Cabo Ligado Semanal: 28 de Junho-4 de Julho
Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Julho 2021
2 Julho 2021.
Número total de ocorrências de violência organizada: 912
Número total de vítimas mortais de violência organizada: 3,084
Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,448
Resumo da Situação
Na última sexta-feira, houve registo de incidentes de violência em três partes da zona de conflito em Cabo Delgado, com os insurgentes protagonizando ataques de pequena escala. No distrito de Muidumbe, um grupo de cerca de 10 insurgentes atacou a aldeia de Namande, no início da tarde de 2 de Julho. Eles chegaram trajados de uniformes da força de segurança moçambicana, mas rapidamente abriram fogo contra civis e milícias locais. Findo o ataque e a posterior retirada dos insurgentes, contabilizaram-se sete civis e três milicianos mortos. Durante o ataque, os insurgentes também incendiaram várias casas.
O ataque à Namande gerou uma preocupação especial em duas vertentes. A primeira surgiu do facto de Namande estar próximo da fronteira com o distrito de Mueda e a apenas 25 quilômetros da vila de Mueda. Os civis em Mueda temiam que o ataque de sexta-feira em Namande sinalizasse uma grande ofensiva dos insurgentes em Mueda. No entanto, tal ataque não aconteceu. A outra preocupação, mais imediata, é de que Namande era uma das três aldeias do distrito de Muidumbe, onde os civis começaram a retornar depois de serem deslocados para Mueda. As outras duas - Miteda e Lutete - estão mais perto da vila de Mueda do que Namande, mas a aparente impunidade com que os insurgentes foram capazes de realizar o ataque Namande pode fazer com que os civis que retornaram voltem mais uma vez a fugir.
Mais a este, houve relatos de um confronto entre insurgentes e forças do governo em Diaca, distrito de Mocímboa da Praia. Os insurgentes teriam iniciado o ataque, mas foram repelidos pelas tropas governamentais. Diaca é uma vila estrategicamente importante na estrada que liga Mueda e Mocímboa da Praia.
A sul de Diaca, na costa do distrito de Macomia, pescadores que praticavam as suas actividades nas Ilhas Quifula e Magundula relataram ter sido retidos por insurgentes que roubaram o seu pescado. Não foram relatados feridos. Os incidentes aconteceram perto da costa de Pangane, local o qual o chefe da polícia de Moçambique e o Governador de Cabo Delgado garantiram estar seguro há sensivelmente duas semanas. Depois de terem sido retidos, os homens seguiram para Ilha Matemo, onde civis evacuaram suas aldeias e dormiram no mato na noite de 2 de Julho, com receio de um eventual ataque insurgente.
Relatos sobre as consequências da batalha pelo distrito de Palma também vieram à tona ao longo da semana passada. Entre os civis, centenas dos que foram ameaçados pelos recentes ataques dos insurgentes em vilas ao sul de Palma fizeram uma perigosa viagem por terra até o distrito de Nangade. De acordo com os moradores de Nangade, muitos civis deslocados chegam ao distrito sem ter comido nada durante o percurso.
Ainda assim, no aspecto militar o governo reivindicou um grande sucesso na defesa das aldeias ao redor de Palma. O comandante interino do teatro Afungi, Francisco Assane, disse à imprensa na semana passada que, entre 21 e 29 de Junho, as forças governamentais mataram cerca de 150 insurgentes em confrontos em Palma. Ele também disse que suas tropas capturaram 39 insurgentes em Monjane, ao sul de Quitunda, no dia 27 de Junho. O comandante do Exército, Cristóvão Chume, fez eco a Assane e afirmou que suas tropas resgataram mais de 100 civis detidos por insurgentes no sul do distrito de Palma durante a última fase dos combates.
Foco do Incidente: Considerações do Governo Sobre as Mulheres na Insurgência
Entre as pessoas que o Governo reivindica ter capturado em Monjane está uma mulher que, segundo o coronel Assane, serviu como transportadora e espiã nas fileiras dos insurgentes. Assane disse à imprensa que a mulher havia entrado na insurgência por meio de uma combinação de ameaças e incentivos financeiros, com os insurgentes oferecendo dinheiro em troca de informações e ameaçando matá-la caso ela desertasse para o lado do governo. Ela ameaçou desertar apesar das ameaças e foi atacada com uma faca como punição. Ela informou sobre o movimento das tropas do governo de Quitunda e recebeu 200 meticais (3,15 dólares norte-americanos) por cada relato. Os pagamentos foram coordenados por um homem que vivia em Monjane - não está claro se ele também foi capturado.
Na semana passada, Assane e o general Chume ambos expressaram preocupação com o papel que as mulheres estão a desempenhar na insurgência, usando a história da mulher como um exemplo ilustrativo. Eles não destacaram a perspectiva de mulheres combatentes, mas, em vez disso, apontaram o papel que as mulheres podem desempenhar como elo entre os insurgentes e as populações civis. Assane referiu que as mulheres podem transportar armas secretamente para os insurgentes, embora não tenha dado nenhum exemplo que esteja a ocorrer em Cabo Delgado.
O relato que Assane descreveu da história da mulher é notável pelos detalhes que fornece com relação ao mecanismo dos insurgentes para a obtenção da assistência civil (ou pelo menos a compreensão do governo sobre esse processo), mas também como um sinal do crescente interesse do governo pelas mulheres no conflito. As mensagens anteriores do governo sobre a insurgência se concentraram quase exclusivamente em jovens que supostamente constituem a maior parte da força de combate dos insurgentes e os alvos de recrutamento da insurgência. Por um lado, o aumento da atenção às mulheres como combatentes provavelmente reflete a realidade local. Há muito tempo há especulação entre os civis da linha de frente de que as mulheres desempenham exatamente o papel duplo que Assane descreveu, trabalhando como elos vitais entre os grupos insurgentes e civis. Por outro lado, no entanto, dado o histórico das forças de segurança moçambicanas de maltratar mulheres acusadas de colaborar com a insurgência, as crescentes suspeitas podem constituitir um mal tanto aos civis como ao Governo a longo prazo.
Resposta do Governo
Na semana passada, houve notícias positivas no âmbito humanitário quando a União Europeia anunciou uma Ponte Aérea Humanitária para levar mantimentos a Cabo Delgado. A operação consiste em três voos da Itália para Pemba, sendo que o primeiro aterrou no passado dia 3 de Julho. Os voos vão transportar 15 toneladas de suprimentos, incluindo equipamentos para a resposta humanitária e kits de emergência para civis deslocados.
No entanto, as preocupações com a entrega de ajuda local continuam. O bispo católico de Pemba, António Juliasse, acusou na semana passada as autoridades de Cabo Delgado de desviar dinheiro destinado a apoio humanitário e projectos de desenvolvimento para benefício pessoal. Juliasse não quis citar nomes, mas disse que muito do dinheiro destinado aos necessitados de Cabo Delgado está sendo gasto em “grandes carros, grandes salários, grandes alojamentos, grandes seminários, luxuosos”. Suas críticas, que ilustram a reputação da Igreja como um voz independente em Cabo Delgado, parecem visar a indústria da ajuda à medida que esta se torna mais estabelecida na província.
No entanto, muitos segmentos do processo de entrega da ajuda não estão suficientemente estabelecidos. Civis deslocados que chegam na praia de Paquitequete em Pemba relatam terem sido retidos na praia por horas - às vezes durante a noite - enquanto as forças governamentais verificam as condições de segurança. Os deslocados ficam confinados numa barraca na praia que é inadequada para protegê-los dos do inverno e muitas vezes não têm acesso a tratamento médico. Entre os que ficam na praia sem tratamento incluem pessoas que padecem de malária, puérperas e pessoas que sofrem de doenças mentais. Até 6 de Julho, nenhuma equipa médica do governo esteve na praia há dias.
Os progressos atinentes à intervenção militar estrangeira em Cabo Delgado também continuaram na semana passada. No dia 30 de Junho, 27 Estados-Membros da UE aprovaram, em princípio, uma missão de treino militar da UE em Moçambique. O plano que aprovaram indica que deverão ser enviados formadores e “equipamento não letal” a Moçambique para uma missão de 28 meses com o objectivo de melhorar a capacidade dos militares moçambicanos para lutar em Cabo Delgado. O general do exército português Nuno Lemos Pires, que actualmente actua como vice-director de política de defesa no Ministério da Defesa português e escreveu livros sobre o Estado Islâmico e a estratégia de contra-insurgência, deverá liderar a missão. A aprovação final da missão terá lugar a 12 de julho, numa reunião do Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE.
Ainda não surgiram novos detalhes sobre o plano de intervenção da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Cabo Delgado, mas a imprensa Zimbabweana relata que a Brigada 5 baseada em Kwekwe está a se preparar para ser enviada a Moçambique. Brigade 5 é a força de prontidão do Zimbábue e, portanto, seria a primeira tropa do Zimbábue a ser enviada em qualquer cenário de intervenção. Os preparativos, no entanto, não oferecem nenhuma indicação do cronograma para o destacamento da SADC. Antes que qualquer destacamento possa ocorrer, a SADC deve primeiro encontrar financiamento para a missão e determinar a estrutura e o mandato público da força da SADC.
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