é de 12 milhões de dólares norte-americanos, sendo que cada país se comprometeu a pagar a sua parte até 9 de Julho. Se esse orçamento não for aumentado com doações de outras fontes, claramente o destacamento será significativamente menor do que a proposta feita pela equipa técnica da SADC. Para efeito de comparação, em 2013, o governo sul-africano estimou que o envio de 400 soldados para intervir na República Centro-Africana custaria mais de 7 milhões dólares norte-americanos no primeiro mês e cerca de 2,3 milhões de dólares norte-americanos para cada mês subsequente. Enviar uma força sete vezes maior por 12 milhões de dólares norte-americanos não é viável. Dito isto, é possível que os países fora da região e as organizações internacionais que estão interessados ​​no conflito possam prover fundos externos para elevar as contribuições da SADC. Isso iria expandir o tamanho do destacamento e poder de permanência, mas, por outro lado, implicaria a redução da influência de Moçambique e da SADC sobre a direcção estratégica do conflito. De facto, fontes sugerem que a SADC irá procurar apoio junto das Nações Unidas para o financiamento da missão.

Comores, que é também membro da SADC, ofereceu mais uma sugestão sobre a intervenção, quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros daquele país, Dhoihir Dhoulkamal, prometeu durante uma reunião em Maputo que o seu país forneceria apoio de inteligência no âmbito da estrutura proposta pela SADC. Dhoulkamal também disse que “com o tempo [o seu governo] definirá claramente qual será a contribuição” para a Força em Estado de Alerta. Como esperado, haverá uma componente de inteligência para o desdobramento, sendo que uma estrutura de desdobramento final ainda não foi decidida.

Outra variável na iniciativa é o possível papel de Ruanda no desdobramento da SADC. Um porta-voz militar ruandês disse à imprensa que Kigali tem planos de enviar tropas para Cabo Delgado, mas que “os planos ainda não foram finalizados”. A SADC negou qualquer conhecimento de um potencial desdobramento do Ruanda, afirmando que não tinha sido informado pelo governo moçambicano. No entanto, fontes no terreno afirmam que já existem cerca de 200 soldados ruandeses em Cabo Delgado, recolhendo informações para um destacamento mais substancial no futuro.

Resposta do Governo

A luta para regressar à vida normal nos limites da zona de conflito continua em Cabo Delgado. No distrito de Macomia, o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique e o governador de Cabo Delgado aproveitaram uma manifestação a 25 de Junho para exortar os civis a regressarem às áreas costeiras do distrito, incluindo Pangane. Os líderes ofereceram garantias de que a área ao redor de Pangane agora está segura e que os civis podem pescar lá sem medo dos ataques dos insurgentes. Os insurgentes estavam activos em Pangane pelo menos até o mês passado, mas pessoas que foram deslocadas da costa para a vila e Macomia relatam que as tropas governamentais estão a envidar esforços no sentido de proteger a área. As mesmas pessoas dizem que o governo os exortou a não falar com a imprensa  sobre as operações do governo na parte este de Macomia.

A oeste, na vila de Mueda, tais níveis de optimismo são difíceis de encontrar. Uma combinação de falta de recursos devido ao conflito, aumento populacional causado pelo deslocamento e um colapso na infraestrutura bancária provocou uma subida do custo dos bens de primeira necessidade. Um quilo de peixe que custa 2,37 dólares norte-americanos em Montepuez - a próxima grande vila ao sul de Mueda - é o dobro em Mueda. Da mesma forma, um galo que custaria 3,95 dólares norte-americanos em Montepuez é vendido por 11,85 dólares norte-americanos em Mueda. A situação está atraindo especuladores, que são capazes de atender a alguma demanda, mas os preços ainda não baixaram.

Embora os preços sejam mais baixos na vila de Montepuez, os civis deslocados exigem acesso a senhas que os habilitem a comprar bens alimentares. De acordo com uma fonte local, as senhas estão sendo distribuídos apenas para pessoas deslocadas que vivem em campos de reassentamento, deixando do lado a grande maioria dos deslocados com uma capacidade comparativamente reduzida de comprar alimentos, num momento em que as senhas estarão provavelmente  a contribuir para o aumento dos preços dos produtos. O sistema de distribuição de senhas parece ser uma tentativa de limitar o desvio da ajuda alimentar, mas se o programa impedir que a maioria dos deslocados receba assistência, corre o risco de causar mais danos do que benefícios.

No âmbito internacional, fora da SADC, uma potencial missão militar da União Europeia (UE) para treinar tropas moçambicanas poderá ser discutida por ministros dos Negócios Estrangeiros da UE numa reunião a ter lugar no dia 12 de Julho. O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, disse à imprensa que espera que a missão receba a aprovação final na reunião.

Em uma reunião da Coligação contra o Estado Islâmico, liderada pelos EUA, o ministro das Relações Exteriores da Itália pediu a criação de uma força-tarefa dedicada a enfrentar o Estado Islâmico em África. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, endossou a ideia, embora nenhum detalhe tenha sido apresentado sobre como seria o trabalho da força-tarefa. Moçambique, entretanto, participou na reunião como observador.

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