Cabo Ligado Mensal: Maio de 2021
Maio em Relance
Estatísticas Vitais
ACLED registrou 23 ocorrências de violência política organizada em Maio, resultando em 49 mortes.
A maioria das mortes ocorreu no distrito de Palma, onde as incursões de insurgentes na vila de Palma e seus arredores e confrontos subsequentes com as forças do governo resultaram em 25 mortes.
Outras ocorrências tiveram lugar nos distritos de Ibo, Macomia, Mocimboa da Praia, Muidumbe e Nangade
Tendências Vitais
As ofensivas das forças governamentais em Nangade e no distrito de Mocimboa da Praia têm produzido resultados indeterminados até o momento, mas mostram o interesse do governo em fazer uso das capacidades recém-adquiridas para obter vantagem
Os deslocados no distrito de Palma continuaram a enfrentar grandes ameaças para fugir do distrito, incluindo um aumento nos ataques de insurgentes a embarcações em trânsito de Palma para Pemba
As tensões entre as populações deslocadas e as comunidades anfitriãs aumentaram em Maio, uma vez que os obstáculos burocráticos impediram a distribuição de ajuda e partilha de terra
Nesta Relatório
Avaliação de relatos de que um recrutamento significativo de insurgentes está a ocorrer nos centros de reassentamento de deslocados
Análise dos desafios decorrentes da resposta aos desastres naturais em Cabo Delgado agora que o deslocamento é um problema generalizado
Enquadramento para a entrada tardia de Ruanda nas discussões internacionais sobre a intervenção em Cabo Delgado
Actualização sobre as negociações que Moçambique está a levar a cabo no sentido de garantir apoio externo no âmbito do esforço de contra-insurgência
Resumo da Situação em Maio
À medida que o conflito de Cabo Delgado avançava em Maio, provavelmente o acontecimento mais notável foi o que não aconteceu. Muitos presumiram que a Reunião Extraordinária da Dupla Troika da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), que finalmente teve lugar a 27 de Maio, resultaria num movimento claro no sentido de uma intervenção militar regional em Cabo Delgado. Em vez disso, nenhuma decisão clara foi tomada na reunião e as negociações sobre o envolvimento estrangeiro no conflito se arrastaram.
No que concerne ao envolvimento internacional na questão do desenvolvimento, no entanto, houve um avanço significativo. No final de Abril, o Banco Mundial anunciou que havia assinado um acordo de financiamento de $100 milhões de dólares norte-americanos para a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte de Moçambique, e que abriria $700 milhões de dólares norte-americanos em outros fundos para que Moçambique tivesse acesso a fim de apoiar projetos de desenvolvimento nas províncias do norte. Essa generosidade não foi correspondida, no entanto, no campo da assistência humanitária, onde os apelos para apoiar a assistência alimentar crucial e outros programas continuam sub financiados.
Na expectativa de garantir a ajuda que está sendo actualmente distribuída e fugir da violência em curso, os civis deslocados correm sérios riscos para abandonar a vila de Palma. Isso inclui viajar de barco para o sul até Pemba, correndo o risco de ser emboscado por insurgentes ao longo do caminho. Houve pelo menos quatro incidentes de sequestro nas proximidades da costa levado a cabo por insurgentes ao longo dessa rota em Maio. Os civis também tentaram caminhar a norte, até a Tanzânia, ou a oeste, para chegar a Nangade. Ambas rotas são perigosas de diferentes maneiras A rota a oeste faz com que os civis atravessem territórios contestados por insurgentes e forças governamentais, enquanto a rota a norte está sujeita a ataques de insurgentes, e uma deportação severa por parte autoridades tanzanianas que aguardam os civis do outro lado da fronteira. No total, no final de Maio, mais de 64.000 pessoas fugiram de Palma e chegaram a outro lugar desde o ataque de 24 de Março à vila.
Para os deslocados que já estão no sul da província, a superlotação e as disputas de terra com as comunidades anfitriãs estão a tornar-se num verdadeiro desafio. Isso foi confirmado por uma comissão parlamentar que elogiou as autoridades locais pela forma como estão a lidar com as disputas até o momento. Ainda assim, como o governo continua a evitar qualquer esforço sistemático para garantir que as pessoas deslocadas possam voltar para suas casas no futuro, cresce a preocupação de que o que parece ser um reassentamento temporário na verdade seja permanente. Entre os deslocados, tal preocupação está a alimentar teorias de que o conflito existe em grande parte como um pretexto para privá-los de terras nas quais viveram, cultivaram e pescaram por muito tempo. Entre as comunidades anfitriãs, essa situação comporta riscos de um futuro no qual a competição pela terra será muito mais dura, estimulando-as a agir contra os deslocados agora para garantir uma vantagem nessa competição.
O recrutamento nos centros de reassentamento de deslocados
As preocupações sobre a infiltração de insurgentes entre as populações deslocadas em Cabo Delgado aumentaram consideravelmente desde o ataque de 24 de Março a Palma. Deslocadas que fogem de Palma de barco expressaram preocupação com os insurgentes que viajaram com eles, levando o governo a instituir medidas de segurança draconianas quando atracaram na praia de Paquitequete, na cidade de Pemba. Houve casos em que as forças do governo mantiveram os barcos que transportavam deslocados internos esperando para atracar por até 11 horas, enquanto realizavam verificações de segurança que consistiam principalmente em inspecionar a bagagem dos passageiros. Suspeitas de infiltração de insurgentes também foram registradas em Quitunda, onde o governo dificultou a evacuação das pessoas retidas por medo da presença de insurgentes entre a população.
Desde então, as autoridades começaram a exigir maior vigilância da população na vigilância de possíveis atividades insurgentes, especialmente em locais com maior fluxo de pessoas deslocadas, como centros de deslocados internos. Relatos de atividades insurgentes em centros de deslocados internos são raros e raramente verificados. Em Maio, Cabo Ligado relatou um incidente no qual uma mulher que trabalhava em sua horta perto de um centro de reassentamento no distrito de Metuge afirmou ter visto insurgentes na área, o que levou à fuga em massa de pessoas deslocadas do centro. A alegação acabou sendo falsa, mas o medo que motivou a resposta era real. Alguns voluntários que trabalham em centros de deslocados internos relataram casos em que pessoas suspeitas de serem insurgentes causaram agitação. Os indivíduos em questão foram denunciados às autoridades, mas pouco foi feito em termos de investigação destes casos. A proximidade dos centros de reassentamento eleva a possibilidade de denúncia de atividades insurgentes notáveis, já que há pouca privacidade e qualquer comportamento suspeito pode ser visto por muitos.
Se os insurgentes desejam expandir suas áreas de controle, bem como consolidar áreas em sua posse, eles precisam aumentar sua capacidade e tamanho do grupo por meio de recrutamento. Com a maioria das vilas atacadas por insurgentes desertas ou despovoadas, os centros de deslocados parecem, à primeira vista, locais atraentes para recrutamento, pois hospedam um grande número de pessoas vulneráveis. No entanto, há um enorme desequilíbrio de gênero nos centros de deslocados internos que tornaria esses lugares pouco atraentes para os insurgentes. De acordo com um relatório da IOM, das mais de 60.000 pessoas deslocadas pelo ataque de Palma que estão em abrigos, 31% são mulheres, 41% são crianças e apenas 26% são homens. Apesar de haver uma tendência crescente para o recrutamento de crianças, os insurgentes optam na maioria por recrutam principalmente jovens adultos, principalmente do sexo masculino.
As mulheres em centros de reassentamento têm seus próprios pontos de vista sobre as origens deste desequilíbrio entre os sexos, de acordo com um estudo recente publicado pela ONG moçambicana, Organização do Meio Rural (OMR). Algumas mulheres nos centros de reassentamento cujos maridos não estão com eles, acreditam que eles foram mortos, detidos ou encontram-se de certa maneira ligados à insurgência. Existem duas razões principais pelas quais os homens ficam para trás quando suas esposas deslocam-se para os centros de reassentamento. A primeira é que eles têm medo de serem confundidos com insurgentes pelas autoridades. Vários indivíduos foram detidos e torturados pelas autoridades e posteriormente considerados inocentes por falta de provas. Ou simplesmente nunca reapareceram. O segundo motivo é o medo de cair nas mãos do grupo insurgente. Os insurgentes frequentemente capturam civis que fogem da violência tanto em terra quanto no mar. Com a jornada tão traiçoeira para os homens propícios ao recrutamento, algumas famílias preferem apenas enviar mulheres e crianças para centros de deslocados.
Alguns sugerem que várias mulheres em centros de reassentamento possuem parentes envolvidos na insurgência. Comportamentos tais como falar constantemente ao telefone ou gastar dinheiro de forma extravagante leva a suspeitas de conexões com insurgentes. Se há recrutamento em centros de reassentamento, é provável que seja feito por familiares ou contatos insurgentes entre os deslocados internos.
Em vez de se concentrar nos centros de reassentamento, os insurgentes continuam a recrutar nos locais que atacam. O recrutamento forçado continua a ser a principal forma de recrutamento porque os civis capturados sabem que, se eles não se juntarem à insurgência, eles poderão ser mortos. Durante um recente ataque a Pangane, os insurgentes capturaram vários adolescentes de 15 a 16 anos. No entanto, muitos outros foram voluntariamente. Os insurgentes têm mecanismos para transformar esses recrutas em combatentes -- pessoas que fugiram dos cativeiros dos insurgentes relataram que o grupo está a realizar treinamento militar em seus acampamentos. No futuro, os insurgentes irão exigir mais membros. Como as pessoas fogem de vilas e aldeias, os insurgentes provavelmente irão olhar para os centros de reassentamento para recrutamento. No entanto, o recrutamento não será fácil devido ao crescente nível de vigilância nos centros.
Resposta a Desastres na Era dos Deslocamentos
Quando o ciclone Kenneth atingiu Cabo Delgado no dia 25 de Abril de 2019, ficou registada como a tempestade tropical mais forte a atingir Moçambique na sua história. A tempestade atingiu as áreas costeiras da província, matando 45 pessoas - a maioria no distrito de Macomia - e danificando ou destruindo 50.000 casas. Mais de 20.000 foram deslocados pela tempestade, que na época representou um grande aumento no deslocamento geral na província.
Em publicações subsequentes de agências humanitárias e doadores, mal mencionam o conflito de Cabo Delgado como um factor de complicação na resposta ao ciclone. Em um relatório representativo elaborado pela Oxfam, Save The Children e Care International após a tempestade, a insegurança foi destacada como um factor de complicação na distribuição de ajuda às pessoas afetadas, mas qualquer análise real do conflito foi considerada "fora do escopo” do estudo. As agências humanitárias e doadores, no entanto, destacaram muitos dos problemas que viriam a ser questões importantes à medida que o conflito levou o deslocamento a patamares anteriormente inimagináveis nos dois anos subsequentes. O mesmo relatório, por exemplo, anteviu as tensões actuais entre os deslocados e as comunidades anfitriãs, sinalizando que "uma maior consulta com as pessoas em locais de trânsito é necessária sobre os planos de reassentamento" e "as comunidades vizinhas devem ser incluídas no diálogo construtivo para mitigar o conflito relacionado com o aumento populacional.”
Atualmente, com o conflito resultando no deslocamento de pouco mais de 730.000 pessoas, a ideia de uma resposta a um desastre natural em Cabo Delgado em que o conflito não seja uma preocupação central parece incrivelmente remota. Afortunadamente, as épocas de ciclones de 2020 e 2021 não produziram nada na escala do ciclone Kenneth. À medida que as alterações climáticas aumentam a intensidade e frequência das tempestades, no entanto, é apenas uma questão de tempo até que outro grande evento meteorológico atinja Cabo Delgado. De fato, Cabo Delgadose viu escapar em Abril, quando o ciclone tropical Jobo parecia se dirigir para província antes de desviar para o norte e atingir a Tanzânia.
À medida que as agências de ajuda iniciam os seus preparativos para a época de ciclones de 2022, vale a pena refletir sobre os desafios que enfrentam ao confrontar os desastres naturais em Cabo Delgado na era atual de deslocamento em massa. Por um lado, os abrigos para os deslocadas não são resistentes às chuvas sazonais, muito menos às grandes tempestades. Relatórios de centros de reassentamento no distrito de Metuge durante a estação chuvosa mostraram pessoas em abrigos improvisados lutando com a lama causada pela precipitação. A maior parte da assistência em abrigos consiste em lonas, colchões de dormir e redes mosquiteiras - equipamento crucial, sem dúvida, mas nada para sobreviver a um ciclone.
Mesmo para a maioria das pessoas deslocadas que vivem em casas particulares, uma tempestade agravaria rapidamente muitos dos problemas que já enfrentam. Uma avaliação das necessidades de Maio pela Solidarités International descobriu que “no distrito de Mueda e Nangade [dois dos mais importantes pontos de trânsito e destinos para pessoas deslocadas] o acesso à água em termos de quantidade e qualidade é escasso”. As preocupações com a água pioram muito após as enchentes, quando as fontes de água anteriormente limpas acumulam novos poluentes e aumenta a ameaça de doenças transmitidas pela água. Os trabalhadores humanitários destacaram repetidamente a ameaça de novos surtos de cólera na sequência de qualquer tempestade futura em Cabo Delgado.
Fundamentalmente, as organizações de ajuda ainda carecem de recursos financeiros e humanos para planificar com eficácia o próximo desastre natural em Cabo Delgado. Com o apoio financeiro internacional incerto e os grupos de ajuda ainda a lutar para trazer seus funcionários para Moçambique em face a aparente intransigência do governo em relação aos vistos, os trabalhadores humanitários enfrentam preocupações reais sobre sua capacidade de desenvolver respostas ágeis o suficiente para fornecer resposta a grandes desastres naturais em um ambiente de conflito. Parece ter havido um ligeiro degelo na frente de vistos no final de Maio, com pelo menos um grande grupo humanitário internacional relatando aprovações de vistos limitadas para funcionários que tentam entrar em Moçambique, mas o ritmo ainda é preocupantemente lento.
No entanto, existem alguns aspectos positivos na planificação da resposta a desastres na situação atual. Em primeiro lugar, como uma proporção tão elevada da população costeira vive agora nas margens da zona de conflito, muito mais pessoas estão perto de uma grande estrada pavimentada do que estariam em tempos normais. Isso facilita a evacuação, permitindo às pessoas uma chance melhor de sair da rota de uma tempestade. Também melhora o acesso ao fornecimento de ajuda após a tempestade. O ciclone Kenneth cortou 14 estradas e causou o rompimento de cinco pontes no centro-leste de Cabo Delgado. Ao limitar os problemas de acesso causados pela fraca infraestrutura de transporte da província, o movimento em massa fora da zona de conflito tornará mais fácil chegar a mais pessoas com ajuda vital.
Em segundo lugar, os desastres naturais oferecem uma oportunidade para organizar uma resposta inclusiva. Um trabalhador humanitário envolvido na planificação para a época de ciclones do próximo ano disse que sua organização estava a se concentrar no recrutamento de equipes de voluntários que atraíam metade das populações deslocadas e a outra metade das comunidades anfitriãs. Esses tipos de esforços coletivos utilizam as habilidades subestimadas das pessoas deslocadas e constroem laços sociais entre as comunidades deslocadas e as anfitriãs, que serão cruciais para lidar com o conflito entre as duas.
Ruanda entra em cena
A entrada de Ruanda na constelação de interesses em Cabo Delgado, no final de Abril esteve, em retrospectiva, talvez não da forma esperada. O envolvimento de indivíduos e grupos armados da região dos Grandes Lagos tem sido documentado quase desde o início do conflito, dando a Ruanda um interesse legítimo no conflito. No entanto, a ligação do Ruanda a Cabo Delgado remonta há pelo menos 45 anos, quando o jovem de 19 anos de Fred Rwigyema era um dos 28 homens, liderados por Yoweri Museveni, que passou dois anos no distrito de Montepuez a ser treinado pela Frelimo. Museveni liderou o Exército de Resistência Nacional de Uganda (NRA) e, eventualmente, o próprio Uganda até hoje. O Major General Rwigyema subiu na hierarquia do NRA antes de liderar a primeira incursão da recente Frente Patriótica Ruandesa (RPF) em Ruanda em 1990, apenas para ser morto no segundo dia. Seu sucessor no RPF, Paul Kagame, lidera o Ruanda desde 2000.
O mês de Maio de 2021 viu o retorno de Ruanda a Cabo Delgado, com um grupo de reconhecimento supostamente viajando para a província na sequência da reunião do Presidente Filipe Nyusi com o Presidente Kagame que teve lugar no dia 28 de Abril. Na reunião, Nyusi teria feito um pedido bilateral de assistência militar para conter a insurgência. Desde então, Ruanda tem se ocupado diplomaticamente, procurando reafirmar sua influência na África Austral. O resultado final desses esforços dependerá de como Ruanda irá equilibrar suas ambições contra os interesses por vezes concorrentes das principais potências da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e os interesses das potências ocidentais. Até então, o enfoque de Ruanda está na Tanzânia, África do Sul e Moçambique.
Paralelamente à missão de reconhecimento do Ruanda a Cabo Delgado, na segunda semana de Maio, o Chefe do Estado-Maior da Defesa do Ruanda, General Jean Bosco Kazura, e o Inspector Geral da Polícia (IGP) Dan Munyuza, passaram cinco dias na Tanzânia para conversações com os seus homólogos General Venance Mabeyo e IGP Simon Sirro. Publicamente, a colaboração no contraterrorismo estava no topo da agenda. Em uma declaração em vídeo divulgada nas redes sociais, IGP Sirro notou que recrutas de Ruanda, bem como da Tanzânia, estão a juntar-se à insurgência em Cabo Delgado. IGP Munyuza se comprometeu a “confrontar os terroristas e derrotá-los” e continuar com a colaboração no futuro.
Ambos os países compartilham doutrina militar similarmente dura quando confrontados por Grupos Armados Não-Estatais (NSAG). O ’Relatório de Mapeamento’ de abusos levado a cabo pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas apresentou evidências de alegados crimes de guerra cometidos por forças ruandesas na República Democrática do Congo (RDC) na Primeira e Segunda Guerras do Congo de 1996 e 1998. Ironicamente, a incursão do Ruanda em 1998 motivou a intervenção da SADC. O desafio dos NSAGs na Tanzânia foi menos acentuado, mas a reação das forças de segurança foi igualmente severa. O surgimento no distrito de Kibiti, região de Pwani de um NSAG de ideologia extremista, e com laços com Cabo Delgado e Kivu do Norte na RDC, levou a uma repressão pelas forças de segurança da Tanzânia, na qual centenas de pessoas foram supostamente mortas ou desapareceram. Mais recentemente, em uma cerimônia de graduação para cadetes das Forças de Defesa do Povo da Tanzânia (TPDF) eles perceberam que o principal desafio que enfrentam é o terrorismo, tanto no sul do país quanto em comunidades em outras áreas da Tanzânia . O orador da formatura, o general Paul Simuli, alertou os cadetes para não se sentirem tentados a ingressar em nenhum grupo terrorista, já que mesmo grupos insurgentes poderosos como os Tigres da Libertação do Tamil Eelam (LTTE) foram derrotados. O aviso de Simuli é particularmente sombrio, já que a campanha das forças de segurança do Sri Lanka contra o LTTE envolveu assassinatos e detenções ilegais, desaparecimentos, tortura e estupro sistemático, conforme determinado por uma investigação em 2015 da Organização das Nações Unidas.
Tanzânia não demonstrou qualquer desejo de formalmente intervir no conflito de Cabo Delgado, mas deseja vê-lo sob controlo. Uma força de Ruanda trataria de seus interesses e provavelmente o faria de uma forma que simpatizasse com a Tanzânia. No entanto, para que isso aconteça, algum tipo de aprovação da SADC será necessária, e o acordo da África do Sul será necessário para sustentá-lo.
As relações entre a África do Sul e Ruanda estagnaram com a expulsão dos diplomatas ruandeses Claude Nikobisanzwe e Didier Rutembesa de Pretória, após o assassinato de Patrick Karegeya, ex-chefe da inteligência militar em Ruanda e posteriormente fundador do partido da oposição Congresso Nacional de Ruanda. Nos anos subsequentes, Moçambique tornou-se o fulcro da actividade do estado ruandês na África Austral e um dos seus postos mais importantes. A nomeação de Claude Nikobisanzwe como o primeiro Alto Comissário do Ruanda em Maputo em 2018 veio após dois anos como Secretário Permanente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional em Kigali.
A detenção do dissidente ruandês exilado jornalista Cassien Ntamuhanga a 23 de Maio na ilha de Inhaca em Maputo, suscita preocupações de que Maputo possa finalmente ceder à pressão de Kigali para entregar dissidentes baseados em Moçambique. A ONG moçambicana Centro Para Democracia e Desenvolvimento vê a detenção e suspeita de prisão de Ntamuhanga no Alto Comissariado do Ruanda como o culminar dos esforços do Presidente Paul Kagame para obrigar Moçambique a lidar com dissidentes ruandeses, esforços que remontam, pelo menos, a 2016.
No centro das manobras de Ruanda, entretanto, está a África do Sul. Isso levou aos encontros entre o Ministro dos Negócios Estrangeiro Vincent Biruta em Pretória em 4 de junho com Naledi Pandor, seu homólogo sul-africano, e no princípio do mesmo dia com o presidente tanzaniano Samia Suluhu Hassan em Dar es Salaam. Embora as declarações públicas tenham sido cordiais, a África do Sul enfatizou a importância de respeitar "a integridade territorial e a soberania nacional". Preocupações sobre a soberania da África do Sul em relação a Ruanda são actuais. Em Fevereiro deste ano, um líder do Congresso Nacional de Ruanda, Seif Bamboriki, foi morto a tiros em circunstâncias pouco claras na Cidade do Cabo.
A Cimeira Extraordinária da SADC agendada para 23 de Junho deverá ser o local para finalizar esta corrida diplomática. Embora a Tanzânia tenha um interesse comum em lidar com redes terroristas em seu território, será cauteloso em dar carta branca a Ruanda em Cabo Delgado. As preocupações da África do Sul são mais profundas. A experiência recente sugere que pode não haver um resultado conclusivo da cúpula.
Atualização Internacional
Os preparativos da União Europeia (UE) para apoiar Moçambique progrediram em Maio. Os ministros da defesa da UE reuniram-se no dia 6 de Maio e foram informados pelo chefe da política externa da UE, Josep Borrell, que está a pressionar para um envio de uma Missão de Formação da UE (EUTM) antes do final do ano. As EUTMs são essencialmente missões técnicas e de treinamento, mas incluem soldados para proteger os formadores. A missão seria, de acordo com Borrell, semelhante ao Mali EUTM, que tem cerca de 150 funcionários destacados. Existem algumas expectativas de que a missão possa funcionar como um programa piloto no âmbito do novo Fundo Europeu para a Paz, para fornecer equipamento militar ao governo de Moçambique. Borell disse à imprensa no dia 28 de Maio que já se encontrava no terreno em Moçambique uma missão de apuramento de factos “a avaliar a possibilidade e modalidades desta missão.”
O ministro da Defesa de Moçambique, Jaime Neto, esteve em Portugal no dia 10 de Maio e assinou um acordo bilateral de segurança de 5 anos que irá ver mais 60 operadores de forças especiais portugueses destacados para realizar formação adicional com as forças de segurança moçambicanas nos próximos meses. Sessenta instrutores foram enviados em Abril.
Em meados de Maio, Nyusi esteve em Paris para uma visita bilateral e também participou da cúpula do Financiamento da Economia para África, que reuniu 15 líderes africanos e europeus, bem como chefes de instituições financeiras internacionais para discutir opções para gerenciar os desafios da dívida na África. No dia 17 de Maio, encontrou-se com o Presidente Macron e com o chefe da Total, Jean Pouyanne, com vista a convencer ambos de que pode restabelecer a segurança em Cabo Delgado. Após o desastre de Palma, um plano de segurança convincente que convença a Total e os franceses tornou-se uma prioridade urgente para Maputo, que está compreensivelmente ansiosa para colocar o gás natural liquefeito de volta aos trilhos. A Total comprometeu-se a voltar quando a situação estiver calma. Chegar a um acordo sobre como isso será e como a segurança será fortalecida é agora fundamental. As previsões de um modelo de “Iraqificação” (isto é, privilegiando a segurança dos principais interesses estratégicos acima das necessidades de segurança mais amplas da população) parecem estar se revelando.
As especulações à frente da cúpula sugeriam que Nyusi aceitaria o apoio dos militares franceses, até mesmo a possibilidade de um deslocamento direto, o que é muito improvável. A França repetiu sua oferta de ajuda, mas o que isso significa em termos práticos não está claro. Nyusi enfatizou a importância de um acordo formalizado entre os países antes que qualquer envio de forças possa acontecer; evidentemente, esse acordo ainda não existe . Uma recente reaproximação entre a França e o Ruanda, juntamente com a visita de Nyusi a Kigali em 28 de Abril e uma visita a Cabo Delgado por oficiais de segurança ruandeses, alimentou especulações de que a França poderia até subscrever uma intervenção de segurança ruandesa. Macron deixou claro nas suas visitas subsequentes à África do Sul em 27-28 de Maio (precedidas por uma visita a Kigali) que qualquer apoio francês exigiria um pedido de Moçambique e a aprovação da SADC. Macron sugeriu explicitamente que o apoio francês poderia envolver operações navais baseadas em território francês no Oceano Índico. Em Paris, Nyusi também se reuniu com o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, que atualmente ocupa a presidência da UE. Costa teria aberto as portas para o desenvolvimento de apoio a Moçambique para os diferentes ramos das forças armadas.
Nyusi também se reuniu com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa no dia 17 de Maio na França onde discutiram sobre Cabo Delgado. A 21 de Maio, a Ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul,Naledi Pandor, que também se encontrava em Paris, anunciou que a reunião atrasada da Troika da SADC seria convocada para a semana de 24 de Maio. Ela supostamente exortou a SADC a desenvolver uma acção militar e deseja que Moçambique aceite as recomendações de intervenção do órgão regional. Esta postura beligerante reflete frustrações profundas com os atrasos em curso para se chegar a um acordo, mas não cativou Maputo. No entanto, Moçambique precisa de manter Pretória ao seu lado, mesmo que a capacidade da hegemonia regional para fornecer apoio material seja ela própria limitada.
Enquanto isso, os desenvolvimentos em Moçambique estão lentamente pressionando a discussão doméstica para uma conversa mais aberta sobre o apoio regional e internacional. A Comissão Política da Frelimo reuniu-se oficialmente a 5 de Maio, a primeira vez desde a reeleição de Nyusi em outubro de 2019. Na sua declaração de encerramento, nenhuma menção foi feita a Cabo Delgado e apenas uma referência indireta foi feita ao combate ao terrorismo. A reunião abriu caminho para uma reunião do Comité Central da Frelimo a 22-23 de Maio, também a primeira desde a vitória de Nyusi na sua reeleição. Nyusi aproveitou a reunião para traçar o perfil da situação de segurança em Cabo Delgado e repetiu uma mensagem que havia feito no início do mês de que Moçambique precisava de parceiros internacionais para enfrentar a ameaça dos insurgentes.
Na reunião do Comité Central, Nyusi confirmou que a Dupla Troika da SADC se reuniria na semana seguinte, e fê-lo a 27 de Maio. No entanto, quaisquer esperanças de estabelecer uma abordagem regional para o conflito de Cabo Delgado foram novamente frustradas, refletindo a falta de resolução sobre um plano concreto de acção. A reunião concordou em convocar uma nova discussão dentro deste mês, desta vez com a reunião plena de chefes de Estado e de governo. Uma data de reunião inicial para 20 de Junho foi posteriormente prorrogada para 23 de Junho. Isto coincide com um Fórum Empresarial da SADC a ser realizado em Maputo. Será a primeira vez que os líderes regionais se reunirão como um coletivo completo desde que Moçambique assumiu a presidência da SADC, e apenas dois meses antes de passar o bastão para o Malawi. Cabo Delgado não será o único item da agenda, o que deverá tornar todo o assunto mais palatável para os seus anfitriões.
O Presidente do Botswana, Mokgweetsi Masisi, descreveu aos meios de comunicação no final de Maio diversos desafios enfrentados pelo bloco regional, reconhecendo que Cabo Delgado “estava sob intenso ataque dos insurgentes.” Ele disse que o bloco desconhece a liderança dos insurgentes e o que eles querem, afirmações contestadas por vários activistas locais e analistas que afirmam as autoridades têm conhecimento profundo dos elementos-chave da liderança dos insurgentes - pelo menos os elementos locais - e também apontam para uma série de mensagens, demandas e objetivos entregues ao longo do conflito até o momento. Masisi reiterou o compromisso da SADC em ajudar na frente militar, bem como humanitária . Lamentavelmente, a cimeira de Maio optou por não ampliar as preocupações sobre a rápida deterioração da situação humanitária em Cabo Delgado e os crescentes desafios enfrentados por ambos os actores nacionais e internacionais para lidar com a situação.Também não está claro como a região ajudará nesse sentido.
É senso comum que Maputo precisa de ajuda para reforçar a sua capacidade na luta contra os insurgentes. A questão é se isto irá além do treinamento, fornecimento e apoio logístico para a espinhosa questão de militares no terreno, conforme recomendado pela missão de Avaliação Técnica da SADC. Não é uma questão directa. Alguns analistas e profissionais apontam para o mau histórico das intervenções multinacionais e argumentam que a reticência de Moçambique e o desejo de buscar opções bilaterais é compreensível. Pode ainda ser possível desenvolver um quadro de opções de apoio bilateral que operem sob um mandato da SADC e satisfaçam todas as partes.
Detalhes sobre como o apoio da SADC seria financiado também permanecem indisponíveis. Vários países ofereceram apoio financeiro voluntário, incluindo a Arábia Saudita, que anunciou seu compromisso durante suas interações na Cúpula de Paris. Arábia Saudita já teria gasto 121 milhões de dólares norte-americanos para combater o terrorismo em África, mas nenhum detalhe sobre o que seria dedicado ao projeto de Moçambique foi divulgado. Como Joseph Hanlon observou em um boletim informativo recente, há uma certa ironia nisso, dado o papel da Arábia Saudita na gênese da radicalização em Cabo Delgado.