Cabo Ligado Semanal: 5-11 de Julho

Em Números: Cabo Delgado, Outubro 2017-Julho 2021

9 Julho 2021.

  • Número total de ocorrências de violência organizada: 917

  • Número total de vítimas mortais de violência organizada: 3,103

  • Número total de mortes reportadas de alvos civis: 1,449

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Resumo da Situação

Numa altura em que militares e elementos da polícia ruandeses escalaram Cabo Delgado na semana passada - um tema desenvolvido no Foco do Incidente desta semana - parecia haver uma pausa nos combates, uma vez que nenhum novo incidente violento foi confirmado. Em vez disso, surgiram novos relatos de incidentes anteriores, fornecendo mais clareza sobre o ponto de situação de três zonas cruciais do conflito.

Dois novos relatos do confronto de 2 de Julho em Diaca, distrito de Mocímboa da Praia, vieram à tona. O primeiro, de uma fonte próxima às operações de segurança do governo na vila, descreveu o ataque como uma tentativa séria de retirar a vila das forças governamentais. Os insurgentes chegaram em quatro veículos, mas foram forçados a recuar pelas tropas governamentais. Pelo menos um membro da Unidade de Intervenção Rápida da força policial moçambicana foi morto no ataque.

O segundo relato, também de uma fonte no local, sugere que os insurgentes capturaram dois veículos blindados da polícia no ataque. Tal parece ter sido confirmado na reivindicação do  Estado Islâmico de 13 de Julho. O Estado Islâmico afirma ter repelido um avanço das forças governamentais ao longo da estrada entre Mocímboa da Praia e Mueda - estrada na qual Diaca detém uma posição estrategicamente importante - e capturou dois veículos blindados e quatro rifles. Fotografias que acompanham a reivindicação mostram dois veículos blindados de fabricação chinesa com marcações da polícia moçambicana. A reivindicação de 13 de Julho é a primeira do Estado Islâmico em Moçambique desde o ataque de Palma de 24 de Março.

Também surgiram novos pormenores na semana passada sobre a operação insurgente de 2 de Julho em Namande, no distrito de Muidumbe, perto da fronteira com Mueda. Os insurgentes chegaram à aldeia em motorizadas, apanhando a aldeia de surpresa. No entanto,  quando os atacantes partiram, as milícias locais haviam se recuperado o suficiente para coordenar uma resposta com as forças de segurança do governo na área. As tropas moçambicanas emboscaram o grupo de insurgentes quando estes deixaram a aldeia, matando quatro insurgentes.

As pessoas que fugiram da violência em curso no distrito de Palma e chegaram a Pemba na semana passada relataram que, durante a luta pelo controlo dos arredores da vila de Palma no final de Junho, os insurgentes saquearam importantes  depósitos de armas de dois quartéis improvisados ​​do governo nos limites da vila. As tropas governamentais tinham abandonado o quartel durante os ataques dos insurgentes na área. As armas aumentam o já considerável arsenal que os insurgentes conseguiram obter de depósitos governamentais.

Foco do Incidente: Ruanda Entra na Disputa

O maior destaque noticioso da semana passada sobre Cabo Delgado não se deu na província, nem em Moçambique, mas sim em Kigali, no Ruanda. O governo do Ruanda anunciou no dia 9 de Julho que vai enviar para Cabo Delgado uma Força Conjunta de 1.000 elementos composta por militares e polícias ruandeses. De acordo com o anúncio do Ruanda, a força irá “apoiar os esforços para restaurar a autoridade do Estado moçambicano [em Cabo Delgado], conduzindo operações de combate e segurança, bem como de estabilização e reforma do sector da segurança”. O destacamento é juridicamente distinto da missão da Força em Estado de Alerta da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) recentemente aprovado pelo órgão regional. Em vez disso, o destacamento do Ruanda existe no contexto das boas relações bilaterais entre Maputo e Kigali, acordos entre os dois países que datam de 2018 e, de acordo com o governo do Ruanda, um “compromisso do Ruanda para com a doutrina Responsabilidade para Proteger”. Não houve indicações públicas sobre a duração planeada do destacamento.

Pouco se sabe sobre o que exactamente “operações de combate e segurança… estabilização e reforma do sector de segurança” implicarão. Os primeiros voos das tropas ruandesas aterraram em Nacala, província de Nampula, no dia 9 de Julho, mas há escassez de detalhes sobre os locais para onde foram escalados. O Vice-Inspetor Geral da Polícia de Ruanda disse a mais de 300 dos seus oficiais que se preparavam para a viagem que seriam divididos entre Mueda e a península de Afungi, no distrito de Palma, mas outras fontes dizem que a maioria - senão todos - estarão baseados em Afungi, onde deverão estabelecer um perímetro de segurança em torno dos projectos locais de gás natural liquefeito. Fontes no terreno dizem que há uma ofensiva em andamento para limpar a área ao redor dos projectos de gás e que as tropas ruandesas serão posicionadas nas áreas que forem libertadas.

A reação internacional ao destacamento foi dividida. O presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, descreveu a chegada dos ruandeses a Moçambique como um “acto forte e concreto de solidariedade africana”, descrevendo como um progresso em direcção a uma abordagem cooperativa de contraterrorismo no continente. Os governos da SADC, no entanto, ficaram menos satisfeitos. A Ministra da Defesa da África do Sul, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, classificou o facto de os ruandeses terem chegado antes da Força do Estado em Alerta da SADC de “lamentável” e expressou seu desejo de que o destacamento de Ruanda tivesse sido integrado à missão da SADC em vez de chegar por conta própria. 

De facto, parece haver um atraso da parte de Moçambique que permitiu que as tropas ruandesas chegassem antes das forças da SADC. Os líderes da SADC já haviam declarado que a missão da SADC seria destacada no dia 15 de Julho, mas até 13 de Julho o governo moçambicano ainda não havia assinado o Acordo de Estatuto de Forças (SOFA) com a SADC, necessário para o início da missão da SADC. Tendo em conta a não implementação do SOFA ainda, a missão da SADC está indefinidamente atrasada enquanto as tropas ruandesas se instalam em suas posições. Quando a força da SADC for destacada, poderá ser forçada pelos factos no terreno a subordinar o seu papel a qualquer plano estratégico elaborado entre as forças moçambicanas e ruandesas.

Em Moçambique, a chegada dos ruandeses provocou fortes críticas por parte da oposição e das vozes da sociedade civil. O Presidente da Renamo, Ossufo Momade, disse que o convite aos ruandeses era ilegal, visto que o parlamento nunca foi informado da missão. No entanto, o Presidente Filipe Nyusi mostrou-se entusiasmado com o destacamento durante um discurso em Mueda feito no dia 9 de Julho. Durante o discurso, Nyusi disse perante formatura de agentes de segurança que Moçambique “pediu apoio aos nossos amigos no Ruanda… eles já estão a chegar”. No entanto, ele também foi rápido em advertir que nem os ruandeses nem um eventual destacamento da SADC assumiriam a liderança na contra-insurgência em Cabo Delgado. Em vez disso, disse, as tropas estrangeiras iam trabalhar com os comandantes das forças de segurança moçambicanas que vão “dividir áreas de modo que nem todos possam ir para o mesmo local” - ou seja, as forças estrangeiras serão destacadas numa estratégia de concepção moçambicana. Nyusi revelou ainda que os zimbabweanos já realizam treino militar com tropas moçambicanas em Moçambique.

Subsistem questões importantes tanto sobre as missões do Ruanda e da SADC. O conteúdo do SOFA entre Moçambique e o Ruanda permanece em segredo, assim como os pontos de discórdia que impedem a assinatura de um SOFA entre Moçambique e a SADC. O orçamento e os financiadores de ambas as missões também não são claros. A questão mais incisiva, no entanto, se as tropas estrangeiras vão estar envolvidas na linha da frente em Cabo Delgado, é saber como elas irão operar em um ambiente violento e confuso. As forças moçambicanas, com as vantagens linguísticas e de conhecimento local que possuem, são habitualmente enganadas por disfarces de insurgentes, sejam eles militares, policiais ou civis. Ao mesmo tempo, as tropas moçambicanas frequentemente maltratam civis que não conseguem diferenciar eficazmente dos insurgentes. Como as tropas de Ruanda e, mais tarde, da SADC lidarão com os caprichos de uma insurgência confusa em um país estrangeiro? E, se a sua inexperiência levar estas tropas estrangeiras a prejudicar os civis moçambicanos, quais serão as consequências políticas?

Resposta do Governo

Ainda não há uma mobilização humanitária à altura da mobilização militar maciça para Cabo Delgado. O Programa Alimentar Mundial (PMA) na semana passada divulgou um alerta de que, sem mais financiamento, Cabo Delgado corre o risco de uma “emergência de fome”, com a possibilidade de cortes de serviços já em Agosto. O orçamento proposto pelo PMA para Cabo Delgado permanece subfinanciado em 121 milhões de dólares norte- americanos.

Para além das preocupações com relação a segurança alimentar, a prestação de cuidados médicos aos deslocados em áreas de difícil acesso da província continua a ser um desafio. Na semana passada, uma criança deslocada morreu em um centro de saúde de Nangade devido a complicações de diabetes. O pessoal do centro de saúde diz que a falta de suprimentos, combinada com as terríveis  condições que muitos pacientes enfrentam para chegar a Nangade, torna por vezes muito difícil até mesmo a prestação de cuidados médicos que salvam vidas.

No entanto, há boas notícias no âmbito humanitário. Produtos alimentares estão a caminho de Quitunda e outras áreas onde os civis se encontram fora da vila de Palma. Os carregamentos de Pemba chegam a Maganja. Como resultado, os preços de produtos em Quitunda são elevados - cerca de 1,73 dólares norte-americanos (110 meticais) por um quilograma de arroz - mas não tão especulativos como eram no auge da fome em Palma quando os preços eram duas vezes mais elevados.

Para além das preocupações humanitárias imediatas, na semana passada houve anúncios de novos projectos de desenvolvimento na província. Portugal e a União Europeia (UE) comprometeram-se a financiar um programa de formação profissional para cerca de 1.200 jovens de Cabo Delgado, sedeados em Pemba. No anúncio, o vice-ministro do Trabalho de Moçambique notou uma certa tensão no cerne da questão em Cabo Delgado, ao afirmar que o programa irá fornecer aos jovens qualificações que irão “permitir-lhes trabalhar em qualquer parte do mundo” mas que está “convencido que eles irão  trabalhar em Cabo Delgado, em Palma, porque acreditamos que será [possível] retomar todo o processo" de investimento do gás natural. Dado o  histórico de contratação local em torno dos projectos de gás, a juventude poderia ser perdoada por estar menos convencida do que o vice-ministro.

Finalmente, como era esperado, a UE deu o seu aval a uma missão de treino de 120 militares em Moçambique. A missão vai dar continuidade ao trabalho já realizado pelos formadores portugueses, não se esperando qualquer tipo de destacamento de combate ou mesmo componente logística de combate. 

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